Feto:
ser humano ou não?
O
Tribunal Europeu de Direitos Humanos, determinou, na semana passada,
que não se pode reconhecer um feto como pessoa, em uma ação
judicial movida contra o Estado Francês por uma cidadã
que sofreu aborto devido a um erro médico. Em sua sentença,
o tribunal justificou a decisão pela ''falta de um consenso
europeu sobre uma definição científica e jurídica
do início da vida''.
O caso denunciado é de 1991, quando Thi-Nho Vo, grávida
de seis meses, foi ao hospital Hôtel-Dieu de Lyon (Sudeste
da França) para uma revisão médica. No mesmo
dia, outra paciente vietnamita, Thi Thanh Van Vo, apresentou-se
ao centro para que lhe retirassem o dispositivo intra-uterino (DIU).
A semelhança de nomes confundiu o médico e Thi-Nho
Vo, que não sabia falar francês, não conseguiu
se comunicar com o ginecologista François Golfier. A mulher
sofreu a intervenção, que provocou a ruptura da bolsa
do líquido amniótico, obrigando-a a se submeter a
um aborto terapêutico. Os juízes estimaram, no entanto,
que existe ''um denominador mínimo comum'' acerca do estatuto
do feto na Europa, que é a necessidade de ''proteger a potencialidade
deste ser e sua capacidade de se converter em pessoa, sem que isto
o torne um ser humano com direito à vida''. Por estas considerações,
o tribunal está convencido de que seja possível responder
no abstrato sobre o que é uma pessoa, segundo a sentença.
Esta é a primeira vez que o tribunal examina um caso em que
se debate se um feto deve ser considerado ser humano e desfrutar
dos mesmos direitos de alguém que já tenha nascido.
Ativistas dos direitos das mulheres haviam alertado que se Vo ganhasse
a causa, o direito de aborto e a legalidade da pílula do
dia seguinte estariam seriamente comprometido na Europa.
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Antônio
Santoro
Prof. da Faculdade de Direito
da UFRJ, especialista em processos criminais
"A
ação movida tem natureza criminal, não
civil de ressarcimentos por danos causados. Foi sob
este prisma que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos
não reconheceu um feto como pessoa. Vale dizer
que, à luz desta introdução,
a decisão é acertada.
No Brasil aborto é crime, sendo certo que todos
os estudiosos da matéria apontam o feto como
sujeito passivo (vítima) do crime. Como homicídio
é um crime diverso do aborto, a própria
lei brasileira, a princípio, não equipara
feto a ser humano para efeito de determinação
do sujeito passivo destes crimes. Isso não
significa que a questão seja simples, pois,
ao mesmo tempo em que feto não é equiparado
a ser humano, é comum apontar a vida humana
como bem jurídico protegido tanto no crime
de aborto como no de homicídio, o que faz com
que alguns autores tratem o feto como pessoa. Fato
é que o homicídio só é
aplicável a vítimas já nascidas,
assim entendido, quando ocorre o rompimento do saco
amniótico.
Ademais, como o aborto não é punível
a título de culpa, mas apenas dolo, o médico
francês nunca poderia ser condenado, de acordo
com a lei brasileira, por este crime.
No caso em discussão, a questão na Europa
ganha contornos um pouco diferentes. Ao que se vê
da matéria jornalística, o aborto é
um direito da mulher européia e, portanto,
não punível criminalmente. Assim, para
punir o médico em questão, a corte européia
teria necessariamente que mudar o entendimento segundo
o qual aborto e homicídio são atos diferentes,
criminalizando indiretamente o aborto para puni-lo
como se o feto fosse um ser humano.
Desta forma, punir o médico pela morte do feto
seria uma aplicação casuística
do Direito Penal, violadora do princípio da
legalidade e da anterioridade da lei penal, o que
é rechaçado por qualquer sistema penal
democrático do mundo."
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Ricardo
Bruno
Faculdade de Medicina da UFRJ,
Instituto de Ginecologia
Sobre
a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos,
acho um total absurdo, pois convenhamos: um Tribunal
com esse título não poderia ser conivente
com uma morte fetal de maneira tão negligente.
Podemos considerar até a 12ª semana do concepto
como embrião que a partir desta, passa a ser
chamado feto,
um ser vivo que se estende até o seu nascimento
quando então, o mesmo é promovido a recém
nato. Se não considerarmos o feto como humano
iremos reconhecê-lo como o quê? Animal?
Vegetal? Outro? Sei lá! Fiquei mais indignado
ainda com o concorde das ativistas dos direitos da mulher.
Será que a liberdade e o reconhecimento dos direitos
femininos, tão importantes no mundo moderno,
têm que
passar pelo assassinato de um ser humano? Não
sou a favor nem contra o aborto, mas cada caso é
um caso e merece respeito do casal ou pelo menos da
mãe, que nesse caso queria ter o filho. Louvo
atitudes como a do ministro Marco Aurélio de
Mello que permitiu a aborto para fetos anencéfalos
(sem cérebro) que são casos incompatíveis
com a vida e onde deve preponderar o desejo do casal
e não uma autorização judicial.
Quanto ao erro médico, não me julgo capaz
de sentenciar o médico, mas algumas considerações
podem e devem ser feitas sobre o caso; dois fatores,
julgo de importância para o atendimento a qualquer
paciente: primeiro o bom relacionamento médico
paciente com um diálogo que não houve,
talvez a presença de uma intérprete fosse
necessária. Em segundo lugar, firmo o bom exame
clínico, principalmente antes de um procedimento
invasivo como a retirada de um DIU que requer pelo menos
um toque que seria suficiente para perceber uma gestação
de 24 semanas. Reconheço que a coincidência
induziu o colega ao erro, não é todo dia
que adentra os ambulatórios do sudeste da França
duas vietnamitas para atendimento."
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