Olho no Olho

 
13.07.2004  
   

Feto: ser humano ou não?

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, determinou, na semana passada, que não se pode reconhecer um feto como pessoa, em uma ação judicial movida contra o Estado Francês por uma cidadã que sofreu aborto devido a um erro médico. Em sua sentença, o tribunal justificou a decisão pela ''falta de um consenso europeu sobre uma definição científica e jurídica do início da vida''.
O caso denunciado é de 1991, quando Thi-Nho Vo, grávida de seis meses, foi ao hospital Hôtel-Dieu de Lyon (Sudeste da França) para uma revisão médica. No mesmo dia, outra paciente vietnamita, Thi Thanh Van Vo, apresentou-se ao centro para que lhe retirassem o dispositivo intra-uterino (DIU). A semelhança de nomes confundiu o médico e Thi-Nho Vo, que não sabia falar francês, não conseguiu se comunicar com o ginecologista François Golfier. A mulher sofreu a intervenção, que provocou a ruptura da bolsa do líquido amniótico, obrigando-a a se submeter a um aborto terapêutico. Os juízes estimaram, no entanto, que existe ''um denominador mínimo comum'' acerca do estatuto do feto na Europa, que é a necessidade de ''proteger a potencialidade deste ser e sua capacidade de se converter em pessoa, sem que isto o torne um ser humano com direito à vida''. Por estas considerações, o tribunal está convencido de que seja possível responder no abstrato sobre o que é uma pessoa, segundo a sentença.
Esta é a primeira vez que o tribunal examina um caso em que se debate se um feto deve ser considerado ser humano e desfrutar dos mesmos direitos de alguém que já tenha nascido. Ativistas dos direitos das mulheres haviam alertado que se Vo ganhasse a causa, o direito de aborto e a legalidade da pílula do dia seguinte estariam seriamente comprometido na Europa.

   
       

Antônio Santoro
Prof. da Faculdade de Direito da UFRJ, especialista em processos criminais

"A ação movida tem natureza criminal, não civil de ressarcimentos por danos causados. Foi sob este prisma que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos não reconheceu um feto como pessoa. Vale dizer que, à luz desta introdução, a decisão é acertada.
No Brasil aborto é crime, sendo certo que todos os estudiosos da matéria apontam o feto como sujeito passivo (vítima) do crime. Como homicídio é um crime diverso do aborto, a própria lei brasileira, a princípio, não equipara feto a ser humano para efeito de determinação do sujeito passivo destes crimes. Isso não significa que a questão seja simples, pois, ao mesmo tempo em que feto não é equiparado a ser humano, é comum apontar a vida humana como bem jurídico protegido tanto no crime de aborto como no de homicídio, o que faz com que alguns autores tratem o feto como pessoa. Fato é que o homicídio só é aplicável a vítimas já nascidas, assim entendido, quando ocorre o rompimento do saco amniótico.
Ademais, como o aborto não é punível a título de culpa, mas apenas dolo, o médico francês nunca poderia ser condenado, de acordo com a lei brasileira, por este crime.
No caso em discussão, a questão na Europa ganha contornos um pouco diferentes. Ao que se vê da matéria jornalística, o aborto é um direito da mulher européia e, portanto, não punível criminalmente. Assim, para punir o médico em questão, a corte européia teria necessariamente que mudar o entendimento segundo o qual aborto e homicídio são atos diferentes, criminalizando indiretamente o aborto para puni-lo como se o feto fosse um ser humano.
Desta forma, punir o médico pela morte do feto seria uma aplicação casuística do Direito Penal, violadora do princípio da legalidade e da anterioridade da lei penal, o que é rechaçado por qualquer sistema penal democrático do mundo."

 

Ricardo Bruno
Faculdade de Medicina da UFRJ, Instituto de Ginecologia

Sobre a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, acho um total absurdo, pois convenhamos: um Tribunal com esse título não poderia ser conivente com uma morte fetal de maneira tão negligente. Podemos considerar até a 12ª semana do concepto como embrião que a partir desta, passa a ser chamado feto, um ser vivo que se estende até o seu nascimento quando então, o mesmo é promovido a recém nato. Se não considerarmos o feto como humano iremos reconhecê-lo como o quê? Animal? Vegetal? Outro? Sei lá! Fiquei mais indignado ainda com o concorde das ativistas dos direitos da mulher. Será que a liberdade e o reconhecimento dos direitos femininos, tão importantes no mundo moderno, têm que
passar pelo assassinato de um ser humano? Não sou a favor nem contra o aborto, mas cada caso é um caso e merece respeito do casal ou pelo menos da mãe, que nesse caso queria ter o filho. Louvo atitudes como a do ministro Marco Aurélio de Mello que permitiu a aborto para fetos anencéfalos (sem cérebro) que são casos incompatíveis com a vida e onde deve preponderar o desejo do casal e não uma autorização judicial.
Quanto ao erro médico, não me julgo capaz de sentenciar o médico, mas algumas considerações podem e devem ser feitas sobre o caso; dois fatores, julgo de importância para o atendimento a qualquer paciente: primeiro o bom relacionamento médico paciente com um diálogo que não houve, talvez a presença de uma intérprete fosse necessária. Em segundo lugar, firmo o bom exame clínico, principalmente antes de um procedimento invasivo como a retirada de um DIU que requer pelo menos um toque que seria suficiente para perceber uma gestação de 24 semanas. Reconheço que a coincidência induziu o colega ao erro, não é todo dia que adentra os ambulatórios do sudeste da França duas vietnamitas para atendimento."

 
 

 

 

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