Noite
de nostalgia do vivido e do não vivido
Leitura do espetáculo 'Opinião', no anfiteatro
da UFRJ, une gerações na platéia, 40 anos após
o golpe militar.
Passados
40 anos exatos do dia em que a liberdade de expressão no
Brasil da era da bossa nova começou a morrer, várias
gerações posteriores uniram-se à daquele período
para celebrar a opinião. Ou melhor, o "Opinião",
o espetáculo musical/teatral que representou a primeira resposta
da classe artística ao golpe militar de 31 de março
de 1964.
Em 31
de março de 2004, o anfiteatro da UFRJ, no campus da Praia
Vermelha, um local de alta efervescência cultural na época
pré-golpe, estava cheio de pessoas de idades muito diferentes,
mas com um mesmo jeitão. O tipo de pessoa que se emociona
com versos como "só 1% do povo pode ser doutor/coitado
do pobre, do trabalhador". E se emociona um pouco mais ao lembrar
que era Zé Kéti quem cantava isso no Opinião
original.
- Estou
emocionada, porque isso me lembra uma época muito importante
- confirmava, durante o espetáculo, a farmacêutica
Rosana. - E eu nunca tinha visto, embora conhecesse várias
músicas.
Intenção
de Ana de Hollanda é remontar o show
Desta
vez, não era Zé Kéti a cantar a canção,
e sim Délcio Carvalho, expoente de uma geração
posterior do samba. Assim como não era Nara Leão nem
João do Vale a acompanhá-lo no palco, mas Ana de Hollanda
e Sérgio Lorosa. Mas, mais para o fundo, estava ali o músico
Roberto Nascimento, que tocara no espetáculo original, acumulando
violão e direção musical. Além de ponto
para Délcio Carvalho, no momento em que este esqueceu uma
fala.
- É
f..., tô sem texto - desculpou-se Délcio, tomando um
gole d'água, sem perceber que o headset (microfone como os
das atendentes de telemarketing, usado pelos três) jogou a
observação no amplificador.
Tudo bem. Afinal de contas, era uma leitura, não um espetáculo
pronto. Ainda não.
- Existe um sonho de levarmos isso adiante - disse Ana de Hollanda,
após o fim do espetáculo. - Mas ainda não há
nada certo. Isso aqui foi feito especialmente para hoje.
- Isso aqui é a universidade cumprindo sua missão
institucional de reviver vários aspectos da vida brasileira
que marcaram nossa história e ainda marcam a atualidade -
disse João Eduardo, chefe do gabinete da reitoria, ele mesmo
vendo o "Opinião" pela primeira vez. - Eu tinha
10 anos na época do espetáculo.
Sim, nem todos os de cabelos brancos ali estavam revivendo sensações
dos anos 60. Como o anfiteatro é aberto e o espetáculo,
gratuito, havia na platéia quem sequer soubesse do que se
tratava. Por outro lado, havia estudantes-clichê: a barba,
os óculos, a roupa surrada. E os olhos brilhando ao ouvir
"Carcará", "Guantanamera" ou "A
voz do morro". A música parecia ser um de dois grandes
atrativos do espetáculo para os mais jovens.
- O meu interesse por esse período surgiu muito através
da música - dizia, antes do espetáculo, a estudante
de letras Irene, de 17 anos. - Acho o máximo aquilo que eles
faziam nas letras de esconder o que tinha que ser escondido. Vivo
contando sobre aquela época para os meus irmãos mais
novos.
O outro grande atrativo foi melhor resumido pelo João do
Vale da ocasião, Sérgio Lorosa, na chegada, ao cumprimentar
os teatrólogos Augusto Boal e João das Neves, mitos
da geração 64 presentes, respectivamente diretor do
espetáculo original e um dos fundadores do posterior grupo
Opinião.
- Que saudade, né? - disse Boal.
- Saudade do que eu não vivi, né? - respondeu Lorosa,
detalhando mais o que sentia posteriormente. - Tenho amigos atores
da década de 60 que tomaram borrachada da ditadura e isso
criou nas outras gerações um senso de responsabilidade
artística e social que permaneceu.
- Estamos tentando marcar uma época, mostrar que a gente
não esquece os crimes da ditadura - disse Boal, que possivelmente
dirigirá a nova montagem.- O que eles passaram não
foi em vão - disse Lorosa. - Eles lutaram por isso, pela
liberdade de a gente poder se expressar. Opinião.
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