De Olho na Mídia

 
06.04.2004  
   

Noite de nostalgia do vivido e do não vivido
Leitura do espetáculo 'Opinião', no anfiteatro da UFRJ, une gerações na platéia, 40 anos após o golpe militar.


Passados 40 anos exatos do dia em que a liberdade de expressão no Brasil da era da bossa nova começou a morrer, várias gerações posteriores uniram-se à daquele período para celebrar a opinião. Ou melhor, o "Opinião", o espetáculo musical/teatral que representou a primeira resposta da classe artística ao golpe militar de 31 de março de 1964.
Em 31 de março de 2004, o anfiteatro da UFRJ, no campus da Praia Vermelha, um local de alta efervescência cultural na época pré-golpe, estava cheio de pessoas de idades muito diferentes, mas com um mesmo jeitão. O tipo de pessoa que se emociona com versos como "só 1% do povo pode ser doutor/coitado do pobre, do trabalhador". E se emociona um pouco mais ao lembrar que era Zé Kéti quem cantava isso no Opinião original.
- Estou emocionada, porque isso me lembra uma época muito importante - confirmava, durante o espetáculo, a farmacêutica Rosana. - E eu nunca tinha visto, embora conhecesse várias músicas.

Intenção de Ana de Hollanda é remontar o show
Desta vez, não era Zé Kéti a cantar a canção, e sim Délcio Carvalho, expoente de uma geração posterior do samba. Assim como não era Nara Leão nem João do Vale a acompanhá-lo no palco, mas Ana de Hollanda e Sérgio Lorosa. Mas, mais para o fundo, estava ali o músico Roberto Nascimento, que tocara no espetáculo original, acumulando violão e direção musical. Além de ponto para Délcio Carvalho, no momento em que este esqueceu uma fala.
- É f..., tô sem texto - desculpou-se Délcio, tomando um gole d'água, sem perceber que o headset (microfone como os das atendentes de telemarketing, usado pelos três) jogou a observação no amplificador.
Tudo bem. Afinal de contas, era uma leitura, não um espetáculo pronto. Ainda não.
- Existe um sonho de levarmos isso adiante - disse Ana de Hollanda, após o fim do espetáculo. - Mas ainda não há nada certo. Isso aqui foi feito especialmente para hoje.
- Isso aqui é a universidade cumprindo sua missão institucional de reviver vários aspectos da vida brasileira que marcaram nossa história e ainda marcam a atualidade - disse João Eduardo, chefe do gabinete da reitoria, ele mesmo vendo o "Opinião" pela primeira vez. - Eu tinha 10 anos na época do espetáculo.
Sim, nem todos os de cabelos brancos ali estavam revivendo sensações dos anos 60. Como o anfiteatro é aberto e o espetáculo, gratuito, havia na platéia quem sequer soubesse do que se tratava. Por outro lado, havia estudantes-clichê: a barba, os óculos, a roupa surrada. E os olhos brilhando ao ouvir "Carcará", "Guantanamera" ou "A voz do morro". A música parecia ser um de dois grandes atrativos do espetáculo para os mais jovens.
- O meu interesse por esse período surgiu muito através da música - dizia, antes do espetáculo, a estudante de letras Irene, de 17 anos. - Acho o máximo aquilo que eles faziam nas letras de esconder o que tinha que ser escondido. Vivo contando sobre aquela época para os meus irmãos mais novos.
O outro grande atrativo foi melhor resumido pelo João do Vale da ocasião, Sérgio Lorosa, na chegada, ao cumprimentar os teatrólogos Augusto Boal e João das Neves, mitos da geração 64 presentes, respectivamente diretor do espetáculo original e um dos fundadores do posterior grupo Opinião.
- Que saudade, né? - disse Boal.
- Saudade do que eu não vivi, né? - respondeu Lorosa, detalhando mais o que sentia posteriormente. - Tenho amigos atores da década de 60 que tomaram borrachada da ditadura e isso criou nas outras gerações um senso de responsabilidade artística e social que permaneceu.
- Estamos tentando marcar uma época, mostrar que a gente não esquece os crimes da ditadura - disse Boal, que possivelmente dirigirá a nova montagem.- O que eles passaram não foi em vão - disse Lorosa. - Eles lutaram por isso, pela liberdade de a gente poder se expressar. Opinião.

 

 

Últimas Matérias
30.03.2004  "Vocês ganharam desta vez"
23.03.2004  DNA volta à moda e é tema de exposição na Casa da Ciência da UFRJ
16.03.2004  Sistema da UFRJ "silencia" ponte Rio-Niterói