''Vocês
ganharam desta vez''
A frase, dita sexta-feira pelo reitor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Aloísio Teixeira, encerrou 57 horas da ocupação,
pelos alunos, do gabinete do diretor da Faculdade de Direito. Ela
encerra duas mensagens: reconhece a vitória da mobilização
estudantil e aponta que esta foi apenas uma batalha.
Maíra, Cláudio, Isabella, Sérgio, Ana Paula,
Alexandre, João e Diego são alguns dos que ocuparam
o gabinete de paredes decoradas com madeira e sisudos carpete e
cortinas vinho. Todos na faixa dos 18 aos 25 anos. Estudantes de
Direito orgulhosos, num primeiro momento, por ter conquistado uma
das 510 vagas oferecidas a 6.500 candidatos.
No que mergulharam nos corredores do prédio, tiveram um choque
de realidade e frustração. A infra-estrutura na Nacional
(como a maioria chama) é precária. Faltam água,
cadeiras, sistema de refrigeração decente, papel higiênico
nos banheiros. Retratos do garrote imposto ao ensino público
e gratuito desde os governos militares. Estes alunos sonhavam cursar
uma das mais conceituadas faculdades do país. Mas se chocaram
com a grade incompleta de docentes. Ficaram inconformados por ter
apenas dois professores titulares, enquanto há concursados
não contratados e dezenas de substitutos de currículo
duvidoso dando aula.
Seguindo rumo oposto ao da maioria de sua geração,
este grupo não é adepto da filosofia ''Tô nem
aí...''. Mobilizou-se, pressionou até que fossem ouvidos
além das paredes da universidade. Estavam respaldados pelo
relatório de uma comissão de sindicância interna
que recomendava a instauração de um processo disciplinar
contra o diretor, seu afastamento como medida cautelar e uma intervenção
enquanto se apuram as irregularidades.
Que incentivo tiveram? Dos pais e irmãos mais velhos, críticas.
''Vai se meter em política?'', ouviram. Política posta
no mesmo patamar de atividades degradantes. Por essas e outras,
a Faculdade de Direito está assim. Fruto de uma sociedade
individualista, calcada no cada um por si.
''A gente não tinha grêmio, diretório, nenhum
incentivo ao debate até chegar à universidade'', contou
um dos ocupantes do então ''Gabinete dos Alunos'', como anunciava
a faixa na porta. ''Política só traz preconceito'',
disse outro.
Foi assim, aos trancos, que aprenderam. O Tribunal Regional Eleitoral
acaba de lançar a campanha ''Fala sério: vota'', para
incentivar os jovens entre 16 e 18 anos a exercer seu direito, ainda
facultativo. Cada um, sozinho, se julga impotente para mudar o mundo.
Só no Rio, eles são 800 mil. Suficientes para mudar
os rumos de uma eleição. No Estado, 25% já
têm seu título de eleitor (que pode ser tirado até
o dia 5 de maio). Número inferior, somente em Brasília,
com 14%. Falta de consciência? Talvez não. Em Brasília
está mais exposto o retrato da distorção do
exercício da política. Mas são estes eleitores
que podem depurar nossos representantes. O que para nós torna-se,
a cada dia, quase um sonho juvenil.
As Maíras, Cláudios, Isabellas, Sérgios, Anas
Paulas, Alexandres, Joões e Diegos deram o primeiro passo.
Mostraram que é possível avançar. Podem se
unir agora para exigir do governo federal mais verbas para um gigante
chamado UFRJ que, no orçamento deste ano, não tem
um tostão para pagar a dívida com a Light, para reparos
e manutenção nos prédios. Devem exigir uma
reforma universitária que garanta um direito do cidadão
e um dever do Estado gravados na Constituição. Poucos
têm vinculação com partidos, o que já
foi mais comum entre grupos organizados nas universidades. Nada
contra, pois sabemos o quanto este cachimbo costuma entortar a boca
dos donos.
O Caco, Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, tem história.
Seus atuais dirigentes só conhecem 1964 de ouvir falar. O
Caco foi um marco na resistência contra a ditadura. Há
40 anos, naquele prédio, professores e alunos estavam unidos
contra o inimigo comum. Dói saber que agora a luta é
interna, para garantir educação de qualidade e fincar
os alicerces do futuro. Deles e de um país mais justo.
Durante a ocupação, acrescentaram à parede,
ornada de placas de bronze com homenagens, um cartaz de cartolina
onde se lia: ''Homenagem aos alunos que, preocupados com o ensino,
ocuparam o gabinete e exigiram Fora Armênio - 24/03/2004''.
Que do cartaz se faça uma placa a ser fixada naquela parede.
Afinal, eles deram uma lição de direito.
Jornal do
Brasil - País - Coluna Marcos Barros Pinto
29 de março de 2004
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