De Olho na Mídia

 
30.03.2004  
   

''Vocês ganharam desta vez''

A frase, dita sexta-feira pelo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Aloísio Teixeira, encerrou 57 horas da ocupação, pelos alunos, do gabinete do diretor da Faculdade de Direito. Ela encerra duas mensagens: reconhece a vitória da mobilização estudantil e aponta que esta foi apenas uma batalha.
Maíra, Cláudio, Isabella, Sérgio, Ana Paula, Alexandre, João e Diego são alguns dos que ocuparam o gabinete de paredes decoradas com madeira e sisudos carpete e cortinas vinho. Todos na faixa dos 18 aos 25 anos. Estudantes de Direito orgulhosos, num primeiro momento, por ter conquistado uma das 510 vagas oferecidas a 6.500 candidatos.
No que mergulharam nos corredores do prédio, tiveram um choque de realidade e frustração. A infra-estrutura na Nacional (como a maioria chama) é precária. Faltam água, cadeiras, sistema de refrigeração decente, papel higiênico nos banheiros. Retratos do garrote imposto ao ensino público e gratuito desde os governos militares. Estes alunos sonhavam cursar uma das mais conceituadas faculdades do país. Mas se chocaram com a grade incompleta de docentes. Ficaram inconformados por ter apenas dois professores titulares, enquanto há concursados não contratados e dezenas de substitutos de currículo duvidoso dando aula.
Seguindo rumo oposto ao da maioria de sua geração, este grupo não é adepto da filosofia ''Tô nem aí...''. Mobilizou-se, pressionou até que fossem ouvidos além das paredes da universidade. Estavam respaldados pelo relatório de uma comissão de sindicância interna que recomendava a instauração de um processo disciplinar contra o diretor, seu afastamento como medida cautelar e uma intervenção enquanto se apuram as irregularidades.
Que incentivo tiveram? Dos pais e irmãos mais velhos, críticas. ''Vai se meter em política?'', ouviram. Política posta no mesmo patamar de atividades degradantes. Por essas e outras, a Faculdade de Direito está assim. Fruto de uma sociedade individualista, calcada no cada um por si.
''A gente não tinha grêmio, diretório, nenhum incentivo ao debate até chegar à universidade'', contou um dos ocupantes do então ''Gabinete dos Alunos'', como anunciava a faixa na porta. ''Política só traz preconceito'', disse outro.
Foi assim, aos trancos, que aprenderam. O Tribunal Regional Eleitoral acaba de lançar a campanha ''Fala sério: vota'', para incentivar os jovens entre 16 e 18 anos a exercer seu direito, ainda facultativo. Cada um, sozinho, se julga impotente para mudar o mundo. Só no Rio, eles são 800 mil. Suficientes para mudar os rumos de uma eleição. No Estado, 25% já têm seu título de eleitor (que pode ser tirado até o dia 5 de maio). Número inferior, somente em Brasília, com 14%. Falta de consciência? Talvez não. Em Brasília está mais exposto o retrato da distorção do exercício da política. Mas são estes eleitores que podem depurar nossos representantes. O que para nós torna-se, a cada dia, quase um sonho juvenil.
As Maíras, Cláudios, Isabellas, Sérgios, Anas Paulas, Alexandres, Joões e Diegos deram o primeiro passo. Mostraram que é possível avançar. Podem se unir agora para exigir do governo federal mais verbas para um gigante chamado UFRJ que, no orçamento deste ano, não tem um tostão para pagar a dívida com a Light, para reparos e manutenção nos prédios. Devem exigir uma reforma universitária que garanta um direito do cidadão e um dever do Estado gravados na Constituição. Poucos têm vinculação com partidos, o que já foi mais comum entre grupos organizados nas universidades. Nada contra, pois sabemos o quanto este cachimbo costuma entortar a boca dos donos.
O Caco, Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, tem história. Seus atuais dirigentes só conhecem 1964 de ouvir falar. O Caco foi um marco na resistência contra a ditadura. Há 40 anos, naquele prédio, professores e alunos estavam unidos contra o inimigo comum. Dói saber que agora a luta é interna, para garantir educação de qualidade e fincar os alicerces do futuro. Deles e de um país mais justo.
Durante a ocupação, acrescentaram à parede, ornada de placas de bronze com homenagens, um cartaz de cartolina onde se lia: ''Homenagem aos alunos que, preocupados com o ensino, ocuparam o gabinete e exigiram Fora Armênio - 24/03/2004''. Que do cartaz se faça uma placa a ser fixada naquela parede.
Afinal, eles deram uma lição de direito.

Jornal do Brasil - País - Coluna Marcos Barros Pinto
29 de março de 2004

 

 

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