Olho no Olho

 
07.10.2003  
   

O escândalo da notícia

O sensacionalismo tem sido moeda corrente nas mensagens audiovisuais atuais. Desconhecidos tornam-se ilustres: produtos efêmeros fabricados por uma indústria que produz relações de consumo inclusive no nível simbólico. Acontecimentos triviais viram notícia, já que a “lógica do furo” permeia as intenções informativas desde os produtores até os editores de imagem e de revistas e jornais impressos.
Os escândalos geram audiência, capitalizando rendas fabulosas para as empresas que trabalham no ramo da informação. Discutindo esta questão, apresentamos o ponto de vista de dois professores da UFRJ.

 
       

Micael Herschmann
Professor Adjunto da Escola de Comunicação da UFRJ, onde também coordena o NEPCON

Talvez mais do que uma “civili-zação da imagem”, a expressão que melhor define o mundo em que esta-mos vivendo hoje é uma “era da visibi-lidade”, ou melhor, de uma “alta visibilidade”. Ver e exibir se constituem, atualmente, aspectos vitais do ambiente cultural em que estamos profundamente imersos. Esse processo de produção de uma visibilização intensa e constante na mídia parece nos fascinar irresis-tivelmente e tem como uma das suas contrapartidas o crescimento dos núme-ros de escândalos com os quais toma-mos contato. É conseqüência óbvia de vidas e intimidades cada vez mais visí-veis e consumidas de forma ávida pelo público.
Aliás, a propósito, sobre a platéia anô-nima, isto é, sobre todos os que estão do “outro lado do vidro”, pode-se observar um processo curioso. Com a ascensão e hegemonia do culto às celebridades, cada vez mais, não obter algum tipo de visibilidade temporária ganha uma enorme dramaticidade. Já se desen-volveram inúmeras “receitas” para se tornar uma celebridade. Todos os candidatos à celebridade vêm adotando a estratégia estética do maior, mais barulhento e mais rápido. Isso vem provocando um processo em cadeia que forçou os pretendentes ao lugar de celebridade a se tornarem mais escandalosos (e até violentos) para serem notados em meio à balbúrdia e ouvidos em meio à gritaria.
O antropólogo Roberto da Matta nos recorda que, o sujeito famoso se constitui, no Brasil, numa espécie de “superpessoa”, uma espécie de super cidadão. Assim, especialmente em países como o nosso marcados pela desigualdade e pela exclusão social, em que essas oportunidades de visibilidade e ascensão social são menores, o anonimato é interpretado pelas camadas menos privilegiadas da população como um ato de violência, mais uma comprovação de sua falta de cidadania. Sua participação, portanto, em programas de auditório, realityshows e similares, quase sempre desempenhando, aos olhos das camadas médias, papéis constrangedores e escandalosos, deve ser vista também dentro dessa perspectiva, isto é, como uma forma de compensação, uma chance, ainda que limitada, de serem protagonistas temporários. Poder-se-ia afirmar que a estratégia “falem mal, mas falem de mim” nunca esteve tão em voga.

 

Marcos Jardim
Professor de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da UFRJ

A palavra escândalo, de acordo com o Dicionário Etimológico de Antonio Geraldo da Cunha (Nova Fronteira, 2ª. Edição, 1986), significa “aquilo que é causa de erro ou de pecado”. Se se admite essa concepção, deve ser indagado qual é o certo ou o que é o esperado. A mídia, se referenciada como termômetro, dá o status do “erro ou pecado” segundo o espaço concedido à matéria, a freqüência do tema e seus desdobramentos. Porém a mídia em si não é isenta: representa diversos interesses em jogo e, conseqüentemente, a correlação de forças entre os diversos grupos organizados segundo interesses do momento. O tratamento dado na divulgação, ou mesmo na supressão da matéria, gera amplo espectro de possibilidades, desde a aceitação sem críticas até a especulação de que o verdadeiro objetivo é o contrário do que está sendo divulgado, o que permite vários graus intermediários de interpretação. Assim, surge o vasto material para a elaboração de “teorias conspiratórias”, boatos, “ler nas entrelinhas”. Apesar de negado com freqüência, a comunicação é, na maioria absoluta de seu uso, um processo de manipulação que visa influenciar comportamentos. Como exemplo podem ser apontados os inúmeros estudos sobre a influência da televisão, do cinema, do jornal, entre outros meios, na mudança de hábitos e comportamentos. Porém, como a mídia não pode ser “descolada” da realidade e o ser humano está sempre procurando “novidade”, sair da “mesmice”, tem-se os ingredientes do escândalo: ou o erro ou o pecado. Como o erro pode ser ou não intencional, exemplos recentes de escândalos podem estar baseados em incompetência e/ou má fé. Assim, quando recentemente uma plataforma de uma empresa de petróleo submergiu e o gerente afirmou que esta era apenas uma das plataformas, omitiu que era a mais cara, a mais complexa e de tecnologia mais avançada. Mas qual é o escândalo maior: persistir na forma equivocada de gestão ou não punir, punir levemente ou apenas parcialmente alguns dos envolvidos? E a busca de índice de audiência do Gugu? E a busca de invasão de privacidade para denunciar desvios de conduta? E quando a cumplicidade da audiência é parte da trama? E quando um programa infantil exibe a dança da garrafa em um ambiente de pedofilia? Qual o escândalo maior: o apresentado ou a passividade da sociedade? Murdoch, dono de império da comunicação, afirma que escândalo e baixaria é o que vende, é o que o público quer, e sua fortuna e sucesso em diferentes países parece ser o testemunho de sua afirmação.

 
   

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