Olho no Olho

 
02.12.2003  
   

A comercialização do Natal

O que as pessoas lembram primeiro quando o Natal se aproxima: o nascimento de Jesus ou a lista de compras a fazer para o final de ano? As professoras de Marketing e de Antropologia da Escola de Comunicação da UFRJ opinaram sobre o quanto os valores culturais do “Espírito Natalino” têm sido deixados de lado, em detrimento da valorização do aspecto comercial da data.

 

Lúcia Barbosa de Oliveira
Economista, Pós-Graduada em
Marketing e Mestre em Administração

“O consumis-mo exacerbado é um fenômeno muito mais amplo e a ‘comerciali-zação’ do Natal é apenas um reflexo dele. Hoje em dia, as pessoas são mais valorizadas por aquilo que têm, e não mais por aquilo que são ou fazem.
O individualismo tem falado cada vez mais alto, em detrimento de valores tradicionais tais como a solidariedade e o com-panheirismo.
As empresas procuram, naturamente, obter vantagens desta situação. Mas não acredito que se possa culpar os profissionais de marketing. Aqui é importante refletirmos se a comunicação de marketing é capaz de mudar os valores de uma sociedade, ou se ela é apenas um reflexo desta transformação.
Qual seriam as intenções por trás da utilização pelas lojas de campanhas que dão vantagens na compra de um produto para quem leva uma doação? Acredito que alguns empresários fazem isso com o objetivo sincero de ajudar os menos favorecidos, mas certamente há aqueles que utilizam a solidariedade apenas como apelo publicitário, tocando na ‘culpa’ das pessoas para vender mais.
O Natal é uma data religiosa e seu significado parece cada vez mais esquecido. No entanto, ele representa para muitos uma oportunidade de confraternização com familiares e amigos, e isto é bom. Nos dias de hoje, o tempo é um ‘bem’ escasso (e não pode ser comprado), que acaba por provocar o isolamento e o afastamento das pessoas de seu convívio social. Neste sentido, podemos encarar o Natal como um acontecimento positivo.
O que precisamos, na realidade, é refletir sobre nossas escolhas em todos os dias do ano. A solidariedade e a preocupação com o outro deveria fazer parte de nossas ações e atitudes em todos os dias do ano, e não apenas no Natal.”

 
 
Ilana Strozenberg
Socióloga, Mestre em Antropologia
e Doutora em Comunicação

A visão de consumo, como si-nônimo de ostentação e de tudo que se apresenta como oposto de uma atitude huma-nista e solidária, vem sendo questionada por uma série de autores como uma interpre-tação simplista e maniqueísta, que reduz o comportamento humano, qualquer que seja ele, à dimensão do econômico. Esses autores, que fundamentam uma nova vertente dos estudos antropológicos a que se denominou "Antropologia do consumo", argumentam, por um lado, que todo comportamento humano possui múltiplas dimensões e, por outro, que seu significado só pode ser compreendido no contexto sócio-cultural em que se insere.
Veja o caso do Natal. Não há dúvida de que constitui uma grande oportunidade para o aquecimento do mercado, que certamente atende a interesses de lucro econômico. Mas será que isso retira da compra e do ato de presentear o seu caráter simbólico, ritual, de reafirmação dos valores de solidariedade como fundamento da vida social, dos quais a família representaria idealmente o espaço de realização mais pleno - modelo de amor e harmonia para as demais relações? Acredito que não. Só que, na sociedade de consumo, as relações entre os homens, sejam elas políticas, estéticas, ou afetivas e morais, passam, em grande parte, pela instância do mercado. Assim como os partidos – sejam quais forem - precisam de verbas para fazerem suas campanhas e os artistas têm que se inserir no mercado de arte para sobreviver de seu ofício. Se quisermos expressar nosso afeto e solidariedade e reafirmar nossos laços de família e amizade no Natal (bem como nos aniversários, na Páscoa, ou outras ocasiões rituais) teremos que ir às com-pras. É evidente: não há como negar o fato econômico. Mas, certamente, do ponto de vista dos processos e dinâmicas sócio-culturais, é muito diferente quando o comércio e a propaganda agregam valores como amor, solidariedade e amizade a produtos que compramos para presentear de quando, ao contrário, nos vendem carros, roupas, ou, para ser ainda mais radical, aparelhos de escuta, alarmes ou armas, com o argumento de que garantirão nosso sucesso e poder de competição e defesa pessoal num universo de competidores hostis.
 
 
 


[ Leia na íntegra o texto da antropóloga
Ilana Strozenberg no Painel de Argumentos ]

 

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