Olho no Olho

 
25.11.2003  
   

Encenações filmadas: teatro ou cinema

Inegavelmente um novo momento foi inaugurado com o surgimento da fotografia e do cinema, que fundaram novos modos do homem se expressar. Como teria dito um dia Walter Benjamim – teórico da Escola de Frankfurt, toda nova tecnologia se apresenta inicialmente tosca, para só com o tempo se refinar e desenvolver uma linguagem própria. Porém, a contemporaneidade assiste a convergência de diversas linguagens, formando híbridos, um mosaico de expressões artísticas que transitam por limites anteriormente bem definidos. Atualmente, novos “produtos artísticos”, como “encenações filmadas” ocupam lugares cativos em locadoras. A seguir, duas visões discutem esta questão.

 
 
Fernando Salis
Doutor em Comunicação pela
Escola de Comunicação da UFRJ

O teatro e o vídeo se dão em linguagens diferentes e a tentativa de aproximação entre eles, em geral, não costuma ser bem sucedida. Ou o fenômeno teatral é congelado pela frieza da inserção do vídeo, ou o vídeo é subestimado em suas próprias possibilidades narrativas servindo como simples meio de “registro”. O teatro constrói a ação no espaço da cena enquanto o vídeo enquadra a ação e cria a cena através da montagem dos planos. A performance teatral considera sobretudo a relação de contigüidade com a audiência, enquanto a performance no vídeo tem como objetivo a inscrição da imagem e do som em microfones e câmeras. Em resumo, a relação com o público, a construção da ação e a percepção do espaço e do tempo são diferentes.
A exploração de novos meios de conexão entre as duas artes ainda espera uma boa resposta ao desafio de transformar o teatro em produto audiovisual. Para além da discussão sobre a descaracterização do teatro como arte da presença, esse desdobramento possível do teatro em vídeo pode ser uma nova abordagem do fazer tanto teatral, quanto videográfico. Como o vídeo é a tecnologia protagonista da indústria do audiovisual, e o teatro mal constitui uma indústria (mesmo se considerarmos o exemplo da Broadway americana), o teatro pode gerar aí um novo nicho no mercado de vídeo. O vídeo abre ao teatro as portas não apenas da televisão e do mercado das locadoras de VHS e DVD mas também as da internet.
Pode ser que esse “abraço” (ou seria engolida?) do teatro pelo vídeo gere produtos esvaziados ou destituídos de teatralidade mas podemos também considerar que, através do vídeo, o teatro venha a ter um público que, sem o alcance do vídeo, não teria.

 

Carmen Gadelha
Doutora–professora da Direção
Teatral da Escola de Comunicação da UFRJ

Peças teatrais filmadas. Não vivêssemos numa época de hibridismos, o enunciado seria um contra-senso. Vejamos: desde que há cinema, fazem-se adaptações de obras inicialmente destinadas ao palco. O teatro se perde na passagem, mas algo se adquire. Algo que diz respeito à linguagem de origem e à de chegada: na primeira, uma narrativa cujos principais suportes são a co-presença atores/espectadores e sua vinculação a certas leis de tempo e espaço. Na segunda, uma platéia posta diante de corpos sem carne (imagens), uma narrativa estruturada pela lógica dos cortes e da montagem, atores a condicionar sua representação ao olho da câmara.
É irresistível o desejo de dar permanência a uma obra de arte cujo destino é o desfazimento logo ao apagar das luzes. Os resultados da filmagem do espetáculo desanimam: a “passagem” não se verifica: o resultado não é mais teatro, mas também não se transformou em cinema. Queixam-se os atores, surpreendidos pela perda de “calor” ou “frescor” da representação; queixa-se o encenador, por não saber onde foi parar o conjunto da cena. Pode-se, hoje, fornecer ao mercado cassetes e DVDs dirigidos a um público específico de amantes do teatro, para que guarde a memória documental de espetáculos preferidos. Porém, uma questão se impõe: onde fixar a noção de obra de arte? Lembremos: os híbridos mantêm-se em processo de produção de conceitos, provocando indagações em torno da linguagem e das trocas simbólicas com o fruidor. Aparentemente, não é o que se dá com algo que deixa ver, como ponto de chegada, apenas o destino de ser registro e cristalização de uma obra que já não existe porque resiste à reprodutibilidade.

 

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