Encenações
filmadas: teatro ou cinema
Inegavelmente
um novo momento foi inaugurado com o surgimento da fotografia e
do cinema, que fundaram novos modos do homem se expressar. Como
teria dito um dia Walter Benjamim – teórico da Escola
de Frankfurt, toda nova tecnologia se apresenta inicialmente tosca,
para só com o tempo se refinar e desenvolver uma linguagem
própria. Porém, a contemporaneidade assiste a convergência
de diversas linguagens, formando híbridos, um mosaico de
expressões artísticas que transitam por limites anteriormente
bem definidos. Atualmente, novos “produtos artísticos”,
como “encenações filmadas” ocupam lugares
cativos em locadoras. A seguir, duas visões discutem esta
questão. |
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Fernando
Salis
Doutor em Comunicação pela
Escola de Comunicação da UFRJ
O
teatro e o vídeo se dão em linguagens diferentes
e a tentativa de aproximação entre eles, em
geral, não costuma ser bem sucedida. Ou o fenômeno
teatral é congelado pela frieza da inserção
do vídeo, ou o vídeo é subestimado em
suas próprias possibilidades narrativas servindo como
simples meio de “registro”. O teatro constrói
a ação no espaço da cena enquanto o vídeo
enquadra a ação e cria a cena através
da montagem dos planos. A performance teatral considera sobretudo
a relação de contigüidade com a audiência,
enquanto a performance no vídeo tem como objetivo a
inscrição da imagem e do som em microfones e
câmeras. Em resumo, a relação com o público,
a construção da ação e a percepção
do espaço e do tempo são diferentes.
A exploração de novos meios de conexão
entre as duas artes ainda espera uma boa resposta ao desafio
de transformar o teatro em produto audiovisual. Para além
da discussão sobre a descaracterização
do teatro como arte da presença, esse desdobramento
possível do teatro em vídeo pode ser uma nova
abordagem do fazer tanto teatral, quanto videográfico.
Como o vídeo é a tecnologia protagonista da
indústria do audiovisual, e o teatro mal constitui
uma indústria (mesmo se considerarmos o exemplo da
Broadway americana), o teatro pode gerar aí um novo
nicho no mercado de vídeo. O vídeo abre ao teatro
as portas não apenas da televisão e do mercado
das locadoras de VHS e DVD mas também as da internet.
Pode ser que esse “abraço” (ou seria engolida?)
do teatro pelo vídeo gere produtos esvaziados ou destituídos
de teatralidade mas podemos também considerar que,
através do vídeo, o teatro venha a ter um público
que, sem o alcance do vídeo, não teria.
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Carmen
Gadelha
Doutora–professora da Direção
Teatral da Escola de Comunicação da UFRJ
Peças
teatrais filmadas. Não vivêssemos numa época
de hibridismos, o enunciado seria um contra-senso. Vejamos:
desde que há cinema, fazem-se adaptações
de obras inicialmente destinadas ao palco. O teatro se perde
na passagem, mas algo se adquire. Algo que diz respeito
à linguagem de origem e à de chegada: na primeira,
uma narrativa cujos principais suportes são a co-presença
atores/espectadores e sua vinculação a certas
leis de tempo e espaço. Na segunda, uma platéia
posta diante de corpos sem carne (imagens), uma narrativa
estruturada pela lógica dos cortes e da montagem,
atores a condicionar sua representação ao
olho da câmara.
É irresistível o desejo de dar permanência
a uma obra de arte cujo destino é o desfazimento
logo ao apagar das luzes. Os resultados da filmagem do espetáculo
desanimam: a “passagem” não se verifica:
o resultado não é mais teatro, mas também
não se transformou em cinema. Queixam-se os atores,
surpreendidos pela perda de “calor” ou “frescor”
da representação; queixa-se o encenador, por
não saber onde foi parar o conjunto da cena. Pode-se,
hoje, fornecer ao mercado cassetes e DVDs dirigidos a um
público específico de amantes do teatro, para
que guarde a memória documental de espetáculos
preferidos. Porém, uma questão se impõe:
onde fixar a noção de obra de arte? Lembremos:
os híbridos mantêm-se em processo de produção
de conceitos, provocando indagações em torno
da linguagem e das trocas simbólicas com o fruidor.
Aparentemente, não é o que se dá com
algo que deixa ver, como ponto de chegada, apenas o destino
de ser registro e cristalização de uma obra
que já não existe porque resiste à
reprodutibilidade.
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