Olho no Olho

 
21.10.2003  
   

Direito de quem?

Desde que ingressam no meio acadêmico, os universitários se deparam com um dilema: como ter acesso aos livros exigidos pelos professores de várias disciplinas, sem poder contar com a biblioteca de sua unidade e com um orçamento típico de um estudante? A resposta mais óbvia é copiar os livros nas reprografias disponíveis na própria faculdade. Uma saída simples e fácil, mas que muitos praticam sem se dar conta de que a reprodução da obra sem autorização do autor é uma infração ao direito autoral. Maura Sardinha, professora do Curso de Produção Editorial da Escola de Comunicação da UFRJ, e Agnelo de Medeiros, coordenador de graduação da Faculdade de Direito da UFRJ, debatem o tema sob óticas distintas.

 
Maura Sardinha
Escola de Comunicação da UFRJ

“O Brasil, signatário da Convenção de Ber-na, tem legislação específica para a regula-mentação dos direitos autorais (Lei n o. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998). Não resta dúvida, portanto, que o preço de capa de um livro deve incluir o percentual devido ao autor, como estipulado em contrato. Tampouco resta dúvida de que a reprodução total ou parcial de obras protegidas, sem a devida permissão, constitui crime, pois a pirataria lesa autores, editores e livreiros. Este é um dos aspectos da questão.
Por outro lado, conhecendo-se a preca-riedade da educação no Brasil, sabe-se que o setor livreiro está trabalhando abaixo de sua capacidade – tanto em número de títulos produzidos quanto em número de exemplares por tiragem, o que se reflete na pequena quantidade de livrarias do país. O resultado disso é que muitas das obras indicadas para leitura nas universidades não se encontram traduzidas; outras, em-bora publicadas em nosso país, estão esgotadas, sem que o volume de vendas justifique sua reimpressão. Claro está que sempre há os que, tendo encontrado a obra à venda e dispondo de dinheiro para comprá-la, preferem economizar e copiá-la, pois não valorizam a formação de uma biblioteca e encaram o texto reproduzido como matéria descartável. Isso posto, tem-se, de uma parte, a lei e a necessidade de cumpri-la; de outro, a dificuldade de aplicá-la, sem alguns prejuízos de natureza cul-tural. Bastaria contornar o problema e en-contrar uma forma de taxar a reprodução, e remunerar os detentores dos direitos sobre a obra? Será que isso não comprometeria, a médio prazo, o aumento das tiragens, única maneira de efetivamente baratear o preço final de um livro? E, com a redução das tiragens, não estaríamos incentivando a reprografia, com seus inevitáveis defeitos?”

 

Agnelo Maia Borges de Medeiros
Faculdade de Direito

“A xerox é ilegal e fere a lei 9.610/98 que trata dos direitos autorais e também é uma conduta prevista no Código Penal. O infrator que a infringe poderá ser enqua-drado em processos civil e penal. Baseada nessa lei foi proibida, na Fa-culdade de Direito, a xerografia de qual-quer espécie, sem a autorização do autor. Alguns professores e autores de li-vros da casa autorizaram a reprodução e por isso alguns livros estão liberados. Mas há um outro lado, temos um pro-blema social que abarcam os alunos que não podem pagar o custo das edições. Existem livros específicos da advocacia e códigos que custam de 80 à 90 reais. E a alternativa em primeira instância que seria a biblioteca não é viável. Não temos verbas para a compra dos livros para aumentarmos nosso acervo e oferecer aos alunos o acesso à literatura aca-dêmica. Uma alternativa que poderia dri-blar esse problema é a Universidade financiar alguma parte das publicações acadêmicas e fornecer os livros com desconto aos alunos. As grandes edi-toras ganham muito dinheiro com as vendas e o autor tem direito apenas a 10%. Eu falo como autor de 9 livros publicados, dos quais eu tive que ser insistente para conseguir a porcentagem devida. E ainda há outra questão: não há como controlar a tiragem dos livros. Há um contrato que regulamenta o número de edições tiradas, mas eu não tenho como fiscalizar se esse total é respei-tado. A conduta de reproduzir as obras não é lícita, mas deve ser analisada num âmbito social. Como professor, sou pri-vilegiado pelas editoras, já que ganho os livros para minha atualização. Se fosse de outro modo, eu não poderia me reci-clar. Imagino que outros estudantes pos-sam ter sua formação prejudicada por não terem como adquirir seus livros.

 

 

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