Olho no Olho
24.05.2005
Crise Política e Governabilidade          
Vanessa Sol

A atual conjuntura política do país tem gerado em grande parte da população um descrédito em relação aos políticos. O atual governo tem se articulado com partidos que não partilhavam de seu programa eleitoral e muitas alianças são feitas respeitando apenas conveniências eleitorais, sem compromisso ideológico. Para debater essa questão, o Olhar Virtual foi ouvir a opinião de dois professores da UFRJ sobre como garantir a governabilidade para viabilizar a aprovação de leis sem desfigurar o partido político que está no governo.

 
     

Eli Diniz
Prof. titular do Instituto de Economia da UFRJ

"Antes de qualquer coisa, cabe salientar que a garantia da governabilidade passa pela necessidade de criar maiorias parlamentares.

No Brasil, temos um regime presidencialista bicameral, que convive com um sistema multipartidário caracterizado por um relativo grau de fragmentação. Isso se traduz numa grande dificuldade, senão impossibilidade do presidente eleito contar com maioria parlamentar. Daí resulta a necessidade de negociar para formar uma coalizão partidária-parlamentar para governar. Esta última não coincide necessariamente com a coalizão eleitoral responsável pela vitória nas urnas. O presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foi eleito, em 1994, por uma coalizão eleitoral formada por três partidos, o PSDB, o PFL e o PTB. Entretanto, governou com base numa ampla coalizão parlamentar de centro-direita, que já no segundo ano de seu primeiro mandato incorporava, além dos partidos citados, o PMDB, o PPB e o PPS. A partir de 1996, seu governo detinha cerca de 80% dos senadores, 62% dos deputados e 80% dos governadores. Apesar da posição amplamente majoritária desta coalizão, a aprovação da agenda do Governo pelo Congresso exigia um processo de intensa negociação, envolvendo com freqüência a troca de postos no Executivo pelo apoio parlamentar.

Em outros termos, todos os presidentes enfrentam o desafio de montar e de administrar suas respectivas bases de apoio parlamentar. No caso do Presidente Lula, esta tarefa tornou-se particularmente complexa, pois, além do apoio de sua coalizão parlamentar (PT, PL, PTB, PPS, PC do B, PSB, PV), precisou, desde o primeiro ano de seu governo, do apoio de outros partidos, como o PP e mesmo de partidos da oposição para aprovar os principais itens de sua agenda, entre os quais, as reformas da previdência e tributária, em 2003. Um complicador adicional foi e continua sendo a delicada questão de dirimir os conflitos internos ao seu próprio partido, o PT, cujas dissensões internas têm criado sérios problemas para o Governo. O auge desse processo foi a recente disputa em torno da eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados, quando o Governo teve seu candidato derrotado, por uma parte do próprio PT, que lançou um outro candidato, divisão que foi, por sua vez, aproveitada pelos partidos de oposição. O resultado foi a vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), típico representante do lado mais tradicional da política brasileira, com o apoio do PFL, do PSDB e de parte do PMDB, empenhados antes de tudo em politizar ao máximo os conflitos conjunturais, acentuando o desgaste do governo, com o olhar nas eleições presidenciais de 2006. A baixa capacidade de coordenação política do Governo e a perspectiva imediatista da oposição reforçam-se mutuamente, acarretando graves prejuízos, não só para o Governo, mas também para a credibilidade do Congresso e o futuro do país.

Não me parece pertinente a caracterização da atual conjuntura em termos de crise de legitimidade. Cabe lembrar que o Presidente Lula foi eleito, em 2002, no segundo turno, com 61,3% dos votos (cerca de 53 milhões de eleitores), contra 38, 7% de votos alcançados por José Serra (candidato da situação e seu principal adversário), de acordo com as regras do jogo democrático. Deve-se também ter em conta que as crises institucionais não são geradas por combustão espontânea, mas podem ser criadas a partir das escolhas feitas pelos atores estratégicos que disputam o poder."

 

Hélio de Mattos Alves
Professor Adjunto da Faculdade de Farmácia

"Lula elegeu-se com 53 milhões de votos, trazendo uma grande esperança de mudanças sem precedentes para a maioria da população brasileira. Mas os partidos que lançaram a sua candidatura (PT-PL-PCdoB-PMN-PCB) ocuparam apenas 130 das 513 cadeiras da Câmara e 16 das 81 do Senado. Os dois partidos derrotados nas eleições, o PSDB e o PFL, contavam com essa sustentação parlamentar precária para infernizar o presidente como tinham feito em seu tempo as maiorias parlamentares retrógradas que se opunham a Getúlio Vargas, em 1951/54 e a João Goulart, em 1961/1964 (não por acaso dois presidentes que não puderam concluir seus mandatos). Logo após a vitória de Lula, ocorreu a formação de um centro bem numeroso que serviu de sustentação parlamentar para o governo no Congresso Nacional. Esse perfil de centro esquerda do novo governo conseguiu eleger um petista para a Presidência da Câmara e um peemedebista para o Senado Federal que era partidário de Lula desde o primeiro turno. Essa frente de centro esquerda funcionou bem para o Governo Lula nos dois primeiros anos. Após 2004, surgiu a necessidade de um reajuste nesse perfil de centro esquerda para dar um caráter mais pluralista ao governo, para ajustar os resultado das urnas onde a esquerda sofreu derrotas importantes. Esse reajuste não foi feito, nem na reforma ministerial, nem na relação com o Legislativo, com os partidos e as bancadas aliadas. Junta-se a isso as tensões sobre a sucessão presidencial de 2006 provenientes de um partido majoritário, o PT, com pequena tradição e desigual propensão para a política de frente. Essa pouca tradição pode ser medida pelas palavras do Ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo : “O PT não tem voto para fazer maioria, nem na Câmara, nem no Senado, e não há outro caminho dentro da democracia se não buscar apoio dos partidos aliados, se não abrir espaço para a participação de partidos aliados no governo".

     
         
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