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Falar
de MPB e ritmos populares mais difundidos comercialmente, como o funk
ou o hip hop, suscita, na maioria das vezes, opiniões
diversas e até antagônicas. “Gosto não se discute”,
é como se costuma finalizar esse tipo de discussão. O que
vale, não é tanto o que se gosta ou não, mas sim
a reflexão possível acerca da nossa cultura popular que
temas como estes podem deflagrar. Com exatamente este intuito, o Olhar
Virtual preparou para esta edição um “olho
no olho” entre a professora e pesquisadora em cultura, da Escola
de Comunicação da UFRJ, Liv Rebecca Sovik, e o grande maestro
e professor da Escola de Música da UFRJ, José Rua.
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Liv
Rebecca Sovik
Professora do Programa de Pós-graduação
da Escola de Comunicação da UFRJ
A MPB se tornou
uma rubrica de vendas de discos. É um termo que vem dos
anos 60 (alguns chamavam a nova onda de "moderna música
popular brasileira” — MMPB) e que hoje se identifica
com Chico, Caetano, Gil, Gal, Elis Regina e figuras mais novas
como Adriana Calcanhoto, Ana Carolina e Zélia Duncan. No
entanto, tornou-se, neste processo, um rótulo incômodo:
é o “não-rock”, o “não-brega”,
o “não-pagode”, o “não-samba de
raiz”, o “não-axé”. Pretende-se
de bom gosto, o que cria resistências. Caetano, por exemplo,
nega pertencer à categoria. Paulo César Araújo
escreveu um livro (Eu não sou cachorro não)
para mostrar que não há muita diferença ideológica
entre o brega e a MPB de Chico e Caetano, música considerada
muito mais crítica à ditadura.
Situando
a MPB no contexto histórico, percebemos que se trata de
um rótulo que surgiu em um momento específico: no
início do governo militar, quando surgiu novo mercado para
a música. É de uma geração posterior
à Bossa Nova — que se distinguia da música
da “Era do Rádio” — que cantava em festivais
transmitidos pela televisão, propunha a modernização
do samba e algum discurso sobre a tradição musical
e a situação política do país. A MPB,
nesse sentido, é rótulo que designa uma música
cujo mercado (o crescente setor de jovens urbanos, muitas vezes,
com formação superior) não é mais
novidade, como o era nos anos 60, é agora, inclusive, um
mercado envelhecido.
Quando se fala em "atingir as camadas populares", precisamos
pensar sobre o que realmente é isso. Se significa vender
discos, a MPB nunca foi hegemônica nas camadas populares.
No entanto, teve sua influência além das suas vendas,
ajudando a formar uma tradição de discussão
da música em um país que sempre se glorificou por
uma singularidade brasileira, do popular, mesmo que este rótulo
não se traduza como o preferido pela “camadas mais
populares”.
Quanto à autenticidade, na discussão inicial da
MPB, houve a tentativa de se entender o que seria, realmente,
a música popular brasileira — uma busca ou uma afirmação
do nacional ou de alguma singularidade brasileira. Hoje, me parece
que é generalizada a desistência desse projeto de
isolamento da singularidade. Tal desistência, no entanto,
acaba tornando-se condição favorável à
ampliação do espaço de sons como o funk e
o rap. Há, cada vez mais, uma sensação crescente
de pertencimento a um mundo maior em que, por exemplo, seria impossível
se efetuar a separação entre Brasil e economia mundial.
Afinal, as novidades culturais estrangeiras chegam instantaneamente
de algum lugar que não é exatamente "fora",
através, como o caso da Internet. Isso tudo facilita trocas
culturais entre setores negros das Américas e, inclusive,
da Europa. A cultura desses setores se tornara paradigmática
do novo pertencimento global.
O funk e o rap dependem de um aparato tecnológico imprescindível
— o DJ — que é interessante em si para uma
geração ligada a essas possibilidades. A grande
divisão brasileira não é mais urbano-rural,
ou nacional-estrangeiro, como foi nos anos 60, nos primórdios
da MPB. A grande divisão agora é da desigualdade
social dentro das cidades. O funk e o rap dão à
classe média a possibilidade de dar nome a essa situação
e, aparentemente, dominá-la ou participar de ambos lados
dessa divisão. Contudo, esses são apenas alguns
motivos possíveis, são mais postulados do que conclusões
de pesquisa. Na verdade, não acredito que o funk ou o hip-hop
sejam movimentos populares, embora possuam elementos destes.
Talvez a MPB não seja importante em si, no que diz respeito
à forma em que se fragilizou como categoria. Não
é mais tão fácil identificar o que é.
É, sim, resultado de um processo cultural, político,
social e, inclusive, tecnológico, de agregação
e diferenciação de estilos musicais, lugares de
produção e públicos consumidores de música.
A MPB talvez não seja mais o nome de um território
tão importante para a nova produção, no mapa
da cultura musical brasileira. Mesmo assim, deixou marcas e coordenadas
a partir das quais é possível pensar a atualidade.
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José
Rua
Maestro da UFRJazz Ensemble e professor
da Escola de Música da UFRJ
A MPB constitui um movimento muito importante
no Brasil. O que está acontecendo no momento é a
influência de muitas idéias novas. Idéias
essas que estão surgindo a partir de pessoas ótimas.
Na minha área, por exemplo, que é a MPB instrumental,
há muita gente nova; é uma outra geração
em que temos músicos alunos que estão vindo de universidades,
ou mesmo, estudando música — o que é uma coisa
rara. Na minha cabeça, nunca existiu a diferença
entre popular e erudito. Essa diferença somente se dá
aqui no Brasil. Esta situação está mudando
muito em decorrência da educação do povo.
Há a idéia de que a música popular brasileira
atinge as camadas média e alta da sociedade, mas não
é verdade. Acho que o consumo que é desigual, mas
isso depende do que se toca no mercado. Mas existe mercado nesta
área, para este tipo de música. Ao menos, os mercados
existem. A questão é valorizar e dar conta desses
mercados. Eu acho que esse mercado nunca foi tão valorizado.
Contudo, se formos pensar em outros países como os Estados
Unidos, por exemplo, veremos que eles têm o mesmo problema.
A música americana jazz é mais valorizada fora dos
Estados Unidos. Então, os artistas americanos têm
que ir para fora de seu país para mostrarem seus trabalhos.
O mesmo que ocorre aqui; os brasileiros também vão
para fora do Brasil para apresentarem seus trabalhos.
O que falta no Brasil, é se ter, nas escolas de primeiro
e segundo graus, “aulas de música” de verdade.
Por isso, a MPB não pode ser tão difundida nas camadas
ditas “populares” porque nunca se apresentou a elas
esse tipo de música, nunca se ensinou o que representa
essa música; nada disso é visto nas escolas.
A UFRJazz, que é uma entidade que vem crescendo
cada vez mais nos últimos dez anos, mas ainda está
restrita a Universidade. O ideal era que se fizesse em todas as
escolas do Brasil, o que já acontece na Inglaterra, Holanda
e outros lugares da Europa — onde todas as escolas têm
bandas. Assim, se cria um mercado para se ter uma MPB legal. Sem
existir o mercado, não há possibilidade de se difundir
essa música.
Há funks de boa qualidade e de péssima
qualidade, assim como acontece com a música clássica.
Todo e qualquer ritmo criado para o povo é música
brasileira. Enquanto não se criar esse mercado de trabalho,
não se acabar com essa lacuna entre as camadas sociais,
a música não vai atingir a todos. Devemos brigar
com o governo e insistir para que aulas de música façam
parte do currículo das escolas. No Japão, de cada
3000 violinistas que se formam, somente dez a treze deles se tornam
profissionais. Isso demonstra a quantidade de gente que está
produzindo e a quantidade maravilhosa de platéia. No Brasil,
ao contrário, não produzimos nada. Poucas pessoas
entram nas universidades para estudar música. Por quê?
Porque não temos aula de música nas escolas.
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