Olho no Olho
30.11.2004
Cinema e Audiovisual brasileiros em questão        
Luana Monçores e Bruno Franco

A ANCINAV (Agência Nacional de Cinema e do Audiovisual) é um projeto do Governo Federal que visa organizar a regulamentação e a fiscalização das atividades cinematográficas e audiovisuais. O Ministério da Cultura alega que o projeto foi criado para democratizar e fomentar a produção e o acesso às obras. Profissionais do ramo divergem sobre o assunto, e alguns acreditam que a Agência traz riscos de dirigismo ideológico e censura.
Para opinar sobre o tema, o Olhar Virtual conversou com os professores de linguagem audiovisual Fernando Fragozo e Ivana Bentes, da Escola de Comunicação da UFRJ. Confira abaixo as opiniões.

 
     
 

Fernando Fragozo
Professor da Escola de Comunicação

O mercado de produtos audiovisuais é hoje marcado, em escala planetária, por uma crescente concentração da produção, distribuição e exibição de seus produtos. Falar em "mercado" nesta área, hoje, parece piada. O que vemos é a constituição de monopólios, oligopólios e cartéis em todos os níveis, agravados pela enorme verticalização do setor. O caso do Brasil é exemplar. A concentração e a verticalização estão presentes tanto no setor televisual como no cinematográfico de modo assustador. E este processo foi sistematicamente apoiado (ou, no mínimo, negligenciado) por diversos governos anteriores.
O resultado é que hoje, apesar de uma enorme explosão de possibilidades narrativas, técnicas, estéticas e poéticas, não há grandes possibilidades de escolha por parte do espectador. Entre os mais que batidos programas de TV e os não menos batidos filmes norte-americanos, o que resta (para os quais há um "resto" possível – o que não é o caso da maioria dos brasileiros que tem de se contentar com a TV aberta) é muito, muito pouco. O pássaro engaiolado não sabe que fora da gaiola há todo um universo, por mais que a gaiola tenha o tamanho de um quarteirão.
Abrir novas possibilidades de exibição (salas, videotecas, Internet, canais, outros modos de transmissão, etc) e incentivar novas possibilidades de produção (principalmente a produção regional, a de novos talentos, temáticas, durações, linguagens) é o que se espera de um governo minimamente comprometido com a democracia e a pluralidade de expressões e vivências, com a pluralidade cultural. Para isso, é preciso tentar mudar o atual estado de coisas. E há quem não goste disso, porque o calo pisado dói. Principalmente quando está por demais inchado.
Ampliar as possibilidades de acesso e de produção é o que se vê essencialmente no projeto da ANCINAV. Não há cerceamento nenhum à produção e difusão de obras, pelo contrário. O que há é a tentativa de minimizar o cerceamento que, hoje sim, impera devido à enorme concentração econômica do setor.

 
   

Ivana Bentes
Professora da Escola de Comunicação

Com uma legislação para as Comunicações obsoleta diante das transformações tecnológicas e novas mídias, o Projeto de constituição de uma Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, que possa regular não só o cinema mais a produção audiovisual, televisão e Internet, tornou-se um projeto estratégico para o Ministério da Cultura e levou a uma ampla discussão sobre os meios de comunicação no Brasil e a dificuldade do Estado de intervir num mercado monopolista e firmemente arraigado na defesa dos seus interesses imediatos. A idéia de que os canais de televisões são concessões do Estado e que devem ter uma função não só comercial como também social , com diversidade de conteúdos , regionalização, participação de produtores independentes e veiculação de programas e filmes brasileiros criou por partes do setor ligado às televisões uma reação imediata e uma tentativa de abortar o projeto de entrada do Estado nesse campo. Os vários níveis de interesses e disputas no campo do audiovisual, interesses comerciais, de produção de bens simbólicos, de monopólio sobre o mercado e imaginário cultural, ficaram claros no debate público em torno da criação da Agência, revelando o horror que os setores empresariais têm diante de qualquer possibilidade de controle da sociedade. As propostas da ANCINAV, se aprovadas no Congresso Nacional, são uma real transformação nessa mentalidade monopolista que enxerga o público apenas como consumidor, audiência, e não como cidadão, que podem ter nos meios de comunicação e no acesso livre e gratuito às tecnologias da informação um instrumental de transformação social e de criação de uma real democracia participativa.

     
O texto do projeto pode ser encontrado em www.cultura.gov.br/projetoancinav/.
 


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