Olho no Olho
07.12.2004
A ciência que nos cerca        
Ana Carolina Alves e Luana Monçores

Você acorda pela manhã para mais uma jornada. Abre a sua janela e estranhamente vê que o tempo mudou. Em seguida, liga sua cafeteira, e enquanto isso vai tomar seu banho com a água quente do seu novo chuveiro. Mais tarde, pega o elevador para descer até o térreo de seu prédio. Quando chega na rua, olha para a banca de jornal repleta de periódicos e pensa: quanta informação! Será que somos capazes de refletir acerca dos fenômenos naturais e o funcionamento dos aparelhos eletro-eletrônicos a nossa volta? A Escola tem nos dado suporte para a construção de um pensamento crítico sobre as ciências?
Ao final, você terá o tema de hoje de Olho no Olho: analfabetismo científico e tecnológico. Para a análise destas questões, o Olhar Virtual convidou os professores Franklin Trein, diretor do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) e Marcos Cavalcanti, coordenador do CRIE (Centro de Referência em Inteligência Empresarial), para falarem sobre o assunto.

Confira mais em nosso Painel de Argumentos.

 
     
 

Professor Franklin Trein
Diretor do IFCS

“Há vários trabalhos, bastante conceituados, que procuram nos mostrar o quanto o conhecimento científico e tecnológico se ampliou ao longo do século XX. Nós podemos dizer, com relativa segurança, que as informações se multiplicaram pelo menos por 10. Qualquer pessoa no final do século XIX era bem mais informada, sabendo 10 vezes menos do que alguém do final do século XX. Só que estas 10 vezes mais, não foram conhecimentos mais simples, mas cada vez mais complexos. Este é um problema sério, e também difícil de ser administrado.
Tradicionalmente, o ensino que vem lá do pré-escolar até o pós, na universidade, durante séculos foi se estruturando nos sistemas de excelência onde se produzia e transmitia conhecimento. Só que a partir da segunda metade do século XX, o sistema começou a ser abalado tanto na sua exclusividade quanto no seu conceito de eficiência e eficácia. De tal forma que, outros mecanismos de produção e transmissão do conhecimento foram sendo desenvolvidos fora da universidade e do sistema educacional.
No mundo do trabalho, em primeiro lugar, o desenvolvimento industrial criou na fábrica uma didática de formação dos recursos humanos necessários à operação daquele sistema de produção. Em segundo está a mídia, que ocupa um lugar extraordinariamente importante na sociedade. Basta analisarmos as estatísticas que nos dizem quantas horas uma criança, um adolescente, e até mesmo um jovem, já na universidade, passam em frente de um aparelho de televisão. Assim como a Internet. E quantas horas ele passa sentado em um banco escolar? O sistema de ensino formal perdeu irrecuperavelmente para as outras formas, através das quais hoje, uma pessoa, e principalmente jovem, podem buscar informações. A conseqüência disso é que o ensino que vêm através do sistema escolar é estruturado, pensado pedagogicamente, organizado didaticamente para permitir um conhecimento de base sólida. Enquanto as informações que vêm através da mídia não têm estrutura sistemática, são desordenadas.
O conhecimento da mídia tem um objetivo, que este sim, é muito bem elaborado pedagogicamente. Tende a deslocar o conhecimento formulado pela escola, pela forma como a mídia o apresenta: muito mais plástico, elaborado, apelativo, com maior movimento e agilidade. E também, porque traz um suposto conteúdo mais relevante para a vida do indivíduo, para sua auto-estima, seu conforto, a sensação de que aquele conhecimento está contribuindo para que ele se posicione social, econômico e culturalmente. Então, a questão de deslocar o anterior para ocupar este lugar é relevante. Isto faz com que o conhecimento, trazido desta forma, fique extremamente fragmentado. E ele não corresponde a um saber estruturado, que é indispensável para que uma pessoa possa manipular uma técnica, uma tecnologia, que é estruturada. Para aprender a manipular uma tecnologia precisamos nos apropriar de sua lógica, baseada no pensamento organizado. Aí encontramos um dos elementos mais significativos da fragmentação e por conseqüência disto o analfabetismo científico e tecnológico.
Dentro da própria escola estamos observando o desestruturamento dos saberes. Os conhecimentos essenciais das áreas que dão base ao indivíduo, como a linguagem, a história, a matemática e as disciplinas que nos dão noção de espaço e tempo sempre estiveram muito presentes no ensino escolar, mas não evoluíram estas 10 vezes mais do conhecimento científico e tecnológico produzido e acumulado pela humanidade. Continuamos ensinando matemática para as crianças como se ensinava no século XIX, assim como as outras disciplinas. O século XX passou e ficou tudo igual. Com isso, os conhecimentos essenciais já não sustentam a base do ensino de hoje, que se tornaram muito mais complexos e sofisticados, e que precisam de novas ferramentas.
Outra questão é que os professores do passado, ao dominarem a base , dominavam o que era necessário. Havia uma sintonia entre os seus conhecimentos e os outros conhecimentos instrumentais disponíveis. Hoje, esta sintonia desapareceu. O atual professor sofre as conseqüências desta desestruturação, que já vem acontecendo ao decorrer de 50 anos. Eles são professores de conhecimentos desestruturados. Pode parecer paradoxal, pois há uma revolução por um lado, e uma “involução” pelo outro, perdeu-se a capacidade de se ensinar. E isto é um fenômeno que está dentro da própria Universidade. Muitos professores universitários têm dificuldade de dar conta da estruturação do seu próprio conhecimento para transmití-lo de forma organizada em sala de aula. Esta fragmentação é a marca dominante deste momento que estamos atravessando. E eu, sinceramente, não estou vendo nenhuma solução, embora eu saiba que tem muita gente preocupada com isso. E nenhum lugar estão nascendo possíveis soluções em processos aplicáveis, para pelo menos serem testados”.

 
   

Marcos Cavalcanti
Coordenador e professor do Crie (Centro de Referência em Inteligência Empresarial), do Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ

“Eu não concordo que as áreas estejam se fragmentando. Acho que está
acontecendo exatamente o contrário! As áreas do conhecimento estão se aproximando cada vez mais APESAR da estrutura das Universidades não contribuírem para isto. Coordeno um curso de pós-graduação lato sensu, da UFRJ, em Gestão do Conhecimento, que já teve 11 turmas no Rio de Janeiro, congregando profissionais de diferentes áreas: engenharia, comunicação, psicologia, arquitetura, design, biologia etc.
Se fizermos uma pesquisa com profissionais que tenham 10 anos de experiência, veremos que mais de 80% deles NÃO está trabalhando na área em que se titulou. Fizemos esta pesquisa com nossos alunos e o percentual em todas as turmas foi esse. Um dos motivos é exatamente porque a fragmentação PREJUDICA a produção de conhecimento. O homem não é o resultado da colagem de milhares de fragmentos, mas um “ser integral”, que consegue ter visão sistêmica das coisas. Grandes cientistas, por exemplo, eram pessoas com visões que ultrapassavam suas áreas específicas de atuação. Não conheço nenhum estudioso do tema que, atualmente, não defenda uma maior interação das diferentes áreas do saber.
Ainda que não detenhamos total conhecimento das tecnologias que envolvem os artefatos tecnológicos que utilizamos diariamente, acredito que a população tenha, hoje, muito mais intimidade com tais instrumentos do que há 10 ou 20 anos atrás. Não acho que tenhamos que conhecer e aprender o verdadeiro funcionamento destas tecnologias para usá-las. Não tenho a menor idéia de como funciona um aparelho de televisão e sempre o utilizei.
Uma outra questão é o domínio estratégico de determinadas tecnologias pelo
Brasil. Em um mundo onde o conhecimento se transformou no principal fator de produção, nos conformarmos com nossa atual posição de consumidor de produtos de alta tecnologia e produtor de bens agrícolas e industriais é um suicídio, um crime contra as futuras gerações.
O Brasil investe pouco em Ciência, Tecnologia e Inovação - cerca de 1% do PIB - e investe mal. Não temos uma estratégia, investimos estes (poucos) recursos de forma fragmentada, com baixíssimo retorno para a sociedade. Segundo Paul Strasmann, a concentração da riqueza se dá nos países que produzem produtos e serviços intensivos em conhecimento: seis países (EUA, Japão, Alemanha, Inglaterra, França e Itália), com apenas 11% da população mundial, são responsáveis por 62% do PIB do planeta. Na transição da
sociedade agrícola para a sociedade industrial, no início do século passado, o Brasil era o maior exportador de café e importador de bens industrializados, de maior valor agregado. Agora que estamos saindo da sociedade industrial e indo para a sociedade do conhecimento, pretendemos ser o quê? Exportadores de soja, ferro, automóveis e celulares? Produtos agrícolas e industriais de baixo valor agregado?
Se não fizermos nada para mudar este rumo, continuaremos a ser um país "em desenvolvimento". Acredito que podemos virar este jogo se mudarmos nossa estratégia, focando nosso desenvolvimento na produção de produtos com maior valor agregado como software, biotecnologia, indústria cultural e produtos mais tradicionais, como o petróleo e o setor de agronegócios - agregando valor, no entanto.
A Universidade tem que sair do gheto em que se instalou. Participar ativamente da discussão dos rumos do país, propor um modelo de desenvolvimento novo, alternativas e políticas concretas. Parar com o lamento que caracteriza o movimento sindical - que está representando cada vez menos o conjunto dos professores e alunos, e propor alternativas concretas.
Posso parecer provocativo, mas a UFRJ precisa acordar! Que instituição possui um capital humano como o nosso na América Latina? Não conheço nenhuma! Mas precisamos reconhecer que estamos aproveitando muito pouco este enorme potencial. Seria o primeiro passo para assumirmos um papel mais importante na construção de um país mais justo e fraterno”..

     

 


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