A
Lei de Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatório
o ensino de História e Cultura afro-brasileira na grade curricular
dos níveis fundamental e médio de instituições
públicas e particulares. O texto da Lei inclui ainda o estudo
da história da África e dos africanos, a luta dos negros
no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional.
Para Mônica Lima, professora de História do Colégio
de Aplicação da UFRJ, esta medida é importante
para que os estudantes possam entender melhor o processo histórico
do Brasil que, segundo ela, está bastante ligado ao da África.
— É claro que é preciso entender a História
da América Latina e da Europa para entender a do Brasil. Mas,
a da África, em especial, esteve muito ligada à do Brasil.
Há períodos no nosso país em que certas cidades
brasileiras tinham uma relação comercial, de troca, bastante
constante com alguns portos africanos — afirma.
As escolas não puderam colocar em prática o que está
descrito na Lei, há dois anos em vigor, em função
da falta de quadros profissionais qualificados para lecionar a disciplina.
Porém, estão sendo ministrados cursos sobre História
da África para professores do ensino fundamental e médio,
capacitando-os para dar aulas.
África,
um continente desconhecido
Segundo a professora
Mônica, a África tem que ser vista no plural, e não
no singular. São muitas “Áfricas” na África.
Parece uma redundância, mas para muita gente essa confusão
existe. A África é um continente muito grande e muito
diverso, olhando as dimensões do próprio mapa. É
diverso em seu meio ambiente, nas populações e na sua
História”, afirma.
A escravidão
Era comum no continente
africano as relações de trabalho escravo, que muitas vezes
assumia um caráter mercantil. Porém, com a chegada dos
europeus pelo litoral atlântico, a demanda por escravos aumentou
significativamente, transformando as relações escravistas
dentro da própria África, acentuando assim a escravidão
comercial, conta Mônica.
A professora atribui à introdução das armas, feita
por traficantes de escravos, que as trocavam por trabalhadores também
escravos, ao fortalecimento dos conflitos que colocaram fim aos grandes
reinos existentes na África. “Vai se fazendo a guerra,
e chega um momento em que as populações submetidas, as
populações escravizadas e seus aliados vão reagir
a isso, o que acaba causando a produção de mais escravos
por um lado e, por outro, a destruição desses mesmos Estados,
desses mesmos reinos”, diz.
O Brasil foi à colônia que mais recebeu escravos no mundo,
foram mais de quatro milhões de negros africanos, e o último
a abolir a escravidão. O fim do trabalho escravo no Brasil não
significou uma adoção do trabalho assalariado.
— A transição do trabalho escravo para o assalariado
no Brasil foi muito lenta, sobretudo no campo. O que acontece é
que há uma passagem do trabalho escravo para um trabalho não
escravo, que a gente pode classificar como um trabalho livre, mas que
implica em uma série de formas, na criação de uma
série de maneiras de se prender o trabalhador ao trabalho e de
não remunerá-lo. Muitos escravos, após a escravidão,
permaneceram trabalhando nas terras do seu senhor em troca do direito
de estarem ali ou pelo direito da comida que eles próprios produziam,
diz a professora.
O fim do sistema escravocrata no Brasil, portanto, não implicou
em uma mudança efetiva nas relações de trabalho,
que continuou tratando o trabalhador como uma propriedade.
Branqueamento
A época em
que o Brasil aboliu a escravidão havia um desejo latente da elite
brasileira em promover um branqueamento da sociedade. A vinda dos imigrantes
para o país não foi apenas uma solução econômica,
mas também, uma solução político-ideológica,
afirma Mônica.
— Isso ficava claro nos discursos dos parlamentares da época,
em que era ressaltada a importância de se clarear a sociedade
brasileira, conta.
Mônica diz que essa situação perdura até
os dias de hoje. O negro, ao ascender socialmente, passa por um certo
tipo de clareamento aos olhos dos outros, sendo visto mais como um branco.
Mas, ao mesmo tempo, a qualquer momento pode ser lembrado a ele, da
forma mais sutil ou grosseira possível, de que ele não
é branco, afirma.
“O modelo do brasileiro desejado é o modelo branco. Falta
aos afros-descendentes no Brasil modelos de negros considerados belos,
bem sucedidos”.
Ações
afirmativas
A professora Mônica considera as ações afirmativas
medidas de urgência. Segundo ela, a melhoria da educação
pública deve ser feita a médio e a longo prazo. De imediato
é preciso tratar desiguais como desiguais,pois dessa forma, a
meta da igualdade poderá ser atingida.