A paleontologia brasileira tem alcançado lugar de destaque no
descobrimento de fósseis. Recentemente, ela contou com um fato
inédito. Pesquisadores do Departamento de Geologia da UFRJ descobriram
11 esqueletos de fósseis no município de General Salgado,
interior de São Paulo, o maior número já encontrado
na América Latina até os dias atuais.
As arcadas resgatadas eram de uma espécie de crocodilomorfo,
da família baurusuchidae, extinta no período
cretáceo há aproximadamente 90 milhões de anos.
A nova espécie foi batizada pelos cientistas com a denominação
Baurusuchus salgadoensis para fazer referência às
rochas da Bacia de Bauru e ao município de General Salgado.
De acordo com os pesquisadores, as arcadas estavam quase completas,
o que permitiu uma reconstituição muito próxima
do que foi o crocodilomorfo em vida. Além disso, o excelente
estado de preservação também contribuiu para o
trabalho de reestruturação e preparação
dos fósseis, que leva em média três anos para ser
concluído.
A descoberta do jazigo fossilífero aponta para uma série
de informações sobre o habitat e costumes de vida destes
crocodilosmorfos, revelando também suscetibilidade da região
para catástrofes ecológicas. Segundo o paleontólogo
do Departamento de Geologia da UFRJ, Ismar de Carvalho, há indícios
muito contundentes de que os crocodilomorfos enfrentaram variações
climáticas bastante diversas, passando por longos períodos
de intensas secas alternados por outros de fortes enxurradas. “Em
épocas de estiagem acredita-se que os crocodilos se enterravam
em tocas subterrâneas para que não perdessem a umidade
corporal, no entanto, quando não havia a ocorrência de
chuvas, os crocodilos acabavam morrendo soterrados. Talvez, este seja
o principal fator para que as arcadas encontradas estejam em boas condições”,
ressalta o pesquisador.
O estilo de vida do B. salgadoensis tem pouco a ver com o dos crocodilos
e jacarés de hoje. Além disso, anatomia de ambos são
diferentes. Os crocodilomorfos podiam chegar a 3 m de comprimento e
400 kg. Suas narinas eram frontais e a presença de dentes serrilhados
indica que eram predadores.
Além da importante ajuda dada pelos dois moradores de General
Salgado, participaram da análise científica os pesquisadores
Antônio Celso de Arruda Campos, do Museu de Paleontologia de Monte
Alto, Ismar de Souza Carvalho, professor do Instituto de Geologia da
UFRJ, e Pedro Henrique Nobre, doutorando do Departamento de Geologia.
O estudo contou com apoio da Prefeitura Municipal de Monte Alto (SP),
Museu de Paleontologia de Monte Alto, Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Instituto Virtual
de Paleontologia (IVP), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ/CCMN/IGEO — Departamento de Geologia)
Importância
Cultural
Segundo o paleontólogo
Ismar de Carvalho, a descoberta e identificação dos fósseis
também têm valiosa importância do ponto de vista
cultural, pois cria uma identidade da pré-história brasileira.
“Acredito, hoje, que é preciso criar uma identidade brasileira
a qualquer custo, ainda que seja através de nossos crocodilos”,
ressalta o pesquisador.
Ele afirmou também que o território brasileiro tem fósseis
diferentes dos encontrados em outras partes do mundo. Além das
contribuições à paleontologia, a descoberta dos
fósseis também é de extrema relevância ao
desenvolvimento da produção científica e ao incentivo
do turismo ecológico no Brasil.
Como tudo
começou
Há 15 anos atrás, Clésio Felício,
aluno da sexta série da Escola Estadual Silvério da Cunha
Lacerda, localizada no município de General Salgado, coletou
às margens de uma estrada, que corta o município, uma
amostra de algo que parecia ser um dente serrilhado ou um pedaço
de osso. Sem saber o verdadeiro tesouro que tinha em suas mãos,
Clésio, que acreditava ter encontrado ossos de bezerrinhos, entregou
o material para o professor João Tadeu Arruda. Ambos voltaram
ao local onde foi encontrado o material, e o João Tadeu percebeu
que estava diante de uma importante descoberta. No entanto, foi há
sete anos atrás que encontrou a ajuda do Museu de Paleontologia
de Monte Alto (SP), município próximo ao de General Salgado,
para desvendar o mistério.