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professora do Instituto de Geociências, Maria Célia Nunes
Coelho, pós-graduada em Geografia reflete sobre a sobrevivência
de instituições arcaicas diante do projetos de modernização
da sociedade brasileira, onde a grilagem de terras e conflitos rurais
abrem caminho para o agro- negócio.
" A propósito
do brutal assassinato da missionária norte-americana, Dorothy Stang,
houve por parte de críticos da direita e da esquerda, uma quase
generalizada, porém, tardia descrença nas expectativas geradas,
no contexto da década de 1970, de que a convivência ou superposição
de instituições sociais modernas com aquelas de ordem tradicional
resultaria num sistema social mais humano, que eliminaria a possibilidade
de ocorrência de episódios ligados à violência
no campo. O produto desta crença, mantida até os dias atuais,
foi a visão imprecisa de reforma agrária, ou melhor, continuou
a não haver um projeto consubstancial de reforma agrária
que conduza a mudanças significativas das estruturas sociais pré-existentes.
É preciso que se diga também que as interpretações
divulgadas pela imprensa encontram explicações na falta
de estudos sistêmicos e analíticos atuais que sintetizem
as diversas análises da natureza do projeto modernizador e da modernidade
brasileira, de suas conseqüências sociais e físico-ambientais
e das razões das permanências das instituições
arcaicas. Similarmente, expressam também a escassez de exame acurado
do colapso da modernização da Amazônia, fundamentada
em incentivos fiscais e creditícios que falharam no propósito
de apoiar um desenvolvimento regional em base ecológica e de segurança
social sustentável. Embora alijados dos projetos governamentais
a partir do IIº PND (1974-79), os movimentos sociais na Amazônia
lutaram e participaram duramente do processo de construção
da história regional.
O que houve de positivo no tratamento da imprensa ao ocorrido no oeste
paraense foi que ficou estampada a antiga associação entre
grilagem e exploração da madeira (fonte material já
exaurida na porção leste deste estado) e da terra na Amazônia.
No caso específico do oeste paraense (tanto em áreas geográficas
localizadas na Transamazônica, quanto na Cuiabá-Santarém),
a grilagem parece ter o significado de sustentação dos negócios
das madeireiras e pecuaristas ou o de antecipação do agronegócio,
ou seja, da chegada dos investidores mato-grossenses e “gaúchos”.
Caso contrário elas (as madeireiras, em particular) teriam que
investir pesadamente na compra de terra ou se submeterem às regras
burocráticas do IBAMA. O ilegal pode aí ser mais rentável
que contar com créditos do Banco da Amazônia S. A. –
BASA.
Finalmente, a mídia, ainda que sem aprofundar nas análises,
ressaltou a perpetuação dos conflitos sociais - envolvendo
a luta pela terra no campo -, e os papéis exercidos pelo governo
petista do Presidente Luís Inácio Lula da Silva de não
dar sentidos claros ao Incra e suas unidades regionais (vergonhosamente
enfraquecidas, desde o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso).
Desempenham também importante papel neste quadro regional crítico
os governos estaduais incapazes (ou sem autonomia) de modernizarem as
formas de geração e de emprego dos fundos fiscais nas soluções
dos problemas econômicos, fundiários e físico-ambientais
(como o desmatamento desenfreado) e de revolucionarem a concepção
do extrativismo não-madeireiro e de produção agrícola
dos produtores familiares na Amazônia. Dessa forma, os problemas
sociais e políticos vivenciados por militantes de dentro e fora
da Amazônia brasileira (vista ainda como terras incógnitas
e distantes) precisam ser investigados no contexto das manifestações
no local das mudanças sistêmicas vinculadas à fase
do capitalismo nacional e mundial ainda não satisfatoriamente compreendidas,
e fontes, sem dúvida, de muitos equívocos analíticos
de repetição recorrente."
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