Ponto de Vista
29.03.2005
Ecos de um Brasil ultrapassado
Bruno Franco

A professora do Instituto de Geociências, Maria Célia Nunes Coelho, pós-graduada em Geografia reflete sobre a sobrevivência de instituições arcaicas diante do projetos de modernização da sociedade brasileira, onde a grilagem de terras e conflitos rurais abrem caminho para o agro- negócio.

" A propósito do brutal assassinato da missionária norte-americana, Dorothy Stang, houve por parte de críticos da direita e da esquerda, uma quase generalizada, porém, tardia descrença nas expectativas geradas, no contexto da década de 1970, de que a convivência ou superposição de instituições sociais modernas com aquelas de ordem tradicional resultaria num sistema social mais humano, que eliminaria a possibilidade de ocorrência de episódios ligados à violência no campo. O produto desta crença, mantida até os dias atuais, foi a visão imprecisa de reforma agrária, ou melhor, continuou a não haver um projeto consubstancial de reforma agrária que conduza a mudanças significativas das estruturas sociais pré-existentes.
É preciso que se diga também que as interpretações divulgadas pela imprensa encontram explicações na falta de estudos sistêmicos e analíticos atuais que sintetizem as diversas análises da natureza do projeto modernizador e da modernidade brasileira, de suas conseqüências sociais e físico-ambientais e das razões das permanências das instituições arcaicas. Similarmente, expressam também a escassez de exame acurado do colapso da modernização da Amazônia, fundamentada em incentivos fiscais e creditícios que falharam no propósito de apoiar um desenvolvimento regional em base ecológica e de segurança social sustentável. Embora alijados dos projetos governamentais a partir do IIº PND (1974-79), os movimentos sociais na Amazônia lutaram e participaram duramente do processo de construção da história regional.
O que houve de positivo no tratamento da imprensa ao ocorrido no oeste paraense foi que ficou estampada a antiga associação entre grilagem e exploração da madeira (fonte material já exaurida na porção leste deste estado) e da terra na Amazônia. No caso específico do oeste paraense (tanto em áreas geográficas localizadas na Transamazônica, quanto na Cuiabá-Santarém), a grilagem parece ter o significado de sustentação dos negócios das madeireiras e pecuaristas ou o de antecipação do agronegócio, ou seja, da chegada dos investidores mato-grossenses e “gaúchos”. Caso contrário elas (as madeireiras, em particular) teriam que investir pesadamente na compra de terra ou se submeterem às regras burocráticas do IBAMA. O ilegal pode aí ser mais rentável que contar com créditos do Banco da Amazônia S. A. – BASA.
Finalmente, a mídia, ainda que sem aprofundar nas análises, ressaltou a perpetuação dos conflitos sociais - envolvendo a luta pela terra no campo -, e os papéis exercidos pelo governo petista do Presidente Luís Inácio Lula da Silva de não dar sentidos claros ao Incra e suas unidades regionais (vergonhosamente enfraquecidas, desde o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso). Desempenham também importante papel neste quadro regional crítico os governos estaduais incapazes (ou sem autonomia) de modernizarem as formas de geração e de emprego dos fundos fiscais nas soluções dos problemas econômicos, fundiários e físico-ambientais (como o desmatamento desenfreado) e de revolucionarem a concepção do extrativismo não-madeireiro e de produção agrícola dos produtores familiares na Amazônia. Dessa forma, os problemas sociais e políticos vivenciados por militantes de dentro e fora da Amazônia brasileira (vista ainda como terras incógnitas e distantes) precisam ser investigados no contexto das manifestações no local das mudanças sistêmicas vinculadas à fase do capitalismo nacional e mundial ainda não satisfatoriamente compreendidas, e fontes, sem dúvida, de muitos equívocos analíticos de repetição recorrente."



 
 

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