A Pesquisa na Universidade

 

Aula Magna na UFRJ no dia 15/04/05

 

J. Leite Lopes

 

 

O problema da importância da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento econômico e cultural do Brasil - e dos demais países em desenvolvimento - só recentemente passou a ser assunto de debate  generalizado entre nós.

 

O impacto produzido pelas aplicações militares da ciência na Primeira e, sobretudo, na Segunda Guerra Mundial, despertou nos países industrializados a consciência do papel que a pesquisa científica, pura e aplicada, adquiriu como fator determinante do desenvolvimento e das próprias condições de vida dos povos.1

 

As análises de homens de ciência, pioneiros no estudo da repercussão social da ciência, foram gradativamente retomadas por sociólogos, economistas a empresários das nações avançadas. O físico inglês J. D. Bernal, um dos mais lúcidos dentre esses pioneiros, escreveu no ano de 1964, a propósito do seu livro The social function of science, editado em 1939: "Vinte a cinco anos depois de ter escrito A função social da ciência, é de interesse olhar para trás para ver em que medida foram suas teses justificadas e suas lições apreendidas e para saber se estas apresentam ainda uma mensagem para o presente ou para o futuro [...]. Em A função social da ciência,  a revolução técnica e científica do nosso tempo foi apenas prevista; hoje ela é reconhecida por todos. Neste sentido, a mensagem daquele livro tornou-se obsoleta, um lugar comum. Mas a tarefa de compreendê-1a apenas começou e vai ser uma tarefa reconhecidamente muito difícil pois os objetos e processos em estudo mudam rapidamente, mais rapidamente  do que os nossos estudos a seu respeito.2

 

No Brasil, seria certamente do maior interesse o levantamento dos livros, artigos e debates publicados sobre as origens da ciência entre nós. Pois é certo que desconhecemos, em geral, o trabalho de muitos dos que nos precederam, suas contribuições, suas análises.

 

Depois da fundação do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e do Instituto Biológico, em São Paulo, no início deste século, marco inicial da pesquisa científica em nosso país, surgiu em 1916 a Sociedade Brasileira de Ciência que tomou o nome, seis anos mais tarde, de Academia Brasileira de Ciências e que congregava os grandes pioneiros da investigação científica: Henrique Morize, Manuel Amoroso Costa, Theodoro Ramos, Alvaro Ozório de Almeida, Carneiro Felipe, Miguel Ozorio de Almeida, Carlos Chagas, Roberto Marinho, Álvaro Alberto, Menezes de Oliveira e Artur Moses. Com suas reuniões mensais de apresentação de resultados de pesquisa, preenchia a Academia o vácuo decorrente da ausência de seminários nas  instituições de ensino superior da Capital à época. Mas só a partir de 1930, com a ruptura da predominância na economia do sistema de exportação do café, e o início do capitalisrno industrial, surgiu o primeiro esboço de uma política educacional e científica. No Rio de Janeiro, em 1920, reuniram-se as Faculdades de Medicina" de Direito e de Engenharia numa Universidade; em Minas Gerais, fusão análoga ocorreu em 1927. Em 1934 com a criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, instituiu-se a moderna Universidade de São Paulo e no Rio de janeiro, em 1935, com a criação da Faculdade de Ciências do Instituto de Belas Artes da Escola de Educação, da Faculdade Economia, da Faculdade de Filosofia e Letras, fundou Anísio Teixeira a Universidade do Distrito Federal, que se transformaria poucos anos depois na Faculdade Nacional de Filosofia.

 

Estes dois anos marcaram a grande transferência de conhecimento científico no Brasil, verdadeira base da legítima transferência de tecnologia. Eminentes especialistas do Brasil e do exterior foram de fato convocados para estas duas universidades: Luigi Fantappié e Giacomo Albanese em São Paulo; no Rio, Lélio Gama, Gabriele Marmnana (e Antonio Monteiro mais tarde); em São Paulo os físicos Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini; no Rio, Luigi Sobrero, Bernhard Gross e Costa Ribeiro. E os sociólogos Roger Bastide (S. Paulo) e Jacques Lambert (Rio), o epistemólogo Renê Poirier (Rio), o antropólogo Claude Levy-Strauss e o historiador Fernand Braudel (S. Paulo), os escritores Fortunat Strowski e Fidelino Figueiredo (Rio), além do grande poeta G. Ungaretti em São Paulo. No Rio, na UDF, forarn ainda convocados Luis Freire, Miguel Ozorio de Almeida, Candido Portinari. Pouco a pouco foram aparecendo professores universitários e pesquisadores capazes de despertar nos jovens o interesse pela Ciência, não somente no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas também em outras cidades do país notadamente Recife, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre. Marco importante para o desenvolvimento da pesquisa científica e para a discussão das questões relacionadas com a ciência e a tecnologia em nosso país foi certamente a fundação, na cidade de São Paulo, em 1948, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Ao editar a revista Ciência e Cultura e atualmente Ciência Hoje, ao convocar e patrocinar simpósios sobre temas especiais, tais como a questão da energia atômica no Brasil, a reforma das universidades, a organização da Universidade de Brasília, soube a SBPC atrair em torno de seus fundadores - e dentre eles, Maurício Rocha e Silva, José Reis, Walter Oswaldo Cruz e Haity Moussatché - os homens de ciência, os educadores e cientistas sociais interessados em analisar e debater  esforços, programas e meios empregados para o impulsionamento da  ciência em nosso país.4

 

Na física, ao terminar a Segunda Guerra Mundial, apareceu no Brasil a primeira equipe de pesquisadores que realizaram, com êxito,  trabalhos em grandes universidades na Europa e nos Estados Unidos e cuja formação havia sido possível graças à luta pela implantação da investigação científica no Rio de janeiro e em São Paulo nos anos 30.

 

Em 1946, a Organização das Nações Unidas instituiu uma Comissão de Energia Atômica da qual participou o Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, como representante do Brasil. Como um Conselho Nacional de Pesquisas era um sonho dos pioneiros da Academia,  aproveitou ele o impacto que teve a eclosão da energia atômica no mundo para propor ao Governo Brasileiro a criação do referido Conselho. Foi de grande importância a fundação do CNPq, pois formulou, em 1951, o primeiro projeto de política científica no Brasil com recursos para ajudar financeiramente os institutos de pesquisa e os departamentos científicos das universidades e conceder bolsas do estudos para a formação de jovens pesquisadores. Sob a égide do Departamento Administrativo do Serviço Público, o famoso DASP - recentemente elevado à categoria de Ministério da Administração institui-se  entretanto um sistema de regras para os funcionários do Estado, de aplicação desastrosa para os professores-pesquisadores.

 

Ao mesmo tempo  que impedia a adoção do regime de trabalho em tempo integral com os salários correspondentes, para os professores universitários, uma lei punha obstáculos à acumulação de cargos no serviço público federal, tornando impossível que um eminente matemático como Lélio Gama, astrônomo do Observatório Nacional fosse professor na Faculdade Nacional de Filosofia. As dificuldades para a implantação do regime de dedicação exclusiva dos pesquisadores só foram contornadas com a ação do CNPq, que, estabeleceu bolsas de pesquisa para os pesquisadores das  instituições federais, que tinham salários irrisórios.

 

            Para o Rio de Janeiro e São Paulo, convergiam jovens de várias cidades brasileiras, atraídos pelas novas faculdades de filosofia e ciências e, a partir de 1949, pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Era reconfortador para um jovem que regressava impressionado com os homens de saber que integravam universidades e institutos de  altos estudos no exterior - em Princeton, as estrelas, fixas e em movimento eram Einstein e Von Neumann, Pauli e Yukawa, Wigner e Oppenheimer assim como Américo Castro e Bertrand Russell, Arnold Toynbee e Erwin Panofsky - saber da existência da Semana de Arte Moderna nos anos 20, de Mário de Andrade, da pintura de Cândido Portinari, da força de arquitetura brasileira com Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, da poesia de Manoel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, dos debates sobre cinema (Vinícius de Moraes e Plínio Sussekind Rocha), da grandeza de Villa Lobos, da poesia da música popular brasileira.

 

Mas o crescimento gradual das pesquisas científicas nos institutos e universidades brasileiras - estimulado com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas - estava mergulhado numa ambiência que se opunha5 em última análise, ao florescimento vigoroso da ciência em nosso país e à sua contribuição à economia nacional: um sistema educacional, nos níveis elementar e secundário, alarmantemente insuficiente e inadequado às necessidades da população; escolas superiores tardiamente fundadas e reunidas em assim chamadas universidades cuja direção custou a compreender o significado do trabalho de pesquisa; e, sobretudo, a implantação de um sistema industrial baseado em filiais de grandes companhias estrangeiras, na fabricação local de bens manufaturados a partir de receitas e patentes inventadas no exterior e por cuja utilização teve, e tem, o país de pagar somas crescentes de "royalties".

 

Aos industriais do Brasil, aos seus representantes nos governos sucessivos da República, faltou sistematicamente consciência da importância de investimentos na pesquisa científica e tecnológica capaz de conduzir à descoberta, ao desenvolvimento e/ou ao aperfeiçoamento de tecnologias para a produção e até de laboratórios de controle de qualidade. Nem ocorreu às autoridades políticas - tantas vezes apressadas em imitar aspectos do modelo norte-americano estabelecer leis e instrumentos fiscais capazes de induzir tais investimentos. Em conseqüência, as universidades e institutos científicos, e até os institutos de pesquisa tecnológica, não poderiam deixar de permanecer em geral marginalizados,5 dissociados dos projetos de desenvolvimento econômico, incapazes, por falta de solicitação, de estímulo e de recursos, de realizar, sozinhos, projetos de pesquisa aplicada, de interesse para a economia nacional. E, no setor das empresas estatais, onde se poderia esperar um esforço pioneiro no sentido de impulsionar a tecnologia nacional, adaptaram-se essas empresas ao regime e à tradição das empresas privadas, importadoras de conhecimento e tecnologias desenvolvidas no estrangeiro.

 

A industrialização assim concebida atribuiu nos anos 50-60 o motor do desenvolvimento à indústria automobilística, numa imitação induzida dos países avançados. Mas, enquanto nestes últimos a infraestrutura dos transportes coletivos por ferrovias e por hidrovias estava prioritariamente bem estabelecida e desenvolvida, no Brasil o sistema econômico baseou-se exclusivamente na expansão do sistema de rodovias, com desprezo praticamente total da instalação gradual mas progressiva e segura de uma rede ferroviária nacional eficiente.

 

            Em realidade, a grande transferência de conhecimento científico e de capacidade de pesquisa, e, em conseqüência, a grande transferência de tecnologia neste século, ocorreu, nos Estados Unidos nas décadas de 30-40 e após a Segunda Guerra, com a chegada àquele país dos maiores vultos da ciência da Europa: Albert Einstein e Hermann Weyl, Eugene Wigner e Johann Von Neumann, Enrico Fermi Emílio Segre, Sergio de Benedetti, Leo Szillard, Edward Teller, entre muitos outros. Para a implantação dessa fina flor da ciência mundial nos Estados Unidos havia um solo fértil: universidades e organizações como o Instituto de Estudos Avançados de Princeton, com flexibilidade e recursos para atribuir condições de trabalho excelentes a esses pesquisadores. Se nas universidades americanas podia-se contar, antes de 1930, apenas uma dezena de físicos eminentes - além do grande Willard Gibbs no século passado, Robert Millikan, Albert Michelson, Arthur Compton, Richard Tolman, J. Robert Oppenheimer, Isidor Rabi entre outros - a produção científica e a formação  de grandes talentos tomou a proporção explosiva que se conhece após 1945. E as universidades e institutos de pesquisa e tecnologia nos Estados Unidos se tornaram os grandes centros mundiais de excelência numa política de fomento a pesquisa, oriunda não de órgãos de governo, mas de fundações e de homens de negócio pertencentes aos "boards of trustees" daquelas universidades e que deu aos Estados Unidos a proeminência que se conhece hoje. A criação de tecnologias, resultante nas origens de invenções e artesanatos, passou a receber o impulso da aquisição de novas idéias, novas teorias, novas experiências, novos mecanismos e substâncias, que a ciência é capaz de produzir.

 

Enquanto no Japão, arrasado pela Guerra de 1940, o interesse no reerguimento econômico, na fabricação de produtos manufaturados, conduziu os industriais a apoiarem o estudo da estrutura desses bens, dos meios e modos de produzi-los localmente, a absorverem, adaptarem e modificarem tecnologias e depois passarem a sua criação, no Brasil, a industrialização baseou-se na instalação no país de filiais de usinas de grandes companhias do exterior e que, se transferem  máquinas e fábricas, não transferem os conhecimentos que os seus laboratórios criam, nem permitem que engenheiros e cientistas brasileiros participem desses trabalhos de investigação tecnológica.

 

Compete pois ao Estado instalar excelentes universidades e institutos superiores de tecnologia  dar incentivos aos empresários brasileiros para que apóiem a pesquisa - e não só a aplicada.

 

A crise do petróleo em 1974 apanhou de surpresa os dirigentes do Brasil e os seus conselheiros econômicos. Ora, o fato de que as fontes conhecidas de petróleo deveriam começar a esgotar-se em princípios do próximo século já era conhecido dos especialistas.6 Na primeira Conferência  Internacional sobre as Aplicações Pacíficas da Energia Atômica, realizada em  1955, em Genebra, pela Organização das Nações Unidas, essa questão foi debatida  e os resultados de estudos ali apresentados foram levados ao conhecimento dos meios e autoridades científicas do Brasil 7. Só aparente foi a tomada de surpresa dos países industrializados pela crise do petróleo. Já, desde  1955 desenvolviam eles a tecnologia nuclear e não deixavam de preservar os meios de transporte por ferrovia, o que lhes tem permitido até hoje absorver as conseqüências dessa crise. Mas o desenvolvimento da energia atômica, preconizado por tais perspectivas, foi certamente obstaculizado8 e no Brasil, apesar dos esforços de físicos brasileiros para que um amplo programa nacional de energia nuclear fosse elaborado, debatido e implementado de modo que conduzisse finalmente à fabricação de usinas nucleares produtoras de energia elétrica estudadas pelos cientistas e técnicos brasileiros e produzidas pela indústria nacional, este programa não foi implementado.

 

E a partir dos anos 60 inventou-se o mito da transferência de tecnologia para dar uma idéia falsa de que a implantação de usinas filiais de grandes companhias estrangeiras constitui uma tal transferência. É sabido, repito, que essas usinas fabricam e montam produtos inventados no exterior, nos laboratórios de pesquisa de suas matrizes e a elaboração de produtos nacionais, inventados e/ou desenvolvidos em nossos laboratórios, se torna correspondentemente dificultada.

 

O meu livro sobre Ciência e Desenvolvimento, editado pela primeira vez em 1964, contém ensaios sobre essas questões, às quais fui conduzido não pela vontade apriorística de escrever sobre política da ciência, mas, sim, como resultado das dificuldades que encontrei, a partir do ano de 1946, para realizar pesquisas no meu domínio de especialização, na Faculdade Nacional de Filosofia, para a qual fui nomeado professor por San Tiago Dantas ao terminar a minha tese de doutorado na Universidade de Princeton.

 

Para quem acabava de viver a vida universitária nos Estados Unidos, no sempre vivo e florescente ambiente dos campi americanos, era desagradável contemplar o esquartejamento das nossas tardias universidades em prédios separados e espalhados pelas cidades, sem condições de abrigar laboratórios de pesquisa e oficinas técnicas, sem bibliotecas, gabinetes de trabalho e salas de aula adequadas. Daí o primeiro artigo deste livro, sobre a Universidade do Recife onde manifestava a esperança de que ali se instalassem com acerto os Departamentos e Faculdades, com o necessário apoio aos professores e pesquisadores. Já dois anos após a minha entrada na Faculdade Nacional de Filosofia como professor, manifestava  no discurso de posse da minha cátedra após concurso, a minha disposição de denunciar as dificuldades que encontrava para a realização de pesquisa na Universidade, no Rio de Janeiro. Foi a época em que uma comissão,. instituída creio que no DASP, debatia a questão da construção da Cidade Universitária; mas, infelizmente, a visão das personalidades dessa comissão - e de autoridades universitárias ao longo daqueles anos - era dominada por grandiosismo arquitetônico, sem a preocupação de um campus com prédios eficientes e amplos, mas não necessariamente enormes, de fácil acesso entre eles, sem necessidade para isso de uso de carros ou ônibus. A decisão final foi aquilo que se conhece: aterrou-se uma área ligando ilhas (o Brasil dispõe de pouca terra para universidades, há que toma-las ao mar) ao lado de terreno onde estava localizado aeroporto que se tornaria aeródromo de grande porte e, portanto, fonte de ruídos danosos a certos trabalhos de laboratório. Uma localização que joga para fora da cidade os estudantes e professores universitários, sem oferecerem-se meios de transporte adequados nem estrutura de atração para o campus.

 

Os artigos deste livro estão arranjados em ordem cronológica e abordam os temas da universidade, da investigação cientifica, da questão candente da energia atômica em suas origens no Brasil, da estrutura do Conselho Nacional de Pesquisas a suas dificuldades nos 60, sobre a necessidade de centros nacionais de treinamento e pesquisa.

 

No ano de 1963, participei com colegas do Instituto Oswaldo Cruz e da Academia Brasileira de Ciências, de um debate em favor da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Isto porque o Ministro Extraordinário da Reforma Administrativa ia propor que o Conselho  Nacional de Pesquisas passasse a integrar o Ministério da Educação e Cultura, uma vez que era impraticável a existência de órgãos subordinados diretamente ao Presidente da República. Das discussões que tiveram lugar na Academia de Ciência e no Conselho Nacional de Pesquisas resultou o anteprojeto do Ministério da Ciência e Tecnologia, elaborado pelo Conselho Deliberativo daquele Conselho do qual eu participava e quando era seu Presidente o Professor Athos da Silveira Ramos, anteprojeto que foi logo seguido de outro elaborado pelo Ministério da Reforma Administrativa. Iniciativa anterior havia sido a mensagem presidencial enviada ao Congresso pelo Presidente Getulio Vargas em 1936, na qual cogitava da criação de um Conselho Nacional de Pesquisas Experimentais. Apesar de uma resolução tomada durante o período do regime militar que se instalou em nosso país em 1964, o Ministério da Ciência a Tecnologia só foi criado e instalado em 1985, com a volta do país ao regime democrático. Em apêndice, além dos textos que figuravam na 1a. edição deste livro, estão incluídos os decretos de criação do MCT e das reformas sucessivas por que passou o Conselho Nacional de Pesquisas, atualmente chamado Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, mas com a sigla CNPq que hoje não abrevia nada.

 

O Ministério da Ciência e Tecnologia, criado em 1985, não teve, entretanto, uma estrutura adequada, de composição harmoniosa de seus órgãos deliberativos e executivos. Juntaram-se o CNPq e a FINEP, com suas leis e autonomia anteriormente adquiridas; a Secretaria Especial de Informática passou a constituir o órgão mais importante do Ministério. Apesar dessas dificuldades - agravadas pela resistência de outros Ministérios em deixar que certos órgãos passem à órbita do MCT, tais como a parte de pesquisa e desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear - apesar disso, teve o Governo a felicidade de escolher um Ministro da Ciência e Tecnologia,  com cultura, sensibilidade e conhecimento da área científica, e que soube unir a comunidade cientifica em busca da realização de suas aspirações. Tendo tido atuação de destaque nos grandes debates sobre a política da energia atômica no Brasil em 1956, na Câmara dos Deputados, 8 defendendo a política que foi formulada por Álvaro Alberto, de uma energia atômica voltada para os interesses maiores do nosso país, o Ministro Renato Archer, soube dar ao emergente Ministério a projeção política que deveria adquirir. E apos a grande ênfase na informática, nas tecnologias como a da engenharia genética, passará certamente, o Ministério, a formular uma nova política destinada a apoiar, estimular e fortalecer a pesquisa básica em todos os setores da ciência. As dificuldades financeiras são enormes, o intercâmbio com centros de pesquisa do exterior é mínimo, corremos o risco de ficar de fora da evolução da ciência que se processa aceleradamente no mundo contemporâneo. A ciência não pára e, se paramos a nossa ciência, nos atrasaremos em tudo. Há anos, decreto do Presidente da República proíbe a contratação de novos pesquisadores - nos institutos de pesquisa, nas universidades. O pesquisador novo assim equiparado pelo grande DASP a outras categorias de servidor. E assim a idade média dos pesquisadores aumenta, falta o sangue novo de cientistas jovens, com novas idéias, envelhece a ciência no Brasil. Como evitar este obstáculo? Na Franca, em meio a política de combate a inflação, da austeridade necessária a este combate, orçamento da pesquisa científica aumentou consideravelmente nos últimos anos.  Felizmente, no Governo atual, essas dificuldades desaparecem.

           

Em 1957, iniciei uma campanha pela criação de um Fundo Nacional para a Ciência, articulada por San Tiago Dantas, quando Diretor do jornal do comércio do Rio de Janeiro,  E, com Walter Oswaldo Cruz, Haity Moussatché e Jayme Tiomno, participei, ao lado do então Deputado Renato Archer, de programas de televisão em que o apoio à ciência pelos empresários era debatido e solicitado.

 

No que se refere à Política da energia atômica no Brasil, o artigo incluído neste livro e que data de 1958 denunciava os obstáculos maiores a essa política – e durante vinte anos, de 1955 a 1975, o Brasil marcou passo neste setor.  Daquela época até hoje evoluiu no mundo a questão da utilização da energia nuclear para fins pacíficos.

 

Com o fim do monopólio nuclear detido pelos Estados Unidos de 1945 a 1949 (a URSS em 1949, a Inglaterra em 1952, a França em 1960 e a China em 1964 construíram armas atômicas) começou a oferta de reatores para fins pacíficos a outros países, pelo programa “Atoms for Peace” dos Estados Unidos, imitado depois pelos outros países nucleares; para evitar-se a utilização desses reatores para a produção de material a ser empregado em bombas atômicas, criou-se uma Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena, que deveria também promover e coordenar a utilização pacífica dessa forma de energia.  Enquanto se adotava um Tratado de Não Proliferação  Nuclear que deveria exigir de seus signatários o compromisso de impedir em seus territórios toda atividade que conduzisse a aplicações militares da energia nuclear nos países detentores e produtores de sistemas de armas atômicas ficam isentos desse compromisso e livres da necessária inspeção internacional.

 

É claro que só podem apoiar-se as medidas que impeçam a guerra, sobretudo a catástrofe nuclear, e que promovam, o desarmamento e visem a garantir a paz.  Atualmente, entretanto, desarmam-se os desarmados e armam-se em corrida vertiginosa os super-armados.  E se a energia nuclear tem utilização para fins pacíficos e entre esses a produção de energia, o domínio completo de sua tecnologia evidentemente daria meios a uma possível utilização militar.  Isto é verdade de todo sistema  industrial, de qualquer tecnologia.  Querer então proibir a indústria atômica com tais argumentos, deveria essa vontade ser acompanhada do impedimento das indústrias  químicas, automobilística, siderúrgica, etc. que são imediatamente convertida em indústria de guerra em caso de conflito como se viu, por exemplo, na Guerra Mundial de 1939.

 

Invocar a proibição de uma possível utilização militar em todos esses casos, por parte de países menos desenvolvidos, que aspiram  ao desenvolvimento, acarreta também o congelamento das atuais  diferenças de desenvolvimento  econômico das nações, impedindo às nações subdesenvolvidas o acesso e o domínio de tecnologias como a nuclear, a informática  e as que forem descobertas.

 

Mas há evidentemente a questão do risco que envolve as usinas nucleares. E um risco real que não pode ser negado pelas autoridades responsáveis. O problema atualmente é de escala internacional. Enquanto não se desmantela o sistema de usinas nucleares espalhadas pelo mundo, urge o conhecimento pleno em cada país, da política de cada governo nesse setor, das medidas de rigor máximo, de fiscalização e  inspeção dessas usinas. A população deve confiar no governo neste aspecto fundamental para a vida de cada dia, e o governo, e as autoridades responsáveis pelo setor, devem estar conscientes de que todos os esforços e medidas de segurança devem ser adotados e implementados; e disto deve tomar conhecimento a sociedade.

 

Desde o início da revolução industrial ha três séculos, foram gradativamente todas as nações adquirindo, ou tentando adquirir instalações industriais. A civilização industrial, iniciada na Europa Ocidental, depois propagada aos Estados Unidos, ao bloco socialista, ao Japão, China e Índia é hoje uma rede que se estende sobre o planeta.

 

A idéia é: a população cresce, necessita-se criar empregos para os que entram anualmente no mercado de trabalho, industrialize-se, modernize-se, mecanize-se a agricultura.

 

Este crescimento demanda energia. E daí o advento da energia nuclear para contribuir ao suprimento dessa demanda.

 

Como mudar essa evolução?

 

Será que o caminho tomado é irreversível? Mesmo na hipótese de que se consiga desmantelar as usinas nucleares - e isso só funcionará em escala internacional - que outras tecnologias inventaremos que terminarão talvez por ameaçar a saúde e a vida dos povos?

 

A partir de 1975, pôs-se em execução o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, sem que entretanto tivessem sido ouvidos os cientistas mais ligados ao problema há vários anos, sem consulta a sociedades científicas. O programa de formação de cientistas e técnicos para a energia nuclear foi elaborado e executado sem intercâmbio com as universidades e seus institutos de pesquisa, senão totalmente fechado e hostil a essas universidades. Retrato falado do subdesenvolvimento do Brasil neste setor é o fato de que, ao longo dos anos, foram diplomatas os condutores ou porta-vozes do programa nuclear. Se os diplomatas são importantes para a negociação de acordos, para o estudo do quadro internacional em que se coloca este programa, só num país subdesenvolvido se entrega a construção da infra-estrutura científica e técnica de uma tecnologia nova a não-especialistas.

 

 

A Universidade de Brasília, idealizada e debatida em inúmeras reuniões  de cientistas e professores universitários com Darcy Ribeiro na SBPC, nos anos 60, tomou corpo e forma em 1963 - e esperávamos todos que com ela deixasse de ser a nova capital um lugar exclusivo para burocratas e  para os dirigentes políticos da nação para ser também um centro cultural a científico do qual se irradiassem novas concepções e novos métodos. É a esperança que continua, depositada nos integrantes dessa Universidade, depois que emergiu dos anos de obscuridade do regime autoritário.

 

            Veja-se o movimento impressionante de renovação cultural e científica da França, com a construção contínua de novas casas de arte, de cultura, novos museus, novos teatros , e centros universitários e esta magnífica  "Cité des Sciences et des Industries" que se instala em Paris, em La Villete.

 

Como fomentar adequadamente no Brasil as atividades culturais e de educação científica, por meios não ortodoxos, diferentes, simples, estimulantes?

 

Felizmente, o artigo sobre as Necessidades do treinamento científico de engenheiros: problemas e perspectivas no Brasil serviu para inspirar o Professor José Pelúcio Ferreira e o Dr. Jayme Magrassi de Sá, na criação do FUNTEC, germe do que viria a ser a FINEP.

 

            Lembro-me da visita que me fez em 1963 o Prof. Pelúcio Ferreira na antiga sede do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e da alegria que me causou ao dizer-me que iria tudo fazer para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, hoje BNDES, passasse também a apoiar a ciência e a tecnologia.

 

            Passados são talvez os anos em que, ao abordar essas questões, correriam seus autores o risco de se verem afastados de seus postos de ensino e pesquisa no Brasil, demitidos ou aposentados à força e premiados com um dossiê secreto sobre as supostas atividades contra o país, fonte possível de dificuldades novas aos que ousarem pensar em favor do Brasil.

 

            Passados aqueles anos – esperamos – os jovens homens de ciência, historiadores e economistas, sociólogos educadores, retomar o debate, tornando talvez obsoleta a mensagem dos que os precederam,  reconhecida agora como um lugar-comum.

 

No ano de 1905, um jovem perito em patentes, Albert Einstein, publicou trabalhos na revista alemã Annalen der Physik que iriam mudar os rumos da física.  O trabalho que iria fundar a teoria da relatividade restrita modificou as noções introduzidas por Isaac Newton em 1666 de espaço e de tempo absolutos.  Analisa o conceito de simultaneidade de dois acontecimentos separados, mostrando que este conceito depende do estado de movimento do observador,  relativo ao laboratório em que é feita a medida: processos que ocorrem em dois pontos separados, simultaneamente para um observador,  não são mais simultâneos para outro observador em movimento retilíneo e uniforme em relação ao primeiro.  Na sua teoria, prova igualmente Einstein que a distância de dois objetos – o comprimento de uma barra – depende do sistema em que é medida.  Em conseqüência da suposição de sinais que se deveriam propagar com velocidades infinitas a simultaneidade de dois acontecimentos na mecânica de Newton subsistia para observadores de todos os laboratórios Galileanos – o tempo era absoluto.  As distâncias mantinham também o mesmo valor para tais observadores – o espaço era absoluto.  A concepção tradicional mantinha que o espaço e o tempo eram independentes dos corpos materiais e de seus movimentos – espécie de palcos em que se desenrolariam os fenômenos físicos sem deles sofrer ação.  O reconhecimento de duas novas leis, sugeridas pela experiência deu assim lugar a uma profunda modificação desta concepção.  O que permanece independente dos laboratórios galileanos é a distância entre dois fenômenos, calculada num espaço em que o tempo desempenha o papel geométrico de quarta dimensão .   O espaço-tempo passou a ser o novo absoluto.

 

Ainda neste trabalho de 1905, Einstein indica que a massa de um corpo depende de seu estado de movimento e  em outro trabalho enuncia o importante resultado que a massa é equivalente à energia.   Sabemos hoje que esta predição obteve espetacular confirmação nas reações nucleares e que a massa de um núcleo é menor que a soma das massas de seus componentes em virtude da energia liberada em sua formação.

 

Em dois trabalhos publicados um em 1907 e o outro em 1911, Einstein examina o problema da influência de campo gravitacional homogêneo sobre a propagação da luz.  Graças a um eclipse solar observado em Sobral, os astrônomos verificaram  a deflexão da luz pelo campo gravitacional do sol.  Alcançada a teoria da gravitação, ela diz: o que determina o movimento das massas não são forças, é a própria estrutura do espaço físico o qual é por outro lado uma propriedade do campo gravitacional.

 

Dois novos campos de pesquisa foram abertos pela teoria relativista da gravitação: a cosmologia relativista e a teoria unitária dos campos.  A primeira foi conseqüência do trabalho pioneiro de Einstein e procura continuar com base na teoria da relatividade  geral um modelo de estrutura do universo.   A segunda procura obter equações que descreveria o campo total: o da gravitação e o eletromagnetismo.

 

A idéia de unitarização dos campos é uma herança de Einstein, mas ainda não se realizou completamente.

 

No nosso Instituto de Física, temos excelentes físicos, tais como Herch Moysés Nussenzweig, que ganhou a medalha Max Born da Sociedade Americana de Óptica, Erasmo Ferreira, Luiz Davidovich e Belita Koiller, que ganhou a medalha da Ciência (e da Beleza) com o Prêmio For Women in Science da L’Oréal/Unesco. No CBPF, temos Jayme Tiomno, Amós Troper, Mário Novello, especialista em raios cósmicos. Temos Ricardo Ferreira e Sérgio Rezende na Universidade Federal de Pernambuco; Mário Schemberg, já falecido, e Marcello Damy da Universidade de São Paulo, entre muitos outros. José Israel Vargas, Diretor do Conselho Executivo da Unesco.

 

Com a realização do ano Einstein, tivemos a perda do nosso físico maior César Lattes.  Meu companheiro de pós-graduação, em 1943 tivemos muitas conversas sobre a situação da física no Brasil.   Convenci-o a vir para o Rio de Janeiro. Isto foi feito quando propus a criação da cátedra de Física Nuclear nesta Universidade. Foi nosso físico maior, tendo-se incluído entre os grandes descobridores da Física Internacional.

 

Mas, como diria Bernal, a tarefa que se apresenta agora é ainda mais difícil; não só porque o mundo da tecnologia e da industrialização muda rapidamente, mas sobretudo porque se trata de saber que caminhos novos devemos tomar, que modificações de modelo de desenvolvimento devem ser ousadamente implementadas para o objetivo dos nossos sonhos: um desenvolvimento independente voltado para o bem-estar do povo brasileiro, baseado numa tecnologia nacional a numa ciência universal em florescimento em nossas universidades.

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

[1]       J. LEITE LOPES: Science for development - a view from Latin America, Bulletin of the Atomic Scientists (Chicago), vol. 22, pág. 7, 1966; J. LEITE LOPES: Ciência e desenvolvimento, Editora Tempo Brasileiro (Rio de janeiro), 1964.

 

[2]       J. D. BERNAL: The social function of Science, The M. I. T. Press (Cambridge, Mass.), 1973.

 

 

[3] S. SCHWARTZMAN, Formação da comunidade científica no Brasil, FINEP - Companhia Editora Nacional (Rio de Janeiro). 1979; VANYA M. SANT'ANNA, Ciência e Sociedade no Brasil, Editora Símbolo (São Paulo), 1978; J. LEITE LOPES, Ciência e Libertação, Editora Paz a Terra (Rio de Janeiro), 1969; 2a ed. 1979; R. L. DE IVIORAES MOREL, Ciência e Estado, T. A. Queiroz, Editor (São Paulo), 1979.

 

[4]       Ver Ciência e Cultura, vol. 30 Suplemento índice Alfabético 1949-1973; Número Extraordinário, 1949-1973 (São Paulo).

 

[5]       J. LEITE LOPES, Science and dependent development,, Interciência, vol. 2, pág. 139 (Caracas), 1977; J. LEITE LOPES, Developing countries and dependent. science, Impact of Science on Society (UNESCO), vol. 27, pig. 259 (Paris), 1977.

 

[6]       E. A. ROBINSON and G. H. DANIEL, The world needs of a new source of energy, Proceedings of the First International Conference on the Peaceful Uses of Atomic Energy, United Nations (New York and Geneva), 1956; The world needs of energy in 1975 and in the year 2000, United Nations experts, ibid., 1956.

 

[7]       M. D. de SOUZA SANTOS, J. GOLDEMBERG e J. LEITE LOPES, O Papel do tório no aproveitamento industrial da energia atômica, Ciência e Cultura, vol. 8, pág. 108 (São Paulo), 1957; J. GOLDEMBERG, A Conferência de Genebra, Ciência e Cultura, vol. 7, pág. 172 (São Paulo), 1956; J. LEITE LOPES, Necessidades da energia atômica para o Brasil, Ciência e Cultura, vol. 8, pág. 105 (São Paulo), 1957; J. LEITE LOPES, O Problema da energia atômica no Brasil, Revista do Clube Militar, Ano 31 No.  53 (Rio de Janeiro), 1958 (reproduzido in Ciência e Libertação, 2a ed. 1979).

 

[8]            Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Problema da Energia Atômica, Câmara dos Deputados, 1956.