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Professor
Hélio dos Santos Migon
"Podemos
utilizar o termo Estatística para nos referir tanto a uma mera
coleção de dados, dispostos em tabelas ou gráficos,
como para denominar uma disciplina estruturada em bases matemáticas
sólidas, incluindo tópicos como planejamento de experimentos,
desenho de pesquisas, elaboração de modelos para descrever
fenômenos aleatórios complexos, etc. Neste texto, estaremos
considerando aspectos desta disciplina substantiva, tão necessária
para a validação de hipóteses nos mais variados ramos
da ciência.
Diversas áreas da atividade humana influem (manipulam) na opinião
pública, às vezes de forma ardilosa, outras por casualidade.
Com a Estatística isto não é diferente. Ao se planejar
um levantamento por amostragem tem-se que cuidar de várias atividades
para garantir a qualidade dos dados, além de lidar com uma equipe
multidisciplinar. Discutem-se os alvos da pesquisa, elabora-se um questionário,
treinam-se os entrevistadores, etc. As perguntas devem se reportar exatamente
ao mesmo fato econômico, social, etc, e referir-se a um espaço-tempo
muito bem definido. Realmente, é de uma grande complexidade. Assim,
não é difícil admitir que possam ocorrer, algumas
vezes, erros de implementação. Mesmo nesta hora, a Estatística
está repleta de técnicas para imputar dados e corrigi-los.
Por exemplo, em pesquisas de intenção de voto argumenta-se
que os Institutos manipulam resultados em favor de determinados candidatos.
Dizem que assim influenciam na captação de recursos, etc.
Isto pode até ser verdade, embora precise ser cientificamente comprovado.
Parece-nos, entretanto, inusitado, pois não é assim que
as coisas ocorrem na área de propaganda. Campanhas publicitárias
são desenvolvidas com o objetivo de manter certa marca ou produto
na memória do consumidor. A lógica é de que, se por
alguma razão, ele desejar mudar de marca, é provável
que o faça para aquela mais presente em sua memória. Pesquisas
de memorização são realizadas para comprovar a eficiência
de uma campanha. No caso eleitoral, tenta-se dizer o contrário:
o resultado da pesquisa é mais relevante que o discurso do candidato,
suas propostas, seu tempo de exposição na mídia,
etc.
Nosso ponto é que a sociedade precisa deixar de ser ingênua.
Deve ser melhor educada para interpretar fatos de sua realidade (sociais,
políticos, econômicos), não os aceitando sem criticá-los.
É preciso desconfiar sempre dos números. Analise-os com
cautela, compare-os com outras fontes de dados. Um exemplo marcante de
que não há almoço gratuito: você recebe uma
propaganda de uma consultora dizendo-se especializada em orientação
para investimentos no mercado financeiro. Manda-lhe, nesta primeira carta,
uma previsão para o estado (alta/baixa) do mercado na próxima
semana. Ao final da semana, você verifica que ela acertou o prognóstico.
Na semana seguinte, você recebe outra carta e uma nova previsão.
Ao fim de cinco semanas, você verifica que ela fez cinco previsões
acertadas. Espantoso, não! Seja crítico. Parece bom demais
para ser verdadeiro. De fato, ela de início escreveu 32 cartas:
metade prevendo alta e metade baixa. Na semana seguinte, remete cartas
somente para os 16 onde acertou a previsão anterior. Assim por
diante, de forma que você é o único em que ela fez
5 acertos. Nada de especial, somente esperteza.
Pense, analise criticamente os fatos, contraste os números com
outras fontes, não seja ingênuo. A esperteza só prospera
no meio dos incautos." |
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Professora
Gabriela Scotto
"As sondagens
de "opinião pública", herdeiras técnicas
e filosóficas da Estatística Social do século XIX,
se desenvolvem e padronizam a partir de 1930. Em 1932, a revista The
Literary Digest, nos EUA, enviou milhares de questionários
a todas as pessoas que conseguiu listar, acertando com precisão
o vencedor da eleição presidencial norte-americana. Apenas
uns anos mais tarde, em 1935, George Gallup inaugura, em Princeton, o
primeiro instituto dedicado a pesquisas sociais. O instituto ficou famoso
por prever a vitória do Presidente Roosevelt nas eleições
de 1936, utilizando alguns elementos da amostragem probabilística,
quer dizer, elementos que, levando em conta uns poucos milhares de pessoas,
permitiriam conhecer a “opinião” de milhões.
Neste contexto, são freqüentes os debates sobre se os números
das sondagens de opinião refletem com exatidão a opinião
dos cidadãos e até que ponto elas são “científicas”.
No entanto, acredito que a questão mais interessante a ser discutida
não seja a do princípio da representatividade da amostra
(já que o problema que elas nos apresentam não é
matemático ou estatístico), mas a questão sobre os
postulados que estão por trás da idéia de que a “opinião
pública” pode ser reduzida e expressa estatisticamente. As
pesquisas de opinião, com seu aspecto de cientificidade, conseguem
transformar aquilo que na origem é um simples artefato técnico
em realidade social, isto é, em uma crença coletiva no valor
da “razão estatística”.
Concordo com Pierre Bourdieu quando, no seu artigo “A opinião
pública não existe” escreve que a função
política mais importante das sondagens de opinião consiste,
talvez, em “impor a ilusão de que existe uma opinião
pública como pura adição de opiniões individuais”,
em impor a idéia de que numa cidade como o Rio de Janeiro, por
exemplo, existe uma opinião pública pensada como a média
das opiniões ou das opiniões médias.
Há um outro autor, também francês, muito interessante,
Patrick Champagne, que no seu livro Formar a opinião –
o novo jogo político, demonstra (para o caso das pesquisas
eleitorais) que não existe uma tal “opinião pública”,
e que aquilo que se designa com este termo é, na realidade, um
espaço social dominado por um conjunto de profissionais (comerciantes
de pesquisas, politicólogos, assessores de comunicação
e marketing político, jornalistas, etc), que utilizam as tecnologias
modernas para dar uma existência autônoma à “opinião
pública” por eles mesmos fabricada." |
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