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olho no olho
Olho no Olho
02.08.2005
Licença para mentir          
Raphael Ferreira
 

O escândalo do “mensalão”, crise política mais expressiva do governo Lula, contou recentemente com mais um episódio de ambigüidade. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, responsável pela investigação das acusações feitas ao empresário Marcos Valério, suposto intermediador de empréstimos indevidos para o Partido dos Trabalhadores (PT), a mulher do empresário, Renilda Maria de Souza, contou sua versão dos fatos sem ser obrigada a assinar um termo de compromisso declarando que sua fala seria verdadeira.

 
 
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, negou um pedido dos advogados de Renilda para que ela faltasse ao depoimento. Ela teve que comparecer à CPI, não pôde se negar a responder e não esteve livre da possibilidade de ser presa. Foi garantido, porém, o direito de mentir.
Jobim observou que, pelo Código Penal, testemunhas não podem ser liberadas da obrigação de depor, mas sendo casada com um dos investigados, não é obrigada a dizer a verdade.
Esse respaldo jurídico fez surgir uma série de questões que colocam em dúvida a confiabilidade de sua fala. Como confiar em sua veracidade? A possibilidade de existirem deturpações em seu depoimento não inviabiliza as investigações? Por que o Código Penal permite que, em alguns casos, as testemunhas mintam? Como o cidadão comum entende essa licença para mentir?
O Olhar Virtual convidou os professores José Ribas Vieira, da Faculdade de Direito, e Manuel Sanches, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, para discutir sobre esta polêmica.
 


 
 

José Ribas Vieira
professor de Teoria do Estado da Faculdade de Direito

"O debate estimulado pelo Olhar Virtual no sentido de que, de alguma forma, a Universidade contribua para refletir criticamente a respeito do papel das CPIs numa perspectiva política e jurídica é bastante importante. Tal importância se destaca diante da grave falta de ética que atinge, sem distinções, todos os denominados poderes da República (incluindo o Judiciário). Assim, cabe à Universidade como espaço público da sociedade civil contribuir para recompor a noção de cidadania como virtude cívica entre nós.
É nesse ponto que devemos começar a nossa reflexão. Hoje, a teoria política apresenta como uma das grandes vertentes de compreensão do universo social a concepção do resgate do republicanismo. O republicanismo é entendido por nós como uma atuação política na qual a referida virtude cívica, em última análise, prevalecerá. A indagação que nós fazemos é se as CPIs previstas no artigo 58 § 3° da Constituição Federal de 1988 estão, realmente, instrumentalizando essa noção republicana do que é nossa sociedade civil.
As nossas CPIs têm inspiração norte americana, como materialização de algo tão sagrado ao espírito americano, através de institutos como "herarings" (para aprovar nomeações para cargos da administração pública norte-americana) ou "amicus curiae", em relação à presença da sociedade civil em questões discutidas na Corte Suprema Americana. Por conseqüência, a influência norte americana relacionada às nossas CPIs é essencialmente republicana. É na Constituição Federal de 1946 que introduzimos a presença das CPIs como mecanismo investigativo com poderes de autoridades judiciais. As CPIs no Brasil sempre foram marcadas pelo grande impacto social que causam. Vale lembrar, por exemplo, a famosa CPI sobre o jornal Ultima Hora, a respeito de financiamentos públicos para Samuel Wainer, em 1953, que traria, entre outras conseqüências, a crise de agosto de 1954, com o suicídio de Vargas.
Mas é nos anos 90 do século passado que as CPIs ganham enorme vulto entre nós. Entretanto, para mim, há um ponto de inflexão. Ela ocorreu a partir do caso Cidam, ou melhor, no depoimento do então presidente do Banco Central Francisco Lucas Lopes que, instruído pelo seu advogado, recusa-se a prestar esclarecimento em nome de uma garantia constitucional do "direito ao silêncio". Essa inflexão representa, na verdade, um processo constante daqueles referidos anos 90 de uma interferência do STF em assuntos do Congresso Nacional. Apesar do STF ser cioso em suas jurisprudência do respeito ao princípio da separação de poderes, ele tem interferido no poder investigativo do Congresso Nacional.
Quem não se lembra, recentemente, da liminar concedida pelo Ministro Pelúcio vedando a transmissão pública do "empresário" chinês vinculado a contrabandos no Congresso Nacional? Assim, no caso das CPIs, é relevante destacar o fato de que o STF, em nome de garantias constitucionais, contribui para o esvaziamento do papel das CPIs. Uma indagação que pode ocorrer: Mas essas garantias constitucionais não são importantes? Sim, são, mas vale lembrar que, no caso dos Estados Unidos, por exemplo, o direito ao silêncio, foi uma conquista longa da sociedade americana. Somente nos anos 60 do século XX, no famoso caso Miranda (o do bafômetro), ficou consagrado o princípio da não auto-incriminação.
O que ocorre no Brasil? Esses direitos entre nós não são resultados de "uma conquista" ou de um certo amadurecimento republicano da sociedade brasileira. Quando o STF assegura uma garantia como o direito do silêncio, não há, na verdade, uma ponderação no sentido se interessa à maioria da nossa sociedade assegurar essa garantia. O mesmo ocorre com o debate do "habeas corpus" preventivo. Vejam que, no primeiro momento, o STF foi bastante flexível concedendo "habeas corpus" preventivo para a turma Delúbio, Silvinho & Valério. Creio que notando uma certa reação da sociedade civil brasileira no caso da Renilda, houve uma dubiedade por parte do Ministro Jobim na sua liminar e que ficou mais esclarecida no segundo despacho, diante da reiteração do pedido por parte do advogado da Renilda.
O resultado prático de todo esse processo, advindo desde o mencionado caso do direito ao silêncio de Francisco Lucas Lopes, é o esvaziamento das CPIs. Acredito, também, que diante do menor grau informativo dos depoimentos e da perda da espontaneidade dos esclarecimentos, o que ocorre é o crescimento da espetaculação. Essa espetaculação e agressividade presentes nas CPIs, penso, seriam uma forma de compensar o perfil das nossas CPIs de hoje. Outro ponto importante, também, que não podemos esquecer, é o fato da sofisticação do crime organizado. Por exemplo, a Renilda, segundo o STF, na discussão de seu "habeas corpus" preventivo, compareceria como mulher de Marcos Valério. Assim, ela estaria depondo como testemunha.
A CPI dos Correios acabou no dia do depoimento da Renilda, gastando parte de seus trabalhos discutindo a natureza jurídica da presença da Renilda. Em síntese, o que foi importante destacar nesse debate promovido pelo Olhar Virtual a respeito da "Licença para mentir" está no fato de que o jurídico tem contribuído sim pelo seu formalismo (e não por efetiva garantia constitucional de direitos individuais conquistados pela sociedade brasileira) para esvaziar o possível papel republicando de nossas CPIs.
"

 

Manuel Sanches
professor de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

"
O fato de a senhora Renilda poder mentir não é um grande problema, nem para a CPI nem para o cidadão comum. Ninguém é obrigado a dizer alguma coisa que lhe incrimine quando está sendo investigado. Compete a quem investiga descobrir os indícios de culpa e explorar as contradições de quem responde às perguntas do investigador, neste caso a CPI. Mas, por outro lado, ela não pode se negar a responder a nenhuma questão. Assim, se bem interrogada, ela poderá cair em contradição e a CPI extrairá daí indícios para chegar à verdade.
Isto a população sabe, porque é o que acontece com qualquer cidadão que pode vir a ser submetido a um interrogatório. A rigor, as pessoas não recebem uma licença para mentir, e o fato delas mentirem não é um impedimento para que se chegue às contradições e, eventualmente, à verdade. Somente na condição de testemunhas é que as pessoas são obrigadas a dizer a verdade porque, neste caso, o seu depoimento estará afetando a terceiros, podendo condenar inocentes ou absolver culpados. Mas na condição de investigadas, as pessoas não podem ser obrigadas a se auto-incriminarem.
A população também sabe que a mentira é, em geral, um expediente dos criminosos. Mas conta com a capacidade daqueles que estão à procura da verdade, que pretendem colocar quem mente em cheque. O que a senhora Renilda disse em seu depoimento será comparado a outros depoimentos e aos fatos. Se ela mentiu, sobre ela mesma ou sobre os outros, será responsabilizada. É isto que o cidadão comum espera da CPI."

             
 
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