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Mário
Eduardo Martelotta
Dep. de lingüística / Faculdade de Letras
"De que forma a mídia contribui para o uso incorreto
da língua portuguesa? Antes de responder a essa pergunta,
é importante registrar uma coisa: não existe uso
correto ou incorreto da língua: cientificamente, não
há nada em uma forma de expressão que a caracterize
como certa ou errada. A lingüística, ciência
que estuda a linguagem, observa que todas as línguas naturais
apresentam variação (formas alternativas de falar,
que coexistem em um mesmo período de tempo) e mudança
(surgimento de novas formas de expressão, com o conseqüente
desaparecimento de outras antigas).
Por um lado, qualquer língua varia de acordo com a região,
a classe social, a idade e o sexo dos falantes, e até mesmo
de indivíduo para indivíduo. Diante dessa realidade,
surge a inevitável pergunta: qual seria a linguagem “correta”?
A da capital ou a do interior, a das classes privilegiadas ou
a das classes pobres? Não é necessário muito
raciocínio para se chegar à resposta. A linguagem
correta é a das capitais, a das classes que detêm
o poder, e assim por diante. Isso quer dizer que os critérios
utilizados para se eleger a forma padrão de se utilizar
uma língua não são de caráter lingüístico,
mas de natureza sócio-cultural.
Por outro lado, qualquer língua muda com o tempo. Isso
significa que, muitas vezes, o que é certo hoje já
foi errado ontem. Hoje nós criticamos pessoas que falam
framengo, em lugar de flamengo, bicicreta, em lugar de bicicleta.
Mas é importante lembrar que, por exemplo, a atual palavra
pranto (choro, lágrimas), pelo menos até o século
XVI aparecia nos texto como planto. Essa troca do l pelo r não
é mais considerada errada por que se generalizou na língua,
entrando na fala culta e na escrita.
É claro que existe um padrão de uso da língua
(que não é o correto, mas somente um padrão
ou modelo), que é importante, entre outras coisas, no sentido
de promover a unificação da língua. Analisando
a questão de um ponto de vista sócio-cultural, pode-se
dizer que o conhecimento desse padrão significa, para o
indivíduo, acesso a melhores empregos, e, portanto, a posições
sócio-econômicas mais cômodas. Esse padrão
é ensinado em todas as escolas do país e é
utilizado nas rádios e nas televisões. E isso traz
de volta a questão inicial.
O “Seu Creysson”, do programa Casseta e Planeta, é
um, entre vários outros personagens caricaturais, que utilizam
a “linguagem errada” em programas de humor. Isso já
era visto em Mazzaropi (quem iria comprar a imagem do caipira
vivido pelo autor em meados do século passado, falando
o mais puro português camoniano?), passou pelo trapalhão
vivido por Renato Aragão, por vários personagens
de Chico Anísio e chegou aos programas atuais. Mas não
se deve esquecer que também existem os programas “sérios”,
como os jornais, as entrevistas, entre outros, em que a língua
padrão está representada. De modo que não
é adequado dizer que esses personagens contribuem para
deterioração da nossa língua, já que
sua fala reflete a caricatura da fala popular, que é real
e tem o seu lugar no cotidiano das pessoas, ao lado das situações
em que a fala padrão seria mais adequada.
O problema que eu vejo, por parte da mídia é que
os programas informativos, já minimamente intelectualizados,
estão cada vez mais raros e os poucos que ainda resistem
são apresentados às 6 horas da manhã, à
meia-noite, ou em outros horários impossíveis (ou
estão na tv a cabo, é claro). Quanto aos programas
de auditório que ocupam os horários nobres e que
possuem grande audiência, o mínimo que se pode dizer
é que chegam ao nível do grotesco. Associando isso
à falência do sistema educativo no país, acredito
que o Brasil vive um momento complicado, em que, cada vez menos
se valoriza a reflexão e a sensibilidade e o poder crítico,
o que, cada vez mais, abre espaço para tragédias
como a que vem sendo encenada no palco da política nacional."
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Prof.
Fernando Santoro
Dep. de Filosofia / Lab. OUSIA
"Os meios de comunicação em geral buscam refletir
o estado mais atual da língua falada, para serem mais eficazes
em seu objetivo: a comunicação de informações.
A língua falada compreende forças lingüísticas
em várias direções, muitas vezes contrárias.
Ao mesmo tempo em que é volúvel e seduzida por modismos
fugazes como as gírias, é também muito conservadora
e pouco tolerante às inovações produzidas
pela literatura. Ela tende a refletir assim um mediano senso comum,
inclusive uma certa formação medíocre que
reflete o grau de escolaridade dos leitores, ouvintes, espectadores.
Dependendo do poder de alcance do meio de comunicação,
esta tendência mediocrizante tende a se expandir, absorvendo
variantes regionais e sociais. O alcance de uma telenovela, por
exemplo, é enorme e pode levar uma forma dialetal específica,
ou um sotaque (a fala do carioca nas novelas da rede Globo, digamos)
a todo o país e mesmo a além mar. O problema, em
termos educacionais, não é a de uma “contribuição
para o uso incorreto” mas a adoção de certos
padrões de correção, como por exemplo, o
uso dos possessivos “deles” e “delas”
e a interdição do uso de “seu” e suas
derivações. Os meios de comunicação,
enquanto veículos informacionais, usam e passam uma linguagem
de rápida compreensão. O que estimula e vivifica
a língua é, por outro lado, o seu uso inteligente
e criativo. O uso inteligente requer reflexão, quer dizer,
um olhar que se volta sobre si mesmo; nos meios de comunicação
isto pode se dar quando a própria informação
e o seu veículo são postos em questão. Quando
o próprio veículo mostra o quanto a informação
transmitida é um recorte movido por uma perspectiva e interesse.
Uma iniciativa muito interessante neste sentido é o Observatório
da Imprensa, na Internet. O uso criativo, passa por um diálogo
com as artes: poesia, cinema, teatro, música etc., não
apenas veiculando o que as diversas artes produzem, mas incorporando
na linguagem do próprio meio as suas criações."
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