Ponto de Vista
14.09.2004
Acesso público às universidades
Ana Carolina Alves

Eliana Sousa Silva, presidente do Centro de Estudos de Ações Solidárias da Maré (CEASM) (e coordenadora da Rede Educação, ganhou o Prêmio Ashoka em 2001, sendo indicada também este ano ao Prêmio Cláudia (Revista Cláudia/Editora Abril), na categoria Trabalho Social.
Mestre em Educação pela PUC-Rio e graduada pela Faculdade de Letras da UFRJ, Eliana expõe sua opinião sobre o acesso público as universidades, tema sobre o qual possui bastante experiência:

“... o acesso à educação passou por uma compreensão de estar ali dentro daquele espaço de uma maneira mais ampla, ou seja, a gente acredita que a mudança estrutural que aquela região precisa passa pelo acesso à educação, à informação, pela busca de outras possibilidades no campo cultural, assistencial, político... .”


“Só o acesso à educação, a bens culturais mais elaborados, não resolve a questão. Uma coisa que percebemos, lá na Maré, é a necessidade de estarmos qualificando nossa ação no sentido de que o jovem, quando entrar na universidade, possa receber, além da formação, algumas outras questões que possam dar, de fato, condições para que ele possa ter um “salto”, não só no sentido de mobilidade social, mas no sentido da qualidade, de sua compreensão sobre o mundo, de sua visão sobre a própria realidade e de sua contribuição para a modificação do quadro sócio-econômico da comunidade. O Centro de Estudos de Ações Solidárias da Maré (CEASM) foi criado, principalmente, tendo em vista a taxa de educação da região: menos de 0,5% da população, na época, tinha acesso à universidade. Hoje, sete anos depois, já conseguimos a marca de 1,86%, ou seja, 401 jovens que passaram pelo programa de pré-vestibular do CEASM estão nas universidades.

A gente começou o projeto justamente na perspectiva de possibilitar, a partir do nosso trabalho, que o jovem da Maré chegasse à universidade – de uma maneira consciente de seu papel, de morador da Maré, como alguém que poderia, de alguma forma, estar retornando, assim como nós retornamos, numa perspectiva de estar também se inserindo em um movimento de mudança, de médio a longo prazo, na região. Então isso, na verdade, norteou a nossa compreensão de como viabilizar esses projetos iniciais. Isso que deu o sentido inicial ao nosso trabalho.

Ao se tentar possibilitar maior acesso de jovens de origem pobre à universidade, ela própria terá que repensar seu papel – papel mesmo, no sentido de dar respostas a questões referentes para sociedade –, e quanto à possibilidade da universidade estar mais presente no que concerne aos problemas sociais. Essa possibilidade, sabemos, terá efeito nela própria, gerando novos conhecimentos, novas práticas, formas novas de olhar essa população, e de lidar com a falta de acesso dessas pessoas. Há, sem dúvida, a necessidade de a própria universidade estar se revendo e se repensando, no sentido de como a gente incorpora essas pessoas de uma maneira qualitativa e estrutural. Na verdade, a discussão do acesso à universidade pelas cotas, por exemplo, deveria ser pensada de maneira mais qualitativa e não só a partir de pressões políticas e nem de ações pontuais. É algo que deveria pautar as agendas de todas as universidades, deveria ser algo que, de fato, pudesse estar, aos poucos, trazendo uma outra possibilidade para a própria universidade – que incorpora essa população que historicamente está marginalizada e inconformada com as desigualdades. É um problema abrangente que deve ser olhado de maneira abrangente e não pontual”.