CHINA:
uma escolha estratégica
A
República Popular da China assombra todas as imaginações
possíveis. Qualquer cifra que se referia ao país eleva-se
a dimensões gigantescas, muito particularmente quando se
trata de seu desenvolvimento econômico recente. Tal gigantismo
atrai especialmente os empresários e investidores, ávidos
por negócios “da China”. Mesmos os empresários
brasileiros buscam na China uma fatia da lucratividade muitas vezes
negada nos mercados super-protegidos do Japão, Estados Unidos
e União Européia. Ora, este eldorado de bons negócios
tem, paradoxalmente, um aspecto fortemente enganador para nós
brasileiros: a idéia de que a China Popular é um grande
negócio. Para os brasileiros, e creio ser esse o âmago
da nova política externa brasileira, a China não é
– apenas – um grande negócio: a China é
uma escolha estratégica.
O que entendemos como uma escolha estratégica? Na verdade,
depois de 1991, com a queda da União Soviética, o
mundo tornou-se perigosamente unipolar, com os Estados Unidos exercendo
abertamente seu poderio mundial. A União Européia
e o Japão, as forças econômicas e políticas
mais próximas (e mesmo assim, bem atrás do gigante
do norte), mostraram-se incapazes de transformar poder econômico
e tecnologia em ação política. Ao longo das
Administrações Bush (pai) e Clinton, os Estados Unidos
puderam exercer, até 2001, um inequívoco poder de
policiamento do mundo (crises no Oriente Médio, na ex-Iugoslávia;
na África, etc...). Tratava-se da expansão da chamada
Nova Ordem Mundial, marcada pela manutenção das formas
liberais de representação política e de comércio
mundial, além da expansão da cultura americana via
meios on-line. Mesmo sendo uma hiper-potência os Estados Unidos
procuraram, com Al Gore enquanto ideólogo, criar uma rede
de tratados e acordos que deveriam agir como suporte jurídico
para esta nova ordem mundial: Protocolo de Kyoto, Tribunal Penal
Internacional, expansão da OMC, protagonismo da ONU, etc...
Contudo, após 2001, como o novo Bush na Casa Branca, e a
irrupção, agora maciça, do novo terrorismo
internacional, todo este arcabouço foi abandonado, e os Estados
Unidos não hesitaram em agir sozinhos, ou com aliados de
ultima hora, para atingir seus objetivos, não recuando diante
de nenhum meio para atingir os fins determinados. Em pouco tempo
o mundo se tornou um lugar inseguro e agressivo, numa espetacular
reversão das expectativas pós-Guerra Fria.
É neste contexto que a China se avoluma enquanto uma escolha
estratégica. Para um país como o Brasil – cujas
cifras também o colocam na lista dos dez maiores –
um mundo unipolar – com a concentração política
e econômica em uma só potência – é
imensamente perigoso. A escolha da China como parceiro estratégico
visa, exatamente, descongestionar a agenda internacional, abrir
novos caminhos, alargar o diálogo internacional.
A China possui as condições necessárias para
tornar o dialogo internacional múltiplo, seja através
da ampliação do comércio mundial, seja através
de uma postura política anti-hegemonismos no cenário
mundial. Depois de 1976, com a ascensão de Deng Xiaoping
ao poder, eliminando o chamado Bando dos Quatro – os herdeiros
políticos de Mao – a China iniciou um fantástico
programa de reformas econômicas, as chamadas Quatro Grandes
Modernizações (da industria, da agricultura, da ciência
e tecnologia e das forças armadas), culminando em índices
constantes de crescimento econômico, superiores a 8% ao ano.
Passados os terríveis acontecimentos da Praça da Paz
celestial, a partir de 1989, fica claro que a China não seguiria
o mesmo caminho dos seus parceiros comunistas da Europa, inclusive
a própria URSS. Observando e estudando com detalhismo as
experiências da Glasnot e da Perestroika, a elite do Partido
Comunista chinês opta por uma resposta diferenciada: ampliar
as reformas econômicas, introduzir mecanismos de mercado na
economia, visando claramente a ampliação do bem-estar
social, e, ao mesmo tempo, mantendo o papel dirigente do partido,
agora ampliado para abrigar empresários e inovadores em geral.
A China vencia assim o risco da decomposição política.
A partir de então, pode-se ver com clareza que o país
tornar-se-ia uma potência da ordem. Não se trata mais
de um país envolvido na propaganda e na expansão do
marxismo/maoísmo dos anos ´60 e ´70 do século
XX, mas uma China interessada na manutenção da ordem
e do crescimento mundial, uma potência estabilizadora nas
relações internacionais.
Aos poucos, porém com grande firmeza, a China caminha para
a substituição do marxismo – sem abdicar de
seus símbolos externos mais notórios – pelo
nacionalismo progressista enquanto ideologia nacional. E aí
reside um ponto que é extremamente sensível para os
chineses e para o qual, nós brasileiros, devemos atentar.
A China – única potência do mundo com continuidade
histórica da antiguidade aos nossos dias – foi um país
humilhado e ocupado por invasores ocidentais (e o Japão)
desde da ignominiosa Guerra do Ópio (1839-1842), que motivou
o início da ocupação de seu território.
Assim, as elites dirigentes depois de 1949 – vitória
da Revolução Comunista – colocaram para si mesmas
a tarefa de recuperar a dignidade nacional. Este processo passa
pela reunificação do país no seu contorno histórico
do apogeu do Império: a incorporação do Xinjiang
(antigo Turquemenistao chinês) e do Tibet; o retorno de Macau
e Hong-Kong e a reunificação de Formosa (Taiwan).
Os primeiros objetivos foram realizados: o Xinjiang e Tibet são
chineses hoje e Macau e Hong-Kong foram devolvidos ao país.
Contudo, permanece uma forte campanha mundial – centrada nos
Estados Unidos – pela independência do Tibet, o que
desagrada largamente Beijing. Mais grave ainda é a situação
de Formosa, oficialmente uma província rebelde da China.
Ora, os Estados Unidos, e em menor escala a França, armam
e sustentam a ilha de Taiwan, criando, para os chineses, uma zona
de crise e impedindo que o grande objetivo nacional – a reunificação
– ocorra. Assim, para a China a reunificação,
com o reconhecimento do Tibet e de Formosa, como províncias
da China, é um objetivo nacional permanente. Vários
países do mundo, inclusive no âmbito do Mercosul –
é o caso do Paraguai – reconhecem Formosa como país
juridicamente independente, o que faz todo o relacionamento bilateral
refém de tal posição.
Para além de um grande negócio, a China é uma
parceria estratégica fundamental para o Brasil. Ao lado de
outros países, como a Índia, África do Sul,
U. E. e claro, do Mercosul, os bons entendimentos com os chineses
garantem uma margem de manobra crescente para o Brasil em suas relações
internacionais, seja no âmbito comercial, seja no âmbito
político. Ampliando nossas relações com os
países emergentes, o Brasil pode responder ao desafio desinformado
de Robert Zoellick, o chefe do escritório de comércio
americano, que afirmou que fora da Alca iríamos comerciar
só com os pingüins... Ok, teríamos então
os pingüins, os chineses, os indianos, os europeus, os africanos....
Francisco Carlos Teixeira Da Silva
Professor Titular de História Moderna e Contemporânea
Laboratório de Estudos do Tempo Presente/UFRJ
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