Olho no Olho

 
25.05.2004  
   

Imagens repulsivas em cigarros

Uma pesquisa inédita da UFRJ com a participação do Instituto Nacional do Câncer, está medindo o teor repulsivo das imagens circulantes em maços de cigarro da campanha anti-tabagista do Ministério da Saúde. A chefe do Laboratório de Neurologia da Universidade e coordenadora da pesquisa que ainda está em andamento, Eliane Volchan, defende o governo , que utiliza essas imagens, consideradas por ela como de “impacto negativo”. Em contra partida, o professor Sebastião Amoêdo, doutor em mídia e planejamento de marketing, critica o discurso utilizado pelo poder público ao querer exercer uma função educacional.

   
       
 

Eliane Volchan

A campanha anti-tabagista do Ministério da Saúde é uma das mais avançadas do mundo. O nosso objetivo é verificar quais fotos da campanha são as mais eficientes, quais podem ser descartadas, e que tipo de imagem pode ser adicionada. A meta é validar a eficiência da campanha através de metodologia já consolidada para estudos das reações emocionais humanas a estímulos visuais , respaldando a campanha anti-tabagista e ampliando o seu espectro de abrangência.
No projeto-piloto, apresentamos as 19 fotos da campanha sem os dizeres e símbolos, embaralhados com outras fotos de um catálogo padronizado por um grupo de pesquisadores norte-americanos, e mostramos a um grupo de universitários para fazer a classificação em escalas, que iam de positivas à negativas. As 19 fotos foram classificadas na faixa entre neutra e negativa. As fotos mais negativas foram grávidas fumando, bebê prematuro em uma encubadora e homem com pernas amputadas. As consideradas neutras foram adulto fumando ao lado de uma criança, homem parecendo estar sem fôlego e médicos com um doente. Nenhuma foi classificada como positiva.
O passo seguinte será testar as respostas corporais às fotos. Essas reações podem ser expressa de maneira indepen-dente da intenção consciente. As medidas incluirão reações do corpo como batimentos cardíacos, suor na palma das mãos e tensão na postura. A pergunta principal será: as fotos, ou parte delas, provocam reações de repulsa e esquiva a exemplo do que já foi demonstrado para outras ima-gens classificadas como desagra-dáveis? Fumantes reagem igual a não-fumantes? Esses são os próximos desafios para o projeto.
As fotos avaliadas como desa-gradáveis têm mostrado que é gerado uma predisposição a se reagir defensivamente, a se evitar a aproximação. E é exatamente esse o objetivo da foto no maço : causar repulsa e esquiva auxili-ando o fumante a abandonar o vício e o não-fumante a rejeitar o cigarro.

 

 
 
 

Sebastião Amoedo

O hábito tabagista talvez seja a mais estigmatizada das opções humanas, superando, por sua maior visibilidade, até mesmo as questões de sexua-lidade. Tendo como parceiros limítrofes o álcool e as drogas, ambos altamente glamouri-zados pela classe média mundial, o tabaco passou a ser uma espécie de transferência psicótica, exercendo função exorcizária dos males, ainda que representando apenas um deles, ou seja “não combato nem o álcool nem as drogas, mas censuro o cigarro”, decisão cômoda e cínica. De uma certa forma os poderes constituídos dão a sua contribuição para exacerbar tal aversão, exigindo a veiculação de imagens antitabagistas .
O cigarro é a resposta a um estímulo, um prazer, uma opção individual, que ninguém, nem mesmo aqueles mais próximos e mais amados, têm o poder de reverter. O cerne dessa questão pode ainda ser encontrada em nossos valores fundamentais, de direito individual de escolha, concebidos pela filosofia cristã medieval ao legar à comunidade humana o “livre arbítrio”. Ora o fumante exerce seu direito de opção, tão pétreo, quanto o direito de ir vir e seus correlatos constitucionais.
Sim eu também sei: e o direito de quem não quer fumar? Criamos tal questionamento uma vez que o cigarro, dentre os hábitos de risco citados – álcool e drogas – seja o mais invasivo, pela fumaça, ao acompanhante. O excesso de álcool pode, no máximo, manifestar-se pela halitose ou o mau comportamento e, o das drogas, pelo último. Mas geralmente esses dois apenas nocauteiam o usuário sem maiores conseqüências. Vai daí serem socialmente mais aceitos.
Se algum poder público quer de fato exercer uma função educacional, que tal mudar o discurso? Primeiramente respeitar quem deseja fumar. Em segundo lugar orientar a fazê-lo num comportamento politicamente correto.
Assim sendo que tal mudar as fotografias ridículas por algo mais produtivo do tipo:
Você tem o direito de fumar, mas não o de incomodar; só fume em lugares abertos; se fumar, não beije.
Por último, é sempre bom lembrar que, se o poder público concentrasse energia para combater o mercado paralelo de cigarros “piratas”, que chegam ao mercado sem qualquer controle de qualidade, obteria uma arrecadação tributária suficiente para alfabetizar mais de 13 milhões de pessoas, construir 33 mil creches ou 130 mil ambulatórios.
Fumar, portanto, é um direito inalienável, desde que não incomode ninguém.

 
 
 

 

 

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