As
aberrações do fundo do Rio Paraíba do Sul
As décadas de descaso das indústrias e do poder público
no Rio Paraíba do Sul estão duramente marcadas nos
peixes. Estudo realizado pelo ictiólogo Gustavo Nunan, do
Museu Nacional da UFRJ, a pedido da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), revelou anomalias monstruosas sobretudo em espécies
que vivem próximas aos sedimentos. É no fundo que
se fixam resíduos tóxicos como benzopireno e ascarel,
despejados nos rios durante anos pelas indústrias. A maior
vítima é o cascudo, espécie que apresentou
deformações graves em 35,6% das unidades coletadas
abaixo da CSN.
Entre as anomalias, observou-se problemas de má formação
— como inexistência ou deformação de nadadeiras,
barbilhões nos olhos e escamação anormal —
neoplasmas (tumores) e lesões cutâneas. O estudo de
Nunan não é o primeiro a identificar deformidades
nos peixes do Paraíba do Sul. Outras análises, realizadas
na década de 80 (a Feema fez a primeira de 1980 a 1983),
já haviam revelado graves problemas. Na ocasião, o
índice de cascudos com anomalias passava de 70%. Em relação
ao levantamento atual, houve uma redução de 50%, mas
o ictiólogo, em seu relatório, alerta que a redução
não significa melhora na qualidade das águas do Paraíba,
e sim uma equalização dos problemas, antes restritos
à área da CSN.
As deformidades, na literatura especializada, estão associadas
aos hidrocarbonetos aromáticos polinucleares, em especial
ao benzopireno, altamente cancerígeno, gerado nos processos
de produção de alumínio, aglomerados de carvão
e na limpeza de fornos e caldeiras — todas atividades executadas
pela CSN, em Volta Redonda. Nunan, no entanto, é cauteloso
ao apontar responsáveis pelo passivo ambiental de resíduos
tóxicos, fixados nos sedimentos do Paraíba do Sul.
Falta, para ele, um estudo aprofundado que identifique exatamente
as substâncias contaminantes dos peixes:
— Não existem trabalhos recentes sobre a contaminação
do pescado na região. Quem deveria gerar tais dados é
a Feema ou a Agência Nacional de Águas (ANA). Milhares
de substâncias podem contaminar o Paraíba, não
somente os efluentes industriais. O esgoto sanitário é
atualmente o principal problema do rio — diz o pesquisador.
Biólogo diz que não há risco em se comer esses
peixes
O próprio relatório, porém, menciona o impacto
ambiental no Rio Paraíba provocado por décadas pela
siderúrgica.
Segundo o ictiólogo, não há risco no consumo
do peixe contaminado pelos hidrocarbonetos aromáticos polinucleares
(HACs), já que não se concentram nos organismos.
— Os HACs são metabolizados pelo organismo. Não
havendo bioconcentração, não há problema.
Risco existe é para os peixes, que estão expostos
diretamente e já acusam sinais de alteração.
Os poluentes que bioconcentram são os metais pesados e as
substâncias orgânicas organocloradas que, pelo que eu
sei, não são problema grave no Médio Paraíba
— diz ele.
Segundo a Feema, o trecho do rio em que o sedimento está
mais contaminado por metal pesado é Volta Redonda. No entanto,
o engenheiro químico José Roberto de Souza Araújo
confirma que a contaminação humana ainda não
foi correlacionada ao consumo de peixes deformados na região.
Ele enumera outras substâncias capazes de provocar alterações
na ictiofauna:
— Há registros de antigos lançamentos de ascarel,
substância altamente tóxica. O esgoto também
pode provocar alterações. Ainda não podemos
associar as anomalias ao passivo da CSN, mas sabemos que por muitos
anos a siderúrgica foi principal poluidora do rio.
A Gerência de Relações Ambientais da CSN não
reconhece a existência de uma relação de causa
e efeito entre os peixes deformados e os resíduos da siderúrgica.
No entanto, o cumprimento do terceiro aditivo do Termo de Ajustamento
de Conduta (TAC), firmado entre a indústria, o estado e o
Ministério Público, é um sinal de que a empresa
aceita a responsabilidade. Segundo a CSN, foram investidos desde
a assinatura do contrato, em 2000, cerca de R$ 100 milhões
no tratamento de água e dos efluentes.
Contudo, para o deputado Carlos Minc (PT), presidente da Comissão
de Meio Ambiente da Alerj, a indústria assumiu a culpa justamente
após os estudos sobre peixes deformados:
— Houve responsabilidade objetiva. Nós brigamos décadas,
mas só reagiram após as análises. A CSN, antes
responsável por 80% do lixo industrial do rio, está
entrando nos padrões. É um exemplo para todas as indústrias
do Paraíba. Isso é um símbolo, mas vamos cobrar
o passivo.
O Globo,
Rio
Rio de Janeiro, 12 de abril, segunda-feira
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