De Olho na Mídia

Infiltrados investigam a paquera virtual e suas peculiaridades

 

Pedro Couto

 

Com a atenção voltada para a evolução das relações de comunicação na internet e a multiplicidade de sites de paquera, a professora e coordenadora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristiane Henriques Costa, desenvolveu o projeto P@r Perfeito – Exploração do universo virtual e das novas estratégias narrativas em mídias digitais.

Para realizar um levantamento abrangente deste universo, a pesquisadora infiltrou 25 alunos da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, estudantes da disciplina Jornal Laboratório, com perfis falsos entre os mais diversos sites de paquera. A ideia era fazer uma grande reportagem sobre a busca do amor no universo virtual. “Eu já tento implantar essa pesquisa há uns quatro semestres. As pessoas achavam legal, mas não se empolgavam. Quando ganhei uma bolsa da FAPERJ para desenvolver o projeto, eu sabia que não ia conseguir fazer isso sozinho. O processo tinha que ser colaborativo. Então, pensei: ‘O tema do Jornal Laboratório desse ano não vai ser democrático. Eu vou decidir e nós vamos entrar em sites de paquera’”, afirmou Cristiane. O projeto tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) por meio do programa de Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1).

A docente explicou que seu interesse sobre os assuntos do mundo virtual não é novo. “Eu tenho um pé na internet, no jornalismo de mídias digitais há algum tempo porque eu editei o Portal Literal (www.literal.com.br) junto à professora Heloísa Buarque de Hollanda. No Portal, eu já tinha a ideia que a gente não deveria ter um espaço online para uma literatura offline, e sim ficar atento ao que estava acontecendo na rede”, disse. Foi com essa ideia que a professora encarou o desafio de analisar de forma netnográfica mais de duas dezenas de sites de paquera, estudando o comportamento de indivíduos na web e estabelecendo uma inserção no ambiente pesquisado.   

“A pesquisa começou para a criação de um núcleo de cultura digital dentro do Projeto Alexandria (projeto da reitoria da UFRJ que visa estruturar o diálogo da universidade com a dinâmica atual dos conhecimentos). Durante esse tempo, descobri uma coisa muito interessante chamada Software Studies, que são estudos culturais do software. Conheci webnovelas, wikinovelas, milhares de categorias que eu como crítica literária nunca tinha visto antes. Existia uma cultura aparte a ser mapeada e um universo muito novo”, descreve Cristiane Costa.

 O projeto tem duas áreas distintas: uma parte direcionada para a teoria, com uma contextualização mais densa, enquanto a outra área engloba a produção de reportagens e a experiência prática, da qual os alunos da ECO/UFRJ colaboraram. A professora ressaltou o destaque que a pesquisa obteve em editais de cultura. “Com o projeto, nós ganhamos dois editais: um da Funarte para fazer um site chamado Zona Digital, que estará no ar até o final do mês; e o outro foi o Oi Cabeça, que busca trazer pesquisadores do mundo inteiro para falar sobre cultural digital no Brasil. A pesquisa rendeu muito”, orgulha-se.

Diversidade dos sites

Ao mergulhar no mundo da paquera virtual, Cristiane Costa se disse surpresa com a imensa variedade de sites voltados para o amor. “O que me surpreendeu foi que eu mesma não tinha noção de como tinha se segmentado esse universo. Eu sabia que tinha sites de evangélicos, sites de ménage, mas não sabia que existiam sites para gordo, deficientes físicos, gente bonita”, declarou. Entre os portais que mais chamaram a atenção da professora, estão “Amor em Cristo” (site evangélico), “We Waited” (site para virgens) e “Beautiful People” (site para pessoas bonitas).

Com o objetivo de divulgar o que cada aluno estava pesquisando e proporcionar um espaço para expor informações interessantes sobre os temas, Cristiane Costa criou o BlogP@rPerfeito (http://blogparperfeito.blogspot.com/). “No blog, os alunos podem colocar uma espécie de diário de campo, com suas impressões. É como se fosse um making of da reportagem. Isso é muito interessante e novo para o pessoal do Jornal Laboratório. É outro tipo de texto, ajuda a ‘soltar a mão’, a perceber o que é divertido e o que é importante na matéria”, explicou.

A pesquisa P@r Perfeito, projeto de pós-doutorado de Cristiane, estará em jornal, livro multimídia, blog e aplicativo gratuito para iPad, com financiamento da FAPERJ. A pesquisadora explicou a preferência pela nova plataforma de comunicação (tablet). “O universo dos sites de paquera já é todo virtual. Se o leitor pudesse acompanhar as histórias, os testes, as conversas, ele teria uma experiência de imersão muito maior. E isso é o que a mídia digital nos dá. Ela permite acompanhar o repórter, ver os pedacinhos da matéria. É uma experiência que vai ser muito inovadora”, comemora.

“O objetivo não é desmistificar os sites de paquera”

Sem o interesse de eliminar o estigma negativo dos portais de namoro virtual, Cristiane Costa diz que a ideia é apenas trazer ao público as particularidades de cada site analisado. “A gente não quer desmistificar os sites de paquera. Nós só queremos retratar o que acontece dentro deles. O que vai ocorrer é que pessoas que nunca entraram, por exemplo, num site de paquera gay ou evangélico, vão ter uma visão panorâmica desse ambiente”, prevê.

A professora esclarece que a maioria dos usuários é composta por pessoas mais maduras, que buscam uma experiência amorosa para além dos contatos mais próximos. “Com o tempo, especialmente no caso das pessoas mais velhas, você fica muito preso ao seu círculo de amizade, você acaba não conhecendo gente nova e não amplia suas chances. Nesse sentido, o site de paquera é melhor do que o método tradicional. Agora, na verdade, o funcionamento dos sites é parecido com uma festa. Você não conhece aquela pessoa, mas pode ser que seja interessante e que alguma coisa aconteça a partir dali”, observou.

Segundo Cristiane Costa, o projeto obteve uma repercussão nos meios de comunicação acima da expectativa. “Isso me surpreendeu bastante. Eu não fiz nenhum movimento até a imprensa, porque só me interessava fazer isso quando estivesse tudo pronto. Um repórter que cuida da newsletter da FAPERJ me procurou para uma entrevista. Fizeram um boletim online e mandaram para o Brasil inteiro. Teve gente do Estadão que me ligou, da Veja, da Globo. Foi uma loucura”, definiu.