Entrelinhas

Teoria do Conhecimento

 

Gisele Motta

Divulgação

 Alberto Oliva, professor associado do Departamento de Filosofia da UFRJ e coordenador do Centro de Epistemologia e História da Ciência, lançou este mês o livro “Teoria do Conhecimento” (Editora Zahar).

A Teoria do Conhecimento (ou Epistemologia) trata da busca constante da humanidade por informações e conhecimento.  A obra aborda o assunto com linguagem simples e didática, apresentando os diferentes tipos de saberes, a forma de estudá-los e suas aplicações no dia a dia.  O Olhar Virtual entrevistou Alberto Oliva para conhecer um pouco mais sobre o tema.

Olhar Virtual: Como o livro aborda a Teoria do Conhecimento?

Alberto Oliva: Não há conhecimento falso. Desse modo, a verdade precisa ser estabelecida para que se possa postular ter conhecimento sobre alguma coisa. Como se pode chegar a uma crença verdadeira por acaso, palpite, acidente etc. A verdade da crença é condição necessária, mas não suficiente, para se ter conhecimento. Daí a busca da justificação ser decisiva. No livro, resgato velhos debates - entre os que acreditam ser a verdade alcançável, os céticos e os relativistas - por estar convencido que continuam atuais e podem lançar luz sobre nossa época. Vivemos na sociedade da informação. Só que “informação” deve ser entendida em sentido lato. Abrange desde o registro precioso de um fato, de uma opinião, de uma posição até a notícia irrelevante e o juízo descartável.

Olhar Virtual: A ideia de que somos a sociedade do conhecimento é questionada em seu livro. Por quê?

Alberto Oliva: Com frequência, a sociedade atual tem sido caracterizada como a sociedade do conhecimento. Somos de opinião que tal qualificação é exagerada e até inapropriada. Por mais que nossas vidas sejam cada vez mais guiadas por técnicas, tecnologias e produtos resultantes de algum tipo de conhecimento, a maioria das mais aflitivas questões humanas não é enfrentada à luz de um corpo de conhecimentos obtido por meio de procedimentos metodologicamente confiáveis. No mundo atual, proliferam informações que, na maioria dos casos, não deságuam em qualquer modalidade de conhecimento. Difundem-se ideias sem lastro em qualquer estudo rigoroso. Opiniões são emitidas a torto e a direito sem qualquer preocupação com seu embasamento. As teorias que mais podem hoje postular a condição de conhecimento não chegam ao senso comum.

Tivesse a preocupação em distinguir visão embasada do que é mera opinião o ser humano seria tomado pela humildade socrática. Reconheceria que muito pouco, quase nada, sabe diante do tanto que desconhece. O problema é que a busca de conhecimento é atividade penosa e com resultados incertos. Daí ser mais confortável a multiplicação descontrolada de opiniões que não se submetem a crivos. O grave é que vão se acumulando sem que se procure sistematicamente separar o joio do trigo. 

Olhar Virtual: O livro questiona a crença transformada em conhecimento. Explique melhor essa contradição.

Alberto Oliva: Todo conhecimento é crença, mas nem toda crença pode aspirar a ser conhecimento. Daí ser fundamental contar com um critério que se mostre capaz de especificar as condições necessárias e suficientes para se caracterizar uma crença como conhecimento. O livro Teoria do Conhecimento almeja expor como tem sido o conhecimento tradicionalmente concebido e identificar as dificuldades para estabelecer a verdade de uma crença e para justificá-la

Na era da internet, as pessoas estão fascinadas pelo opinativismo. Qualquer coisa pode ser dita, especialmente se soar bem, se não ferir o padrão comum de pensar. Dada a avalancha de bobagens que circula nas novas mídias, nunca se acreditou em tanta coisa infundada como hoje. E o pior que, no lixo das crenças, muitas são endossadas como se fossem conhecimento

Olhar Virtual: Qual é o objetivo da Teoria do Conhecimento?

Alberto Oliva: Na história da filosofia ocidental, a obtenção do conhecimento costuma ser vinculada a alguma conquista espiritual ou material. Na bios theoretikos da cultura filosófica grega ou na vita contemplativa dos latinos, o conhecimento oferece a recompensa do entendimento do ser das coisas. Não há a preocupação ou interesse em modificar os fenômenos, e, sim, em desvendar porquês. As postulações de conhecimento sempre se fazem acompanhar de grandes promessas. A primeira e mais importante promessa do conhecimento racional é a de pôr fim a ilusões, a de corrigir os modos comuns de ver as coisas. A filosofia nasce com a proposta de substituir o registro imediato dos sentidos pelo conceito rigorosamente construído.

O conhecimento sempre se apresentou como contrariando o senso comum. Dizendo-se fruto da razão, o conhecimento sempre acalentou a pretensão de corrigir o senso comum ou até de se erigir em bases totalmente diferentes das do senso comum. O conhecimento filosófico se formou tentando mostrar que as aparências enganam, que os sentidos não são confiáveis, que a forma mítica de dar sentido à realidade não passa de uma pseudoexplicação. No Iluminismo moderno, houve intensificação da confiança na força libertadora do conhecimento; contudo, a filosofia, desde seus primórdios, ambiciona livrar o homem das ilusões e das superstições, das crenças infundadas, das atitudes e teorias irracionais.

Olhar Virtual: Qual a relação entre conhecimento e poder?

Alberto Oliva: Tendo o filósofo inglês Francis Bacon como pregoeiro, a era moderna passa a privilegiar a busca de um tipo de saber que gera uma forma de poder capaz de proporcionar ao homem crescente controle sobre a natureza. O poder intelectual deixa de se exercer apenas sobre as consciências, pela formação de mundividências e de ideologias político-sociais, para se estender ao domínio dos fenômenos naturais. Quando passa a ser encarada como habitada por forças cegas, a natureza começa a exigir um conhecimento capaz não só de explicar e predizer seus fenômenos, mas também de controlá-los.

À teoria deixa de incumbir apenas a tarefa de explicar os fenômenos. Cabe-lhe também domar as forças cegas da natureza. O conhecimento de domínio é o que controla aquilo que explica. E o controle deve ser colocado a serviço dos interesses e finalidades humanos. Estatui-se, assim, que é vão o esforço transformista que não está escorado em efetivo conhecimento. Com base na tese de Bacon de que o homem pode tanto quanto sabe, os limites do poder que se pode exercer sobre o mundo são definidos pelo grau de conhecimento que sobre ele se consegue alcançar. Não há como deter poder sobre o que se desconhece. Pode-se até acalentar o desejo de que a natureza tenha tal ou qual curso de manifestação alterado, mas será inútil se não se for capaz de identificar as causas que desencadeiam o que se gostaria de alterar. Daí a retórica baconiana apregoar que só se pode efetivamente domar a natureza obedecendo-a. De nada adianta ambicionar mudar o que se desconhece. Pode-se até proclamar como se desejaria que as coisas fossem, mas não se conseguiria fazer com que isso aconteça.