Ponto de Vista

A um passo da revolução

 

Paula Ferreira

 

No último dia 25, uma onda de protestos tomou conta do Egito. Inspirados pela recente Revolução de Jasmim, que depôs o então presidente da Tunísia, Zeni El Abidine Ben Ali, manifestantes saíram às ruas das principais cidades egípcias reivindicando a renúncia de Hosni Mubarak, que está no poder há 30 anos. Inflamados pela necessidade de reverter o quadro de baixa qualidade de vida da maioria da população, que convive com desemprego,  baixos salários, falta de moradia e  corrupção, os egípcios fizeram da Praça Tahir, no Cairo, o principal palco da mobilização.

Os protestos de cunho pacífico, reuniram, no dia 1° de fevereiro, cerca de 1 milhão de pessoas em todo país, sendo 200 mil na Praça Tahir. Não se via algo parecido no Egito desde 1977, quando a população realizou a chamada Revolta do Pão, desencadeada por um aumento exorbitante no preço de alimentos básicos, principalmente o pão, durante o governo de Anwar  Sadat.

Devido à grande magnitude, a mobilização já é chamada por muitos de Revolução de Lótus ou Revolução do Nilo, no entanto, questiona-se se o termo “revolução” seria o mais adequado à ocasião. Na opinião de Manuel Sanches, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, as manifestações caracterizam uma revolta e não uma revolução: “no momento, tudo indica que se trata de uma revolta.Toda revolução necessita de uma revolta, uma faísca, como dizia o Lênin. Mas nem toda faísca resulta em uma explosão”.

A truculência do governo

Termos à parte, o fato é que a sucessão de manifestações vem deixando preocupada a cúpula do poder de Mubarak. A polícia a serviço de Hosni combate com violência os manifestantes e o acesso ao Cairo e outras cidades onde foram convocadas passeatas foi fechado. Além disso, o governo paralisou o funcionamento das linhas de trem e suspendeu o serviço de internet local, deixando os egípcios sem acesso à rede. Tal medida foi tomada, visando a dificultar a organização de novos protestos.

Um dos pontos interessantes a respeito da chamada Revolução de Lótus é o papel crucial exercido pela internet. Os manifestantes promoveram reuniões através de redes sociais, principalmente através do Twitter e do Facebook, e, on-line, combinaram a realização de motins. Para driblar a medida arbitrária do governo, o Google e o Twitter, em parceria com a SayNow, desenvolveram um novo modelo de acesso ao site, através do celular, no qual mensagens de voz são convertidas em mensagens de texto e publicadas no perfil do usuário. “A grande questão hoje é saber até que ponto a incrível interatividade gerada pelas mídias sociais é capaz de gerar mudanças políticas. Tudo depende do uso que o poder pode fazer dos meios de comunicação”, destaca o professor Manuel Sanches.

Outro exemplo da truculência empregada pelo governo para combater a revolta é o tratamento dispensado aos jornalistas presentes no local. Diversos repórteres foram agredidos, como Anderson Cooper, âncora da CNN. Outros foram detidos ou tiveram seus quartos de hotéis invadidos pela polícia, como o enviado especial dobrasileiro O Estado de São Paulo.

Os repórteres Corban Costa, da Rádio Nacional, e Gilvan Rocha, da TV Brasil, foram levados a uma delegacia do Cairo, onde ficaram sem água desde a noite do dia 2 de fevereiro à manhã do dia 3. Os prisioneiros voltaram dia 4 de fevereiro para o Brasil.

Para o professor da UFRJ, tais medidas demonstram desespero dos partidários de Mubarak frente ao possível sucesso dos opositores: “os poderosos quase sempre conhecem seus inimigos. Eventualmente eles são surpreendidos, mas normalmente são capazes de perceber aquilo que os põe em xeque”.

Apoio Internacional

No entanto, o sucesso da “Revolução de Lótus” não depende somente da população. Os opositores de Mubarak, compostos por uma ampla diversidade de credos e tendo como principal nome o ex-diplomata Mohamed ElBaradei, tentam recrutar o apoio dos países  da União Européia e dos EUA

Entretanto, a comunidade internacional não demonstra postura contundente em relação aos conflitos no Egito. Barack Obama declarou que "corresponde ao povo egípcio decidir sobre a liderança" e chamou a atenção para a necessidade de uma transição pacífica.

A postura apática dos países ocidentais pode ser explicada pelo fato de o Egito ser um país de importância estratégica. Sendo o mais populoso dos países árabes, com 80 milhões de habitantes, é aliado fundamental do ocidente. Responsável por administrar o Canal de Suez, o país é essencial para o abastecimento de petróleo do ocidente e um entrave diplomático com a cúpula egípcia geraria um grave problema econômico.

“O Egito não é a Tunísia ou qualquer outro país pequeno da África, negra ou árabe. O Egito é um ponto estratégico internacional, e, por isso,   seu futuro não depende exclusivamente da angústia de seu povo, mas da angústia dos poderosos de outras nações. Os americanos, mas não apenas os americanos, também os russos, chineses, alemães e outros querem mudanças controladas. Ou permanência controlada. O que importa não são as mudanças ou a permanência, mas o controle, a previsibilidade das ações políticas e econômicas futuras”, afirmou Manuel Sanches.

O futuro

Visando a amenizar a situação, o presidente Hosni Mubarak nomeou, pela primeira vez em 30 anos, um vice-presidente para o Egito. O escolhido foi o chefe do Serviço Secreto Egípcio, Omar Suleiman. Em seguida, anunciou um novo gabinete e foram indicados novos ministros das finanças e do interior. O vice-presidente declarou, durante discurso, que a prioridade do novo governo é combater a pobreza, o desemprego e a corrupção.

No entanto, a oposição não ficou satisfeita com as concessões. A Irmandade Mulçumana, um dos grupos que compõe a oposição, assegurou que só irá negociar quando Hosni renunciar ao cargo de presidente. Para o professor do Ifcs ,futuramente, as concessões governamentais serão suficientes: “tudo indica, no momento atual, que o governo fará algumas concessões e que estas serão suficientes para abrandar a oposição. Mas é impossível fazer uma previsão segura. Há casos históricos em que pequenas concessões acabaram por derrubar aqueles que as fizeram. Assim foi na revolução russa e na ascenção do nazismo na Alemanha.”

Uma das peculiaridades da “Revolução de Lótus” é o fato de reunir em torno de um ideal pessoas com diferentes crenças. Durante os dias de protesto, foi possível observar muçulmanos e cristãos  unidos contra o governo de Mubarak, característica que despertou o interesse de especialistas. A partir disso, pode-se suscitar uma questão importante: caso o governo atual seja derrubado os mesmos continuarão juntos após a tomada de poder? Segundo Manuel Sanches, esse é um ponto fundamental a ser pensado: “é bom que cristãos e muçulmanos estejam juntos nos protestos contra um governo autoritário e nem um pouco democrático, mas isso nem tem maior importância. O importante será saber se os cristãos terão participação no próximo governo. Isto, sim, seria uma novidade positiva. Por outro lado, não vejo nenhum aspecto negativo nesta participação conjunta de cristãos e muçulmanos por um país mais democrático. Mas é interessante lembrar que o Xá Reza Pahlevi, do Irã, foi derrubado por uma revolta popular que resultou em regimes muito mais conservadores”.

Independente dos rumos que o Egito irá tomar, uma certeza paira sobre a comunidade internacional:  reflexos da revolução serão percebidos em todo o globo. “O principal reflexo será, sem dúvida, no mundo muçulmano. E eventualmente isso poderá diminuir o poder do fundamentalismo islâmico, caso as forças internacionais mantenham o poder e a oposição egípcia se contente com as pequenas mudanças. Se isso se concretizar, o comércio internacional e a comercialização do petróleo favorecerão todo o mundo, incluindo a China. E o Brasil se beneficiaria de maior comércio com um mundo árabe mais flexível”, ressalta  Sanches.

Com o saldo atual de cerca de 297 mortos em conflito, o Egito segue com suas manifestações contando com a neutralidade do Exército, que garante não lançar fogo contra a população e com as esperanças de um povo que clama por um regime mais democrático. “Não acredito que o Egito tenha as condições econômicas e sociais, quer dizer produção econômica e nível de renda, para se tornar um estado democrático pleno como são as democracias europeias ou americana. Mas é bem mais provável que o Egito caminhe em direção a uma maior abertura política do que a um estado fundamentalista como foi o caso do Irã. Os organismos internacionais, mais especificamente os organismos financeiros como o Banco Mundial, o FMI, a Organização Mundial do Comércio, vão estar atentos para favorecer um caminho mais democrático”, assegura o professor Sanches.

Anteriores