Entrelinhas

De cinéfilo e louco todo mundo tem um pouco

 

Aline Durães

Um estranho do ninho, Meu nome não é Johnny, Uma mente brilhante, Clube da Luta. Esses são alguns dos mais de 180 filmes analisados por Elie Cheniaux, professor do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ, e J.Landeira-Fernandez, docente da PUC-RJ, no livro Cinema e Loucura: Conhecendo os transtornos mentais através dos filmes, lançado no último dia 2 de junho, pela editora Artmed.

Em 287 páginas, os pesquisadores esmiúçam, com sobriedade, os transtornos mentais cognitivos, psicóticos, dissociativos e sexuais que já serviram como pano de fundo para obras do cinema. A abordagem cinematográfica da dependência ao álcool e a outras drogas também foi objeto de pesquisa no livro. A intenção é permitir ao leitor compreender como funcionam os desvios mentais que causam sofrimento a tantas pessoas no mundo.

Em entrevista ao Olhar Virtual, Elie Cheniaux destacou que, enquanto alguns filmes retratam com propriedade o cotidiano do doente mental, outros não possuem qualquer respaldo na realidade. Confira!

 

Olhar Virtual: Como surgiu a ideia do livro?

Elie Cheniaux: A ideia foi do outro autor, o professor Landeira. Ele ministra uma disciplina eletiva no curso de Graduação em Psicologia da PUC-RJ chamada "Psicopatologia e cinema" e sentiu a necessidade de ter um livro-texto para ela. Ele, embora seja psicólogo, é neurocientista e não clinica. Assim, como sou psiquiatra, com larga experiência clínica e com um livro publicado sobre Psicopatologia, além de ser um bom cinéfilo, ele propôs a tarefa de escrevermos o livro.
  
Olhar Virtual: Quantos filmes e transtornos são analisados no livro? Quais os principais?

Elie Cheniaux: Foram 184 filmes. A lista de transtornos mentais compreende praticamente toda a classificação psiquiátrica atual. Não sei exatamente quantos são; algumas dezenas, pelo menos. Alguns transtornos foram ilustrados com mais filmes que outros, mas isso não se deveu ao nível de importância dos problemas mentais.

Olhar Virtual: As obras cinematográficas analisadas abordam com propriedade os transtornos mentais? Há alguma que reforce clichês ou deturpe as doenças?

Elie Cheniaux: Esse aspecto foi muito variável. Alguns filmes retratam muito bem o transtorno mental e outros não. Por exemplo, o filme Farrapo humano (1945), do diretor Billy Wilder, que deu o Oscar de melhor ator para o Ray Milland, retrata muito bem o alcoolismo, apresentando, inclusive, uma cena com um quadro de delirium tremens, que representa uma grave síndrome de abstinência ao álcool. Um exemplo de grosseira distorção de como é de fato um transtorno mental é o filme Como se fosse a primeira vez (2004), com Adam Sandler e Drew Barrymore. A personagem dela no filme, depois de sofrer um traumatismo craniano num acidente de carro, perde a memória sobre o que acontece a cada dia quando vai dormir. No entanto, nos pacientes reais que sofrem de um transtorno amnéstico, a perda da memória se dá de forma contínua, durante o dia inteiro, minutos após o registro de uma informação nova.

Deformações frequentes nos filmes foram retratar sintomas psicóticos (delírios e alucinações) como se fossem parecidos com sonhos, o que não são, e mostrar o doente mental como se fosse uma criança, o que pode ocorrer, mas está longe de ser a regra. Obviamente, a indústria cinematográfica se interessa muito mais pelos aspectos artísticos e financeiros dos filmes do que pelos aspectos informativos. "Se a lenda é melhor do que o fato, publique a lenda".

Olhar Virtual: Em entrevista ao site "Mirando no Cinema", o senhor afirmou que o filme Amnésia, de 2001, dirigido por Christopher Nolan, foi o mais trabalhoso de ser analisado. Por quê?

Elie Cheniaux: Porque, durante o filme inteiro, o problema de memória do personagem principal é mostrado como um elemento fundamental na trama, e as consequências desse problema são exibidas continuamente. Isso fez com que houvesse muitos pequenos detalhes para serem analisados. Além disso, o roteiro é bastante peculiar, e a história é contada de trás para a frente.

Olhar Virtual: Qual a importância de o cinema abordar os transtornos mentais? Isso ajuda no processo de inserção social dos doentes?

Elie Cheniaux: Não, não acredito que a abordagem dos transtornos mentais pelo cinema ajude na inserção social dos doentes. O cinema se vale dos transtornos mentais porque eles despertam muito a curiosidade do espectador. Os personagens com doença mental podem ser muito engraçados ou, alternativamente, assustadores. Eles tornam os filmes mais interessantes. Além disso, como os filmes frequentemente retratam de forma distorcida o adoecimento mental, eles informam mal a sociedade.

Olhar Virtual: O que, em sua opinião, o livro ensina ao leitor?

Elie Cheniaux: Ele dá informações básicas, inclusive para o leitor leigo, sobre como são os transtornos mentais. Além disso, apresenta um panorama de como o cinema vem abordando a questão do adoecimento mental. Ele também foi criado para servir como uma ferramenta de ensino para professores na universidade, pois, devido ao seu caráter lúdico, o cinema atrai muito a atenção do aluno e torna o aprendizado mais agradável.

Preço médio: R$ 67,00
Editora: Artmed
Edição: 1ª edição
Número de páginas: 287