Ponto de Vista

Biodiversidade e economia, a nova equação

Ana Carolina Correia

Com a divulgação do Terceiro Panorama Global de Biodiversidade (Global Biodiversity Outlook ou GBO-3, na sigla em inglês), no último dia 10 de maio, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou sobre modificações irreversíveis dos ecossistemas e o impacto delas na economia mundial.

Segundo a ONU, a morte generalizadas de corais, a proliferação de algas em rios e o esgotamento e desaparecimento das florestas são sinais de perda de biodiversidade. Estima-se que apenas com a perda de florestas o déficit seja de 2 a 5 trilhões de dólares por ano.

O mais recente exemplo das catástrofes ambientais ― e talvez o maior da história― é o derramamento de petróleo no Golfo do México, ocorrido após a explosão da plataforma Deepwater Horizon. Segundo estimativa de cientistas da universidade da Georgia, mais de 13 milhões de litros de óleo cru são despejados no mar diariamente.
 
Para discutir essa questão o Olhar Virtual entrevistou a professora do Instituto de Economia (IE-UFRJ) Dalia Maimon.

Olhar Virtual – Qual a importância do Terceiro Panorama Global da Biodiversidade para o cenário econômico e ambiental mundial?

Daliai Maimon – Para entendermos essa resolução precisamos relembrar as anteriores. Acordada, em 1992, na Conferencia do Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, a Convenção sobre Diversidade Biológica é um tratado internacional que visa a assegurar a conservação e utilização sustentável da biodiversidade e a partilha equitativa dos benefícios decorrentes da utilização de recursos genéticos. Essa convenção conta com a participação quase universal dos países e busca a preservação da biodiversidade e participação relevante de todos os setores da sociedade. O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, um tratado complementar da convenção, visa a proteger a diversidade biológica contra os riscos potenciais associados aos organismos vivos modificados produzidos pela biotecnologia moderna. Até a data, 157 países e a União Europeia já se tornaram partes do Protocolo. O Terceiro Panorama Global de Biodiversidade da ONU, o GBO-3, conclui que a meta fixada pelos governos mundiais em 2002, na Conferência de Meio Ambiente em Johanesbourg, não foi atingida (o objetivo era reduzir até 2010 a taxa de perda de biodiversidade mundial, regional e nacional). Assim, não se pode afirmar categoricamente que foi atingido em nível mundial algum dos 21 objetivos secundários que acompanham a meta global da biodiversidade fixada. As cinco principais pressões que causam diretamente a perda de biodiversidade ou se mantém constantes ou crescem. O mais grave é que as espécies avaliadas para determinar o risco de extinção estão de modo geral se aproximando da extinção.

Olhar VirtualQuais são as perspectivas a partir do Panorama?

Dalia Maimon - O Panorama aponta para uma série de elementos que constituem uma estratégia destinada a reduzir a perda de biodiversidade e a evitar os impactos mais graves. Esse plano estratégico está sendo avaliado tendo em vista a próxima década da Convenção sobre Diversidade Biológica e deverá ser acordado na 10ª reunião da Conferência das Partes na Convenção em Nagoya, no Japão, em outubro. O Plano traça metas e instrumentos para alcançá-las. Entre os objetivos destacam-se: continuar a intensificar a intervenção direta para reduzir a perda de biodiversidade, às espécies e habitats vulneráveis. Enquanto utilizar incentivos de mercado e supressão de subsídios perversos, a fim de minimizar a utilização insustentável de recursos e o consumo inútil estão entre os instrumentos. A ONU declarou 2010 o Ano Internacional da Biodiversidade, a fim de sensibilizar as pessoas para a importância crucial da biodiversidade. Serão organizadas iniciativas ao longo do ano para difundir informação, promover a proteção da biodiversidade e incentivar os países, as organizações e os indivíduos a empreenderem ações diretas destinadas a reduzir a perda de biodiversidade.

Olhar VirtualQue espécies e ecossistemas serão mais prejudicados?

Dalia Maimon - O risco é maior no caso dos anfíbios e algumas espécies de corais que se deterioram rapidamente. Entre vertebrados diminuiu quase um terço, em média, as populações avaliadas entre 1970 e 2006, e continua a diminuir no mundo inteiro, registrando quedas acentuadas nos trópicos e entre as espécies de água doce. Igualmente, os habitats naturais continuam se deteriorando em termos de extensão e integridade, como as zonas úmidas de água doce, os habitats de gelo marinho, os pântanos de água salgada, os recifes de coral, os prados marinhos e os recifes de moluscos, embora se tenham registrado progressos significativos no abrandamento da taxa de perda de florestas tropicais em algumas regiões. A diversidade genética das culturas e dos animais de pecuária nos sistemas agrícolas continua diminuindo. Há informação de que, desde 2000, se extinguiram 60 raças de animais de pecuária. Entretanto, como indicador positivo, vale salientar que houve um aumento significativo das zonas protegidas, tanto em terra como nas águas costeiras. No entanto, 44% das ecorregiões terrestres (zonas com uma grande proporção de espécies e tipos de habitats partilhados) e 82% das ecorregiões marinhas situam-se abaixo do objetivo de proteção de 10%. A maioria dos locais considerados de importância especial para a biodiversidade também se encontra fora das zonas protegidas.

Olhar Virtual - Como economista qual a sua visão sobre as questões ambientais?

Dalia Maimon - Com efeito, para a economia tradicional, o meio ambiente, os produtos e serviços ambientais são objetos da economia se tiverem preço ou custo econômicos. Isso porque da infinidade de produtos da biosfera, os que são transacionados no mercado fazem parte do estudo da economia. Assim, mesmo o ar necessário para a sobrevivência do homem e das demais espécies é considerado um bem livre, isto é, um bem gratuito. A poluição do ar passa a ser importante para o economista, seus impactos sobre a saúde são significativos e representam custo econômico.

Olhar Virtual – Como conciliar economia e consciência ambiental para alcançar o tão falado desenvolvimento sustentável?

Dalia Maimon - O MBE de Economia e Gestão da Sustentabilidade do Instituto de Economia da UFRJ discute e dissemina objetivos e ações empresariais que visam a promover o Desenvolvimento Sustentável.  Ecoeficiência, Mudanças Climáticas, Gestão Sustentável e Treinamento em GRI são algumas das disciplinas da pós-graduação. Formamos líderes sustentáveis que vão implementar no cotidiano novos paradigmas da sustentabilidade. A partir dos anos 1970, a atenção dada à problemática ambiental levou a uma ampla reconceitualização do desenvolvimento em termos de eco-desenvolvimento, posteriormente rebatizado como desenvolvimento sustentável, pelo Relatório Bruntland, Nosso Futuro Comum (1987). O conceito de desenvolvimento sustentável aponta para a possibilidade do fim do conflito entre desenvolvimento a qualquer custo e proteção e conservação a qualquer preço. A busca do tripé, crescimento econômico, harmonia ambiental e justiça  social passam a ser objetivos dos governos e das empresas. O desenvolvimento sustentável baseia-se no duplo imperativo ético da solidariedade para com as gerações presentes e futuras e exige a explicitação de critérios de sustentabilidade social, sustentabilidade ambiental e viabilidade econômica.

Olhar Virtual – A humanidade está mais consciente?

Dalia Maimon - A conscientização da questão ambiental e receio de novas barreiras ecológicas no comércio internacional incentivaram as empresas a adotarem a sustentabilidade. A partir de 2001, o Índice Dow Jones de Sustentabilidade seleciona as 10 empresas mais sustentáveis por setor de atividade. As empresas que trabalham no novo paradigma de Triple Botton Line ou People, Planet, Profit (do inglês, pessoas planeta e lucro, são os resultados de uma empresa medidos em termos sociais, ambientais e econômicos) são reconhecidas, pois suas ações se valorizam mais que as do Índice Dow Jones tradicional. É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.Apesar da mudança do discurso e de algumas ações efetivas, o GBO3 e a recente Conferência de Copenhagen de Mudanças Climáticas comprovam que, em termos de ações, a sociedade mundial ainda privilegia o econômico, sobretudo quando de uma crise econômica da envergadura da crise de 2009.

Olhar Virtual – Qual impacto do vazamento de petróleo no Golfo do México e quais suas perspectivas econômicas?

Dalia Maimon - O impacto político do derramamento do Golfo do México indica que um acidente ecológico tem repercussão que vai além das indenizações, afetando a imagem das empresas envolvidas direta e indiretamente. Nos EUA pretende-se alterar a legislação e as multas relativas aos desastres ecológicos do setor de petróleo. Houve inclusive, uma decisão de interromper a exploração desta plataforma pela British Petroleum. Tal como no acidente de Bopal, em 1984, pela United Carbide que afetou a lucratividade do setor petroquímico como um todo, o setor de energia como um todo foi atingido com queda das ações das empresas que operam offshore.

Olhar Virtual – Em sua opinião, o Brasil estaria bem preparado para reverter um acidente semelhante?

Dalia Maimon - O Brasil está relativamente bem posicionado, pois a Petrobras é uma empresa líder na tecnologia de exploração offshore, mas medidas adicionais de segurança e de análise de risco merecem ser introduzidas principalmente no Estado do Rio de Janeiro, onde se concentram os projetos offshore .