Olho no Olho

Falkland ou Malvinas?

Aline Durães e Diogo Cunha

Ilustração: Caio Monteiro

O recente anúncio de que a companhia britânica Desire Petroleum iniciou a prospecção de petróleo nas proximidades do arquipélago das Malvinas reavivou um histórico conflito internacional nunca sanado. Localizado no Atlântico Sul, a 480km da costa argentina, o conjunto de ilhas foi palco, em 1982, de um conflito armado entre Inglaterra e Argentina por sua posse. Na ocasião, a fragilidade das forças armadas platinas, levadas à guerra pelo governo ditatorial do general Galtieri, resultou num massacre britânico, que culminou com a morte de mais de 600 soldados argentinos e com a confirmação da ocupação britânica nas ilhas. A vexatória derrota contribuiu também para enfraquecer ainda mais a ditadura argentina, encerrada em 1983.

Recentemente, o governo da presidenta Cristina Kirchner reagiu à pretensão inglesa de tirar proveito econômico da posse das Falkland, como são chamadas pelos britânicos. Em decreto, a presidenta exigiu prévia autorização para qualquer embarcação circular na rota Argentina-Malvinas. Kirchner demonstrou também que pretende discutir os direitos sobre a posse das Malvinas nas Organizações das Nações Unidas (Onu). A intenção ganhou o respaldo de importantes lideranças políticas latino-americanas, como o presidente Luís Inácio Lula da Silva, que afirmou ser inadmissível a Inglaterra manter direitos sobre o arquipélago em pleno século XXI. Por outro lado, o país europeu se vale do argumento da autodeterminação dos povos para não admitir as reivindicações argentinas. A população das Falkland, em sua maioria descendente de ingleses, já manifestou a intenção de se manter parte da coroa britânica, alegando ainda que se consideram independentes por possuírem Assembléia Legislativa e Conselho Executivo. O imbróglio já rendeu inclusive um editorial do jornal estadunidense Washington Post, que repudia a intenção do governo argentino, denominando a inicativa de “nacionalismo sem sentido”.

Francisca Nogueira de Azevedo
Professora do Programa de Estudos Americanos (PEA) do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ

“As ilhas foram ocupadas à força, no âmbito da política colonialista inglesa, que hoje não faz mais sentido.”

“O argumento de autodeterminação dos povos é uma estratégia da Inglaterra para manter o arquipélago sob  seu controle. A ocupação das Malvinas tem que ser discutida no âmbito da expansão colonialista inglesa no século XIX. Em 1833, a Inglaterra se apossou das ilhas, numa época em que o Estado argentino se apresentava muito enfraquecido em virtude das lutas caudilhescas e extremamente dependente do capital inglês. Por isso, na época, o país não teve condições de impedir a ocupação inglesa. No entanto, diferentes governos argentinos jamais deixaram de reclamar a soberania sobre as ilhas.

A reivindicação argentina não pode ser considerada um mero ato de nacionalismo. Ela é respaldada pelo direito internacional. As Malvinas ficam em mar territorial argentino e foram ocupadas à força, no âmbito da política colonialista inglesa, que hoje não faz mais sentido.

Isso posto, acredito que a Inglaterra vai jogar duro com a Argentina, batendo na tecla do direito de soberania dos povos, principalmente devido à política do Partido Conservador, que está no poder da Inglaterra, e certamente não terá boa vontade com a causa argentina.

A situação de conflito está declarada há mais de um século. O fato de levar a questão à Onu é a tentativa de dar uma saída pacífica à questão. Temos que acreditar que a força de um bloco latino-americano em favor da Argentina na ONU seja capaz de neutralizar os argumentos dos ingleses e de seus aliados.

Não acredito que países da Comunidade Europeia, muito menos os EUA, se posicionem ao lado da Argentina. É importante lembrar que durante a guerra das Malvinas, a Grã-Bretanha obteve o apoio da União Europeia, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e até da Onu. Na verdade, os Estados Unidos sempre estiveram muito mais próximos da Otan do que do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), que previa a ação dos estados americanos em caso de invasão estrangeira.

O trágico na história da reivindicação argentina da posse das Malvinas é que a mais séria investida argentina para a recuperação do arquipélago tenha partido de um governo militar corrupto e desgastado que pretendia usar a vitória como forma de recuperação de certa popularidade.”

Antônio Celso Pereira
Professor de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

“No início da década de 1980, o modelo da Ditadura (argentina) estava começando a ruir. Os militares então se valeram de um velho expediente: apelar para uma questão externa para obter apoio interno.”

“O imbróglio político-jurídico que envolve a região das Malvinas poderia ser resolvido com negociações entre Reino Unido e Argentina. Mas o fato é que as conversas falharam, em grande parte, por culpa do governo militar argentino. No início da década de 1980, o modelo da Ditadura estava começando a ruir. Os militares então se valeram de um velho expediente: apelar para uma questão externa para obter apoio interno. Eles incitaram o sentimento nacionalista dos argentinos e fizeram a guerra. Mas não tinham qualquer condição de vencer o conflito.

Não havia forma de os Estados Unidos apoiarem a Argentina naquele momento, por exemplo, porque a Inglaterra era um aliado importante na política externa norte-americana durante o período da Guerra Fria. O apoio que os argentinos receberam foi mais da ordem moral. O conflito matou desnecessariamente milhares de jovens, de ambas as nacionalidades, e acabou por contribuir para acelerar a queda do regime militar. Em contrapartida, ajudou a unir a Inglaterra em torno de Margaret Thatcher.

Mas é evidente e irrefutável que a Argentina tem direitos históricos sobre a região das Malvinas, como sucessora da Espanha. Quando se tornou independente, o país recebeu a soberania sobre aquelas ilhas. Todos os documentos internacionais afirmam isso. Mas a Onu só pode agir a partir do momento em que o problema é levado oficialmente até ela. Em 1982, quando deflagrou guerra ao Reino Unido, a Argentina executou uma ação sem autorização das Nações Unidas. Ela não poderia sequer alegar que estava agindo em legítima defesa, porque os britânicos ocupavam o território há anos. A situação exigia negociações.

E exige até hoje. A Inglaterra está pesquisando petróleo na área enquanto a Argentina protesta seus direitos históricos ali. A saída seria partilhar os recursos, mas isso está fora de cogitação para o Reino Unido. Ainda assim, a negociação diplomática tem que ser pensada, pois a guerra já se mostrou ineficaz.”

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