De Olho na Mídia

Censura em favor do censurado

Luciana Cortes

Ilustração: Caio Monteiro

Recentemente, a cervejaria Schincariol, dona da marca Devassa, retirou do ar uma peça publicitária em que a socialite norte-americana Paris Hilton exibia-se em trajes diminutos, seduzindo um homem, tendo à mão uma lata de cerveja. Dias depois do início da veiculação, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) pediu a retirada da propaganda, alegando excesso de apelo sexual.

Contra a empresa foram abertos três processos: primeiro pelo próprio Conar; o segundo pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Ministério Público, que se manifestou contra a campanha publicitária da marca, alegando haver conteúdo sexista e desrespeitoso; e o terceiro por consumidores que julgaram o conteúdo do comercial desrespeitoso e apelativo. Assim que foi comunicada sobre a decisão do Conar, a Schincariol retirou o comercial de circulação em rede nacional e substituiu por outro, no qual a pin-up, símbolo da marca, estampada no rótulo da garrafa aparece com uma tarja preta.

As ações contra a campanha da Devassa foram movidas por considerar que o conteúdo apresentava apelo sexual muito forte. No entanto, em muitos dos comerciais de cerveja, há mulheres de biquíni ou com roupas insinuantes. Segundo o professor Eduardo Refkalefsky, da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, não há como saber exatamente quais foram os critérios utilizados pelo Conar para julgar o comercial, pois se trata de juízo de valores sendo, portanto, bastante subjetivo. “É muito pior associar cerveja a esporte do que a sexo, pois os eventos esportivos atingem público infantil”, opina o docente.

Refkalefsky explica que para acontecer o julgamento de uma propaganda é necessário que um grupo de pessoas, ou mesmo uma única pessoa, entre com uma ação, fazendo uma denúncia. De acordo com o professor, qualquer consumidor pode acionar o Conar, que, por sua vez, pode julgar favoravelmente, independente do número de pessoas que movam a ação ou a quem o processo atinge.

Diversas empresas anunciantes, agências publicitárias e veículos de comunicação estão associados ao Conar. A Schincariol, assim como a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) fazem parte desse grande corpo de associados da organização. Refkalefsky, no entanto, acredita que não houve nenhum tipo de pressão da concorrente, em primeiro lugar, porque a estrutura do Conar é imparcial e depois, esse fato abriu precedente para que o mesmo ocorra futuramante com ela também. “Além disso”, acrescenta, “era previsível que a retirada de veiculação geraria mídia espontânea para a Devassa”, conclui.

Como resultado da polêmica, a popularidade da cerveja aumentou e as vendas cresceram, de acordo com a própria empresa, apesar de não divulgar números. Nas redes sociais e na Internet, a notícia ganhou destaque durante vários dias e repercutiu internacionalmente, chegando a ser publicada no jornal americano The New York Times e em veículos especializados em propaganda dos EUA.