Entrelinhas

Geometria reeditada

Thor Weglinski


Foi lançada no último dia 12, na Fundação Biblioteca Nacional, a reedição do livro Elementos de Geometria, de Adrien-Marie Legendre. Matemático de grande relevância para a área, o francês teve sua obra atualizada por Luiz Carlos Guimarães, professor do Instituto de Matemática (IM/UFRJ).

A obra, publicada pela primeira vez em 1794, foi traduzida para o português em 1809 e busca oferecer uma exposição da Geometria, além de focar temas não satisfatoriamente resolvidos, como a simetria de sólidos. Elementos de Geometria fez parte de uma série de livros científicos que chegaram ao Brasil junto com a Família Real. O grupo História da Matemática, do IM, pretende futuramente recuperar outras dessas publicações do século XIX de grande influência na educação brasileira.

Olhar Virtual: Qual a importância do pensamento de Legendre?

Luiz Carlos: Legendre foi um dos maiores matemáticos de todos os tempos. Contribuiu positivamente em várias áreas da Matemática. Foi professor de Geometria e, por conta disso, se interessou em refazer a fundamentação da Geometria euclidiana, base da Geometria escolar naquela época. Legendre introduziu a ideia de simetria na Matemática. Foi pioneiro no trabalho de temas que são desenvolvidos até hoje, como, por exemplo, equações derivadas parciais.

Olhar Virtual: Do ponto de vista histórico, qual a importância em reeditar esta publicação?

Luiz Carlos: A reedição é importante por ser a primeira no Brasil de obras acadêmicas do fim do século XVIII e início do século XIX, traduzidas para português após a chegada da corte. Estas publicações conseguiram estabelecer uma cultura acadêmica em terras brasileiras. Além disso, o livro aborda conteúdos que professores de hoje não conhecem. Legendre demonstra que л (letra grega pi) é irracional. Hoje, os livros afirmam que л é irracional, mas ninguém explica por quê. O autor também examina a área e volume de cilindros e esferas. Legendre pressupõe ideias não utilizadas hoje, como afirmar que o círculo tem comprimento. Hoje, a partir de um processo de aproximação, você chega a um número que batiza como comprimento de círculo.

Olhar Virtual: Qual foi a principal influência da primeira edição para a Escola de Engenharia do Brasil à época?

Luiz Carlos: Na época, a Escola de Engenharia estava inserida na Academia Militar, que em seguida se tornou Academia Imperial, que se desdobrou em duas: Escola Politécnica e Instituto Militar de Engenharia (IME). O livro foi usado como texto na Escola Politécnica, os alunos estudavam a publicação para a matéria Geometria, no primeiro ano do curso superior de Matemática.

Olhar Virtual: O que foi atualizado ou modificado nesta reedição?

Luiz Carlos: Incluí o prefácio da primeira edição, além de itens que Legendre acrescentou em edições seguintes. A nova tem um apêndice do professor alemão Gert Schubiring, atualmente na UFRJ, antes da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, que fala da influência do livro em diversos países. Adaptei os textos para a linguagem moderna, mas mantive certas construções do português da época, como, por exemplo, “mister demonstrar”, que significa “importante demonstrar”. Algumas abreviações feitas na primeira edição foram mantidas: cot, que significa cotangente, e hoje muitos livros usam como cotg. 

Olhar Virtual: Este livro destina-se aos estudantes de Matemática ou também a outras áreas do conhecimento?

Luiz Carlos: Além dos estudantes de Matemática, a publicação pode ser útil para os que se interessam pela história da ciência, pois o livro demonstra como era estudada a Geometria na época. A leitura auxilia no raciocínio geral, como fazia Abraham Lincoln (ex-presidente dos Estados Unidos), que lia Geometria para educar o raciocínio e usava algumas formas de raciocínio em seus debates. Até cem anos atrás, era necessário fazer uma prova de Geometria para entrar na Faculdade de Direito.

Olhar Virtual: Com o incremento tecnológico, qual a aplicação dos conceitos contidos no livro nos dias atuais?

Luiz Carlos: A Matemática cresce ao longo do tempo, mas não deixa de ser o que é. A fundamentação matemática que está no livro serve de base para muitos processos posteriores, e esses processos estão na base dos desenvolvimentos tecnológicos dos dias atuais. Por isso, o livro pode ser proveitoso ainda hoje.