Olho no Olho

Battisti entre o Executivo e o Judiciário

Aline Durães e Thor Weglinski


Na última quarta-feira, dia 18, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a extradição do escritor e ex-ativista político Cesare Battisti. Ex-integrante do grupo "Proletários Armados pelo Comunismo", na Itália da década de 1970, Battisti foi condenado à prisão perpétua pelo governo italiano em virtude do envolvimento em quatro assassinatos. Em 2007, foi preso no Rio de Janeiro e, no início deste ano, teve o refúgio político concedido pelo ministro da Justiça, Tarso Genro.

Ao tratar Battisti como refugiado, o governo brasileiro reconheceu oficialmente a perseguição política sofrida por ele na Itália. Além disso, transformou sua extradição em ato inconstitucional, já que, segundo o inciso LII do art. 5º da Constituição Federal, “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”.

Pressões do governo italiano, porém, levaram o Supremo a analisar o caso, mesmo após a decisão governamental. Os ministros do STF, ao contrário do Executivo, em sua maioria, não encaram os supostos delitos de Battisti como crimes políticos e defendem também que, ao ser extraditado, o ativista não seria alvo de perseguição na Itália.

Embora tenha deliberado, por 5 votos a 4, pela extradição, o Supremo Tribunal Federal determinou que a palavra final ficará a cargo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula, por sua vez, já informou que só decidirá depois de ter acesso ao acórdão do STF.

Denise de Souza Soares
Doutora em Direito Internacional e professora da Faculdade de Direito da UFRJ

“O presidente Lula não precisa de qualquer justificativa para manter Battisti no país. Ele está garantido pelo arcabouço jurídico brasileiro.”

“Battisti era considerado um terrorista na Itália. Essa definição de terrorista é uma conveniência do Estado. Ele chama assim quem ele bem entender. Você pode cometer uma chacina, matar 20 pessoas e não sofrer a mesma punição de alguém que assassinou uma pessoa e foi considerada terrorista. No caso de Battisti, há mais fatores envolvidos para além do aspecto penal. O terrorismo é essencialmente político e a legislação brasileira é clara quando determina que não pode ser extraditado aquele que for acusado de crime político. Por isso, minha opinião pessoal é a de que Cesare Battisti não deve ser extraditado.

O ativista foi julgado e condenado na Itália, enquanto estava em refúgio político na França. Embora o julgamento de um terrorista seja distinto do de um preso comum, eu não o considero válido. Para se ter noção, os antigos terroristas das Brigadas Vermelhas, na Itália, eram julgados dentro de jaulas. O julgamento de um terrorista não obedecia às regras do processo penal do preso comum nem às regras dos Direitos Humanos. Ele não possuía o direito à ampla defesa ou contato com os advogados — em alguns casos, as conversas com advogados eram, até mesmo, gravadas.

Até há algumas décadas, ser intitulado terrorista, nos meios de combate, era uma qualidade, as pessoas se orgulhavam disso. Agora, no nosso Estado, é que essa nomenclatura se constitui em uma pecha na vida de qualquer um. A retomada pelo governo da Itália, de extrema direita, da perseguição implacável a acusados de terrorismo é uma vingança e, ao mesmo tempo, uma colaboração com os Estados Unidos, é uma forma de agradar, principalmente após os eventos de setembro de 2001.

Ao decidir pela extradição de Cesare Battisti, no entanto, o Supremo Tribunal Federal atropelou o processo. Já havia sido concedido o status de refugiado ao ex-ativista e, a ele não cabe qualquer pedido de extradição. Sendo assim, o presidente Lula não precisa de qualquer justificativa ou alternativa jurídica para manter o italiano no país. Ele está garantido pelo arcabouço jurídico brasileiro. Foi o STF que entrou em confronto com o Executivo ao julgar o pedido de extradição. Isso não deveria ter sido feito. Esse julgamento fugiu de todas as regras. Atos como esse, de passar ao Executivo a decisão, é demonstrar uma extrema fragilidade, mostra basicamente que ‘eu decido, mas não mando’.

De qualquer forma, esse episódio não afeta, em hipótese nenhuma, as relações, acordos e tratados entre Brasil e Itália. É um incidente de pouca importância para abalar as relações bilaterais entre os dois países; afinal, o Estado possui interesses que vão além de meros interesses individuais. Aliás, em termos de agenda brasileira, esse caso poderia passar despercebido. Refúgio concedido é refúgio concedido e acabou.”

Antonio Celso Pereira
Professor de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (Ifcs)

“É preciso ficar claro que terrorismo não pode ser tipificado como crime político.”

“Sou a favor da extradição de Cesare Battisti, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou o caso em todos os seus detalhes e concluiu que os crimes cometidos por Battisti são de natureza comum. Os episódios estão desvinculados de qualquer caráter político. Sendo assim, a extradição é totalmente cabível.

A decisão da extradição deve partir do presidente, já que a questão é do campo da política externa, e quem faz a política externa é o Poder Executivo. A iniciativa, a execução e a implementação da política externa estão garantidas ao presidente pela Constituição Federal.

Não posso avaliar antecipadamente quais serão as consequências resultantes da permanência ou da extradição política de Battisti para Brasil e Itália. Mas não creio em nada de grande repercussão, apenas alguns protestos.

Caso Battisti permaneça no Brasil, não acredito em grandes instabilidades nas relações diplomáticas entre o país e a Itália. Num primeiro momento, alguns problemas podem acontecer, mas as relações históricas entre os dois países são muito estreitas e existem acordos que estão muito acima da questão de Battisti. Por isso, não creio em estremecimentos na relação entre os dois países.

Acho correto que os crimes políticos sejam desvinculados dos outros crimes quando se fala de extradição. No caso, Battisti pode não ser extraditado caso seus crimes sejam considerados políticos, e não comuns. Esta desvinculação é uma posição consolidada no âmbito doutrinário do Direito Internacional. Não há discussão sobre o caráter dos crimes políticos. Sobre isso, é preciso ficar claro que terrorismo não pode ser tipificado como crime político.”