Ponto de Vista

Uma reunião para dinamarquês ver

Diogo Cunha


A 15ª Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP15), que acontece entre os dias 7 e 18 de dezembro, em Copenhague (Dinamarca), corre o risco de não apresentar nenhum resultado prático. Isto porque alguns dos maiores países industrializados do mundo estão decididos a não assinar o acordo que garantiria a redução de emissão de CO2 no planeta.

Recentemente, durante reunião do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), Estados Unidos e China, junto a outros membros da Apec, deixaram clara a intenção. Diante da postura dos dois maiores poluidores da atmosfera, o primeiro-ministro dinamarquês já fala na possibilidade de um “acordo em dois passos”, sendo apenas o primeiro dado na capital dinamarquesa. Se o acordo não for firmado em Copenhague, a próxima oportunidade se dará em Bonn, na Alemanha, em abril e maio de 2010.

Mas há quem se esforce para que o encontro de dezembro não fracasse. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem utilizado sua popularidade numa campanha para salvar o encontro. A proposta de redução de emissão de CO2 entre 36% e 39% em relação ao estimado para 2020 é apresentada por Lula como estímulo para outros países também mostrarem as suas. Durante encontro com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ambos propuseram que os países desenvolvidos, até 2050, reduzam em 80% suas emissões em relação aos níveis de 1990. Essa proposta vai ao encontro do estabelecido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, sigla em inglês ), no documento publicado em 2007. Para os pesquisadores, os países desenvolvidos devem reduzir, até 2020, suas emissões em 40% para evitar que a temperatura da Terra aumente mais de 2ºC.

Sendo ou não assinado em Copenhague, um novo acordo global que estipula metas de redução da emissão de gases causadores do efeito estufa deve ser assumido em breve, em substituição ao Protocolo de Kyoto, que estabeleceu as metas de redução para o período de 2008 a 2012. A partir de 2013, espera-se o cumprimento de metas muito mais drásticas do que a redução de 5% a 10% para os países ricos, estabelecida em Kyoto.

Para esclarecer os aspectos em cena nesse contexto, o Olhar Virtual entrevistou Roberto Schaeffer, membro do IPCC e professor-associado do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe. Roberto falou, entre outras coisas, do interesse do governo brasileiro ao apresentar a proposta de redução, da necessidade de se estabelecer metas condizentes com o estudo do IPCC e de como um financiamento para a redução das emissões dos países em desenvolvimento pode interessar aos países do primeiro mundo.

Olhar Virtual: Qual a principal atividade geradora de gases provocadores do efeito estufa no Brasil?

Roberto Schaeffer: O inventário oficial mais recente é de 94. Atualmente, estima-se que 60% da emissão de gases vêm do desmatamento. A segunda maior fonte é agropecuária, estimada em torno de 25%. A área de energia, leia-se geração de energia elétrica, setor de transportes e indústria, é responsável por mais ou menos 15% das emissões. No mundo, entre 80 e 85% das emissões vêm da área de energia.

Olhar Virtual: Como o senhor avalia a proposta do governo brasileiro de reduzir entre 36% e 39% as emissões previstas para 2020?

Roberto Schaeffer: É um grande avanço o Brasil começar a discutir a possibilidade de estabelecer metas de redução de emissões. O que se deve criticar é a maneira como esse número está sendo apresentado. Está sendo feita uma estimativa de redução de emissão em relação a um cenário futuro que não se sabe qual vai ser. Em cima desse cenário futuro é que se está propondo reduzir entre 36% e 39%. O último inventário é de 1994, ninguém sabe os números de 2007. Como se vai querer estimar a emissão em 2020 para, aí sim, se estabelecer metas de redução?

Olhar Virtual: Caso o projeto vire lei, o que se poderia fazer para alcançar essa meta?

Roberto Schaeffer: Na geração elétrica brasileira, no setor de transportes e na indústria, há um grande potencial de redução de emissões.  Principalmente, há  grande potencial de redução a partir da diminuição dos desmatamentos. O Brasil é um dos poucos países do mundo que podem reduzir suas emissões sem  impacto na economia. Não há por que não fazer isso.

Olhar Virtual: Diante do alerta contido no documento do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), as metas estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto, de redução de 5% a 10% em relação às emissões de 1990, se mostram pouco efetivas no combate ao aquecimento global?

Roberto Schaeffer: O Protocolo de Kyoto cobre o período de 2008 a 2012, ou seja, a meta de redução de 5% a 10% para os países desenvolvidos passou a valer a partir do ano passado. Portanto, não temos ainda como saber os efeitos das reduções geradas por Kyoto. Aparentemente, Kyoto foi o acordo possível no momento. Foi um primeiro experimento, mas é preciso muito mais. O estudo do IPCC mostrou que um novo acordo terá de ser muito mais ambicioso do que Kyoto tentou ser. Este, que, se espera, se estruturará a partir de Copenhague, valerá a partir de 2013.

Olhar Virtual: Você acredita que um novo acordo a partir de Copenhague cumpriria as exigências do documento do IPCC?

Roberto Schaeffer: Espera-se que sim. Aparentemente todos os governos começam a olhar com outros olhos o problema. A mudança de postura brasileira é relevante. É uma novidade que um país em desenvolvimento tenha colocado a cara a tapa. O que se esperava para Copenhague era que os países desenvolvidos tivessem metas muito mais duras que Kyoto, e algum envolvimento dos países em desenvolvimento. Seguramente todo mundo ficou surpreendido de o Brasil propor alguma coisa que dificilmente alguém iria cobrar dele. Essa postura brasileira vai eventualmente levar a um movimento. Aparentemente, a Coreia do Sul já propôs alguma coisa e a Indonésia também. O Brasil já está gerando um efeito positivo nessa história. Agora, se de fato se vai fechar um acordo nos termos que o IPCC prevê, ainda é difícil antecipar.

Olhar Virtual: Como você avalia a possibilidade de financiamento para que os países pobres e em desenvolvimento reduzam suas emissões de CO2. É viável?

Roberto Schaeffer: Não é obrigatoriamente verdade que os países em desenvolvimento precisam de financiamento. No caso do Brasil, absolutamente. Mas eles jogam com isso. O Brasil, com sua proposta de redução de emissão, aumenta a exigência de um financiamento. Este provavelmente virá. Os países que voluntariamente têm meta só aceitariam um acordo se houvesse um financiamento internacional. O Brasil tem jogado essa ideia e, de maneira geral, a aceitação é positiva. Não há falta de dinheiro para isso, o que falta é vontade política. Esse financiamento interessa ao próprio país desenvolvido. O financiamento contribuiria para reduzir as emissões dos países em desenvolvimento, o que diminuiria as metas dos próprios países desenvolvidos. Os gastos com o financiamento seriam então compensados por gastos menores com a redução no próprio país. Quanto aos países pobres, ninguém espera redução de emissão. Talvez 80% ou 90% das emissões do mundo não venham de menos do que 20 países. Esses é que interessam. Você pode ter os países mais pobres se desenvolvendo como acham que têm de se desenvolver, porque suas emissões são muito pequenas, e de fato se concentrar naqueles que fazem a diferença, que são os países desenvolvidos e em desenvolvimento.