Entrelinhas

Sexualidade no novo milênio

Priscila Sequeira e Vanessa Sol

capa do livro

O livro Sexualidade no Novo Milênio é o resultado de um projeto de extensão universitária, intitulado Projeto de Orientação em Saúde Reprodutora para Adolescentes da UFRJ, mais conhecido por “Papo Cabeça”. Trata-se de uma coletânea de artigos produzidos a partir de palestras ministradas em 2005.

Seu lançamento será dia 4 de abril, às 9 horas, no auditório nobre da Maternidade-Escola, localizado na rua das Laranjeiras, 180, em Laranjeiras. Durante o evento, haverá uma mesa redonda em que serão discutidas três temáticas: a sexualidade à luz da neurociência, a sexualidade sob o aspecto social e, por último, a sexualidade na adolescência e a religião.

Diante dos problemas sociais contemporâneos relacionados à sexualidade e à saúde reprodutiva na adolescência, o livro procura dar sua contribuição na solução de tais questões e cumprir o papel de divulgador do conhecimento produzido pela comunidade acadêmica junto à sociedade. Confira, na íntegra, a entrevista com José Leonídio Pereira, professor da Faculdade de Medicina e um dos organizadores da obra e do “Papo Cabeça”.

Olhar Virtual: Sobre o que é o livro?

O livro fala sobre a sexualidade na adolescência no momento atual. Ele surgiu de um fórum que fizemos sobre sexualidade na adolescência no novo milênio em 2005 e, ali, nós convidamos uma série de professores para fazerem palestras e apresentações. Esses professores, então, escreveram artigos sobre suas palestras e deram origem a esse livro.

Olhar Virtual: Como foi, basicamente, o controle dos artigos? Qual foi a temática eleita?

A temática envolve sempre a questão da adolescência, no âmbito da sexualidade. Há temas desde o despertar da sexualidade, passando pela responsabilidade e pelo pré-natal até questão da adolescente querer a gravidez. Todo mundo acha que ela não quer, mas, na maioria das vezes, ela quer. Há também a questão das práticas profissionais envolvendo a sexualidade do adolescente no campo da saúde pública, a constituição dessas práticas, a concepção da paternidade na adolescência e também a metodologia participativa na área de extensão, na área de saúde. Procuramos fazer uma abordagem ampla do assunto.

Olhar Virtual: Como os jovens vêm encarando a sexualidade? Como isso vem repercutindo na sociedade?

A característica de que a mulher tem um aspecto reprodutor é pré-histórico. Desde que a mulher entrou no mercado de trabalho, começou a haver a dicotomia entre reprodução e produção, então, para a mulher ser uma peça dessa engrenagem, quanto menos filhos ela tivesse, melhor seria, ao contrário da visão religiosa, em que, quanto mais filhos você tiver, mais à direita de Deus você vai estar. Na década de 60, houve o começo da liberalização da mulher, já o uso do método anticoncepcional e da penicilina se disseminou. No entanto, por estar “protegida” da gravidez, a mulher deixou de usar preservativo e, com isso, cresceu o número de casos de DSTs. Hoje, houve uma mudança comportamental, os relacionamentos são abertos, as relações são sem compromisso com o outro, há o exercício da sexualidade por ambas as partes. O adolescente, às vezes, precisa do risco, por exemplo, para suprir o seu sistema de recompensa, algo que a neurociência tenta explicar. A menina sabe que ela pode engravidar, mas ela também sabe que se ela tiver aquela relação de risco, a adrenalina dela aumenta e a recompensa é maior. O adolescente não tem discernimento para tomar algumas decisões. É como se ele tivesse que pegar emprestado o cérebro de um adulto. Uma coisa interessante é que a sexualidade, o namoro, a paixão são irracionais, pois inibem a razão. A mulher é sinestésica, já o homem, não, ele é visual.

Olhar Virtual: Como tudo isso se insere no contexto social?

Além da neurociência, há o contexto social. Existem fatores sociais e emocionais que potencializam a sexualidade. Há uma exacerbação da sexualidade por uma ausência de valores. Atualmente, 65% das famílias são monoparentais, ou seja, só têm mãe. Falta-lhes o espelho masculino. É necessário que haja modelos. Os pais estão ausentes.

Olhar Virtual: Você acha que essa potencialização da sexualidade precoce é um dado negativo?

As meninas são criadas para serem mulheres. Você vê meninas de quatro anos que são protótipos de mulheres: vestem roupinha apertada; usam salto alto; ganham um “kit mulher”, com bolsa, maquiagem, celular. Aos sete anos, ela tem um curso audiovisual do kamasutra, que é o funk. Aos onze, ela faz prova escrita, prática e oral, é aprovada com louvor, com direito a publicação nove meses depois e a mãe vira e diz “eu não te ensinei isso”. Não há figura que limite. A ausência das figuras paterna e materna permite toda estrutura de jogos que você possa imaginar. No entanto, é preciso ser educador sem ser repressor. É algo que vemos dentro da própria universidade, com essa nova geração de alunos que está chegando. Achamos que é um problema só com as pessoas mais pobres, mas os índices de contaminação por DSTs em adolescentes de classe média são tão altos quanto nos de classe baixa.

Olhar Virtual: Há algo que possa ser feito para que esse quadro não piore?

Um processo elementar é o que ocorre escola. A escola também tem que assumir o papel de educadora sexual. É necessário que a criança passe a ser filha do Estado, ou seja, se o Estado precisa da mãe dela trabalhando o dia inteiro, é necessário que ele assuma o seu filho o dia inteiro. Assim, fica mais fácil inibir a sexualidade com olhos de educador. É preciso, também, que haja disciplinas sobre sexualidade voltadas para alunos de Licenciatura, uma proposta nossa junto ao PROEXT (Programa de Extensão), ou seja, criar uma disciplina que sirva a todos os alunos de Licenciatura, desde Letras até Matemática.

Olhar Virtual: Você acha que a sexualidade ainda é um tabu?

É. Quanto mais se caminha para a questão religiosa, mais tabu há. Percebemos melhor isso quando trabalhamos com uma escola. Quando a coordenação pedagógica tem uma visão religiosa, há uma ruptura e fica difícil entrarmos e trabalharmos. 
Em relação à sexualidade, não existe uma Medicina social. Não podemos mais trabalhar com o padrão de Medicina que temos, que é uma Medicina de resultado financeiro. Essa é boa para uma relação imediata, mas não para uma relação consistente. É preciso uma Medicina voltada para o povo dentro da questão da promoção de saúde e não apenas do aspecto curativo. O exercício da sexualidade deve ser pleno sempre associado à promoção de saúde.

Olhar Virtual: Você acha que o Ministério da Saúde deveria formar uma parceria com o Ministério da Educação a fim de solucionais tais questões?

Não se faz política de saúde sem que as áreas formadoras não estejam presentes. A sexualidade tem que ser discutida na universidade como um todo, não pode ser vista como um tema só da faculdade de Medicina.