Olho no Olho

Tempo de Cuidar

Cinthia Pascueto e Monique Pereira – agn PV

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Recentemente, o projeto de lei nº281/2005, que institui o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, foi aprovado pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

O programa prevê a ampliação do benefício de quatro para até seis meses de licença, permitindo o direito de escolha dos patrões e empresas, que podem ou não ceder esses dois meses a mais para as mulheres grávidas ou lactantes.

Essa proposta levantou questões sobre o tempo que a mulher dedica ao filho recém-nascido, relacionando as discriminações do mercado com a mulher grávida, as perdas e ganhos das empresas com essa medida, a responsabilidade social e os reflexos na qualidade de vida da mãe e do bebê com essa maior dedicação de tempo ao cuidado e aleitamento maternos.

Para discutir o tema, o Olhar Virtual convidou os especialistas João Sabóia, diretor do Instituto de Economia da UFRJ, e Marcílio Araújo, um dos coordenadores do Sindicato de Trabalhadores em Educação (Sintufrj).

 

João Sabóia, diretor do Instituto de Economia da UFRJ

“Essa questão sobre a ampliação do período da licença-maternidade deve ser analisada pelos dois lados: da mulher e das empresas. Vamos começar, então, avaliando os benefícios para a mãe. Antes dessa ampliação, o período da licença-maternidade era de quatro meses, com início vinte e oito dias antes do parto e término noventa e um dias depois, para cuidar do seu filho recém-nascido. Esse, porém, é um período muito curto: a criança está em plena amamentação, necessitando de cuidados e muitas vezes a mãe não possui alguém próximo com quem deixar o bebê, nem condições de colocá-lo numa creche - o que ainda assim é complicado, se tratando de uma criança de apenas 16 semanas. Acredito, então, que aumentar o prazo do ponto de vista da mãe é altamente positivo.

Do mesmo modo, é uma boa iniciativa de o governo tornar essa medida opcional para a empresa, concedendo o benefício fiscal de deduzir do Imposto de Renda o valor referente aos dois meses de prorrogação da licença-maternidade àquelas que optarem pela ampliação deste período. Essa é uma medida muito favorável, pois obrigá-las a acatar essa ampliação sem nenhum caráter de maleabilidade, poderia desencadear alguma rejeição, podendo levar à perda de espaço da mulher no mercado de trabalho.

Do ponto de vista da empresa, em ocupações que permitem tanto o serviço masculino quanto o feminino, sem que existam vantagens para ambos, torna-se favorável empregar o homem, que terá uma licença-paternidade de no máximo cinco dias, com previsão de extensão desse período para 15 dias, sem a necessidade de ficar licenciado por vários meses. Ao tornar opcional a ampliação da licença-maternidade de quatro para seis meses, reduz esse risco de rejeição, legando à empresa o balanço das vantagens e desvantagens ao empregar uma mulher e de até que ponto essa ampliação pode ser favorável ou não.

O Brasil está numa posição intermediária na discussão desses assuntos, se comparado com outros países parecidos em termos de desenvolvimento. Em alguns desses países, a licença-maternidade é muito curta. Em outros, como a França, por exemplo, esse período pode variar de 16 a 26 semanas.

De toda maneira, é importante ressaltar a importância dessa ampliação para a mãe e o bebê. Se para uma mãe de classe média, que possui recursos financeiros razoáveis, não é fácil voltar a trabalhar e deixar sua criança de quatro meses com uma babá ou em uma creche, para uma mulher pobre será ainda mais complicado. Não são comuns creches públicas que aceitam crianças com essa idade. A mulher dependerá da avó da criança ou de algum parente, por exemplo, pois para pagar uma pessoa ou uma instituição que cuide de um filho, necessita de muito recurso no Brasil.

Por último, é bom ressaltar que essa é uma legislação trabalhista, isto é, válida apenas para quem possui emprego com carteira assinada. Se a mulher trabalha num emprego informal ou em um trabalho autônomo, não será incluída nesse benefício. O setor informal representa aproximadamente metade da economia brasileira, ou seja: a cada duas pessoas, uma está na informalidade. Essa é uma lei que, infelizmente, só vale para metade da população feminina brasileira. Ainda assim, a ampliação da licença-maternidade é um grande avanço.”

Marcílio Araújo, Coordenador Geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação – Sintufrj

“Na verdade, na época de aprovação da Constituição de 1988 já era previsto o período de seis meses para a licença maternidade. Entretanto, o próprio movimento feminista vetou a possibilidade e estabeleceu que seriam apenas quatro meses de intervalo para as parturientes, pois receavam que o empresariado diminuísse significativamente a contratação de mulheres para o mercado de trabalho.

Observou-se, portanto, que esse ‘complô’ das empresas não existiu, não em larga escala, logo o projeto de ampliação da licença maternidade retornou às pautas de discussão das políticas públicas.

Essa lei chegou com 19 anos de atraso, mas ainda assim trará uma melhoria essencial para as relações trabalhistas — empresa-empregado — além da possível afetabilidade indireta da área de saúde, devido à importância do aleitamento materno, pelo menos, até os seis meses de vida do bebê.”