Entrelinhas

Dossiê da metrópole

Aline Durães

capa do livro

Traficantes em bailes funk. Embates entre a Guarda Municipal e os ambulantes da Saara. Campanhas eleitorais. A carreira de Dona Ivone Lara. Temas aparentemente distintos, mas intrinsecamente ligados à conjuntura urbana do Rio de Janeiro, ganham espaço no novo livro organizado pelo antropólogo Gilberto Velho, professor do Museu Nacional da UFRJ. Na obra Rio de Janeiro: cultura, política e conflito, que será lançada no próximo dia 17, às 19h30, na Livraria da Travessa de Ipanema, Velho busca mostrar a diversidade presente na cidade, mas não se limita à análise da capital fluminense. Em seu artigo, o autor resgata autores clássicos da Antropologia para refletir sobre a vida urbana contemporânea. Além do texto do antropólogo, o livro apresenta sete artigos escritos por alunos de Mestrado e Doutorado do Museu. Em entrevista ao Olhar Virtual, Gilberto Velho comentou os artigos integrantes da publicação e as reflexões suscitadas por eles. O autor ressaltou ainda a importância do livro para a compreensão das complexidades e dos antagonismos da sociedade. Confira.

Olhar Virtual: O livro aborda questões abrangentes como a violência, por exemplo. Que conflitos os artigos resgatam para problematizar a criminalidade?

Gilberto Velho: A violência aparece no livro em vários momentos: tanto no meu artigo, quando discuto a questão geral da violência no Brasil e particularmente no Rio de Janeiro, quanto no trabalho da Fernanda Piccolo. A pesquisadora realizou um trabalho de campo na região do Complexo dos Macacos. Ela freqüentou bailes funk e assistiu à presença de traficantes nesses eventos. Fernanda estudou o convívio entre diferentes gerações e grupos, que envolvem desde os traficantes até pessoas pacíficas, e verificou as diversas relações dos indivíduos com a lei.

Olhar Virtual: A relação entre a Guarda Municipal e os camelôs, tema de um dos artigos do livro, também é analisada sob a ótica da violência?

Gilberto Velho: Sim. A pesquisadora narra o modo de vida desses camelos, a fronteira entre o legal e o ilegal e as relações complexas deles com as forças da ordem. Ela ficou bastante tempo na região da Saara e, muitas vezes, teve que correr da Guarda Municipal com os ambulantes. O artigo destaca também o papel das políticas públicas, até porque traça um histórico de como o atual quadro da Saara se formou.

Olhar Virtual: Que situações referentes à política são avaliadas no livro?

Gilberto Velho: O texto que fala mais abertamente sobre a política é o da Alessandra Barreto, que acompanhou a campanha eleitoral de Lindberg Farias, atual prefeito de Nova Iguaçu. Ela problematiza os showmícios, um gênero, ao mesmo tempo, cultural, artístico e político. A pesquisadora teve condições de acompanhar essa campanha, que ganhou dimensões nacionais por ter sido muito mobilizante. Consta ainda um outro trabalho sobre a Baixada Fluminense. Nele, Sandra Regina comenta as carreiras de músicos na região e complementa a análise ao discorrer sobre sua relação, como pessoa da Baixada, com o trabalho de pesquisa.

Olhar Virtual: O livro aborda ainda o heavy metal e o samba. Qual a importância dessas expressões culturais na compreensão do Rio de Janeiro?

Gilberto Velho: Dois artigos tratam da cultura: um referente ao encontro de um grupo de Heavy Metal com um grupo ligado ao jogo do bicho em uma festa; o outro evidencia que, além de ter sido a primeira mulher compositora de escola de samba, Dona Ivone Lara teve uma formação musical erudita e foi aluna da primeira esposa de Villa-Lobos. Essas situações são importantes para nós, antropólogos, porque são ricas sob o ponto de vista social do conflito e da transição.

Olhar Virtual: Samba, Baixada Fluminense, camelôs. Houve uma preferência por temáticas ligadas às camadas de baixa renda?

Gilberto Velho: Sim, era a estratégia. Eu realmente queria desenvolver projetos mais voltados para essa área. Então, apareceram alunos e pesquisadores com idéias e interesses nela, o que considero um privilégio. Sou orientador, mas dependo da criatividade dos estudantes em seus trabalhos de campo. No fundo, o livro é um trabalho em equipe.

Olhar Virtual: O livro parece mostrar o tempo todo como os diversos extratos sociais se tangenciam. Nesse sentido, qual a principal contribuição da publicação?

Gilberto Velho: Esse livro contribui para tentarmos compreender a complexidade da vida contemporânea. Ele confirma, no caso específico do Rio de Janeiro, que, paralelamente à violência, ao conflito e à tensão, existem uma produtividade e uma criatividade que reinventam, em termos artísticos e culturais, a vida social. As experiências retratadas no impresso não são nada simples e é isso que almejamos mostrar: não dá para ser esquemático ou reducionista. A vida é contraditória, cheia de antagonismo e, ao mesmo tempo, é expressiva de uma riqueza de encontros e desencontros. Buscamos aqui valorizar o ponto de vista do outro, o que, no fundo, confunde-se com a própria história da Antropologia.