Entrelinhas

Arqueologia da arquitetura

Camilla Muniz

Uma arqueologia da arquitetura; segundo os autores, é isso o que leitor encontra em Arquitetura no Brasil: de Cabral a Dom João VI. Escrito por Francisco Veríssimo e William Bittar, professores da Faculdade de Arquitetura (FAU/UFRJ), e por Chico Mendes, historiador e sociólogo, o livro faz parte de uma série que pretende contar toda a evolução arquitetônica brasileira ao longo da história, desde o descobrimento até os dias de hoje.

Nesta obra, os autores relatam a história da arquitetura colonial brasileira, dando ênfase aos contextos que originaram as construções da época. Em entrevista ao Olhar Virtual, Francisco Veríssimo e William Bittar contaram alguns detalhes da produção do livro, confira.

Olhar Virtual: Com que objetivos o livro foi escrito?

Francisco Veríssimo: Existem muitos livros sobre a história da arquitetura, mas no Brasil, de maneira estranha, principalmente porque a arquitetura brasileira tem destaque em todo o mundo, esses livros não são muito conhecidos. A maioria das obras são raras, talvez por serem antigas e por não terem sido reeditadas. Por esse motivo, tínhamos muita dificuldade para indicar um livro didático aos alunos. Nesse contexto, a idéia foi escrever um livro; reunir nele todo o conhecimento sobre a arquitetura do período que compreende desde o descobrimento até a chegada da Família Real, mais o nosso conhecimento adquirido em décadas de magistério. Nosso objetivo era redigir um livro acessível, de fácil compreensão, com uma linguagem didaticamente contemporânea.

Olhar Virtual: Como foi o processo de elaboração de Arquitetura no Brasil: de Cabral a Dom João VI?

Francisco Veríssimo: O livro foi escrito por dois arquitetos e por um historiador e sociólogo, importantíssimo para acrescentar o conteúdo histórico ao texto.

William Bittar: Procuramos considerar a arquitetura através da teoria, da sociologia e da cultura. Dessa forma, a cronologia dos fatos e o contexto político, econômico e social da época foram muito importantes. Cada objeto arquitetônico foi analisado de acordo com esses aspectos e de forma dialética. Assim, as pessoas poderão ler o livro e entender o que foi escrito, e é esse o grande objetivo. Não me importo se a academia julgar o livro simples demais.

Olhar Virtual: Quais foram as principais evoluções arquitetônicas ocorridas nesse período?

Francisco Veríssimo: A nossa arquitetura, especialmente a civil, evolui a partir de uma formação inicial mesclada de valores do Oriente Médio, do Extremo Oriente — que tinha clima parecido com o do Brasil —, e dos indígenas, que utilizavam bastante o espaço exterior às ocas. Tudo isso foi associado à formalidade da arquitetura civil portuguesa, principalmente das regiões do Alentejo e de Algarves, muito influenciadas pelos árabes.

No livro, também tratamos da arquitetura religiosa e da oficial — como a das casas de câmbio —, das técnicas construtivas e dos antecedentes históricos de nossa produção arquitetônica. Além disso, procuramos mostrar que o Barroco não foi o único estilo importante no Brasil, já que o Maneirismo e o Rococó também tiveram destaque no país.

Olhar Virtual: Na sua opinião, por que é importante conhecer a história da arquitetura brasileira?

Francisco Veríssimo: Esse tipo de saber é útil não só para os arquitetos, mas para qualquer pessoa. É importante entender o espaço onde vivemos, quais foram as intenções e as necessidades de quem o construiu. A arquitetura é um reflexo do modo de vida de uma sociedade. Construir uma casa no Brasil e uma na Europa é bastante diferente. A casa brasileira é extremamente eclética na sua composição, é uma produção adaptada à nossa realidade. A história tem por objetivo fazer entender o presente e ser um passaporte para o futuro. Não é somente olhar o passado.

Olhar Virtual: Por que esses detalhes são pouco abordados pela bibliografia oficial?

Francisco Veríssimo: Na maioria das vezes, essa abordagem restrita se dá por motivos políticos. Uma das maiores falhas da bibliografia oficial é não dizer qual a origem histórica de certas construções. Além disso, as dificuldades de deslocamento e de comunicação fizeram com que, muitas vezes, o conhecimento ficasse fragmentado ou simplesmente não fosse registrado. Na verdade, a maior preocupação da historiografia era relatar um Brasil grandioso, como se nossa arquitetura tivesse surgido espontaneamente, sem influências de outros locais.

William Bittar: A história é quase sempre escrita por quem detém o poder. São essas pessoas que selecionam as informações a serem divulgadas em um determinado momento. Com a história da arquitetura não é diferente. A visão popular da história não é relatada, produzindo uma abordagem parcial dos fatos.

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