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Indígenas mais próximos da Educação Superior

 

Isabella Bonisolo – Agência UFRJ de Notícias – Praia vermelha

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Em 19 de abril comemora-se em todo o continente americano o dia do índio. A data simboliza a união dos indígenas com o homem branco no I Congresso Indigenista no México (1940), pela luta dos seus direitos e tradições. As iniciativas de discussão e planos de ações afirmativas pelos primeiros habitantes da América não pararam desde então. Na UFRJ, ligado ao Laboratório de Pesquisa em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (LACED), do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, está o Projeto "Trilhas de Conhecimentos — o ensino superior de indígenas no Brasil", que dá suporte a planos destinados ao desenvolvimento dos povos indígenas no Brasil, através da formação no ensino superior.

Embora seja um grupo minoritário, pensar na formação superior indígena não é conectá-la aos mesmos desafios da educação universitária para afro-descendentes ou jovens de baixa renda. O modo de implantação das ações afirmativas é distinto.

João Paulo de Castro, professor integrante do projeto Trilhas do Conhecimento (LACED/UFRJ), acredita que é necessário repensar os regimes dos saberes e as práticas universitárias. Espera-se assim, contemplar a diversidade sócio-histórica da sociedade brasileira, construída pela colonização portuguesa. “Os indígenas demandam cursos específicos de formação para seus professores, para gestão de saúde e de seus territórios, o que leva a colocar os temas dos conhecimentos tradicionais indígenas em uma posição de centralidade quanto ao fazer universitário”, declara.

A vez é deles

A revisão nas tradições universitárias faz-se necessária pela própria manutenção dos povos indígenas. Agora, eles têm reivindicado o ensino superior enquanto espaço de formação qualificada para elaborar e gerir projetos em suas próprias terras. Buscam também compreender e acompanhar a complexa administração da questão indígena em nível governamental, distribuída entre diversos ministérios. “Eles querem ter condições de dialogar, sem mediadores brancos, pardos ou negros, com estas instâncias administrativas, ocupando os espaços de representação que vêm sendo abertos à participação indígena”, conta João.

Em meio a essas novas necessidades, um conjunto de políticas voltadas para a formação de indígenas em cursos de licenciatura específicos aparecem respaldadas pela Constituição de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Até agora, estes cursos interculturais, com vestibular específico para indígenas, foram implantados nos estados de Mato Grosso e Roraima, e encontram-se em vias de instalação em Minas Gerais, Amazonas, Paraíba, Tocantins, Goiás, Maranhão e Acre.

Ações afirmativas no país

O momento é de muitas iniciativas governamentais pró-indígena. Entretanto, a maioria não é efetiva. O PROUNI (Programa Universidade para Todos), por exemplo, criado em 2004, previa a concessão de bolsas de estudo parciais e integrais a estudantes de baixa renda, o que incluía os índios. Porém, o caráter genérico do projeto prejudica o acesso às vagas. “Este programa foi praticamente inútil aos vestibulandos indígenas. Eles, em sua maioria, não passaram pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), de difícil acesso para quem vive em áreas rurais como as que estão os indígenas. E essa prova é uma condição de acesso ao programa”, explica João Paulo.

O professor reforça ainda a defasagem da educação oferecida aos indígenas nas escolas de Ensino Médio (EM). Segundo dados do Censo Escolar de 2006, dos 172.256 mil alunos indígenas, apenas 4,4% cursam o EM em suas terras. “Esse sempre foi um argumento apresentado às autoridades públicas. O certo seria a flexibilização do acesso às bolsas oferecidas pelo PROUNI, contudo essa solicitação nunca foi acatada”, revela.

Por parte do governo federal ainda não há uma política oficial direcionada à educação superior de indígenas. Existem rumores de que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), proposto pelo ministro Fernando Haddad, estimulará a implementação de ações afirmativas nas universidades federais. Professor João, entretanto, diz que nada está definido.

Quando questionado sobre a validade da política de cotas para indígenas, João diz acreditar que tratar igualmente os diferentes é uma injustiça. “A diferença entre índios e não-índios é histórica e cultural. Falar de indígenas é falar de integrantes de coletividades territorializadas, cujos direitos culturalmente diferenciados foram reconhecidos pela Constituição de 1988”, conta o professor que também cita o decreto de junho de 2002, assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como um meio legitimador dos indígenas enquanto povos dentro da nação brasileira.

— O momento político presente coloca à sociedade brasileira a crucial tarefa de se enfrentar como racista e discriminatória, revelando mecanismos, sejam os sutis e adocicados, sejam os extremamente cruéis e violentos, pelos quais as desigualdades sociais crescem. Parte desse processo de discussão tem sido visibilizado nacionalmente pelo debate em torno das propostas de ação afirmativa, notadamente das “cotas” para o ensino superior — opina João.

Atualmente, algumas universidades adotaram as cotas para índios. No entanto, não são estimulados projetos que ajudem a permanência do estudante indígena no curso superior. A Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) — a instituição que abriga o maior número de alunos indígenas cotistas — os obriga a trabalhar em atividades administrativas, funcionando como mão-de-obra remunerada por “bolsas de trabalho”. Com isso, boa parte do tempo de estudo para superar as dificuldades de adaptação fica comprometida.

— A administração superior da universidade não tem sido sensível aos pedidos de docentes envolvidos com o acompanhamento dos alunos indígenas para que estes tenham a carga horária das bolsas voltadas para a sua própria formação e para trabalhos de ação afirmativa — lamenta o professor.

Trilhas do Conhecimento: luta pelo etnodesenvolvimento

“Trilhas do Conhecimento”, projeto financiado por uma doação da Fundação Ford, sensibiliza-se com essa questão do indígena e promove ações teóricas e práticas.

O projeto prevê a capacitação de docentes, a fim de que aprendam a lidar com indígenas no nível universitário. Trilhas baseia-se na idéia de que é fundamental o esclarecimento do público de gestores universitários, muitas vezes altamente reativo às ações afirmativas, em função do desconhecimento do tema, e da confusão produzida pela superposição das questões relativas aos afro-descendentes.

— Ao incluir os indígenas nas universidades há que se re-pensar as carreiras universitárias, as disciplinas, abrir novas e inovadoras áreas de pesquisa, selecionar e repensar os conteúdos curriculares que têm sido ministrados, e testar o quanto estruturas, que acabaram se tornando tão burocratizadas e centralizadoras, podem suportar se colocadas ao serviço de coletividades vivas, histórica e culturalmente diferenciadas — finaliza João Paulo.