Olho no Olho

Favela-Bairro: êxito ou fracasso das políticas públicas de urbanização?

 

Luíza Duarte

imagem olho no olho

A cidade do Rio de Janeiro possui 6,1 milhões de habitantes, dos quais quase um milhão vive em favelas e 500 mil em loteamentos clandestinos.

O projeto Favela-Bairro foi criado pela prefeitura, em 1993 e implementado no ano seguinte, como parte da política habitacional do município, que visa à integração urbanística e social das favelas, respeitando as preexistências ambientais e culturais. Ele pretende promover melhorias urbanísticas, dar infra-estrutura e acesso a bens e serviços públicos, integrando as favelas como bairros.

O projeto já beneficiou 143 favelas de médio porte, o que representa 20% do total. Em 2005, o Tribunal de Contas do Município aprovou o relatório de uma auditoria no Favela-Bairro, que fez um balanço dos últimos 11, apontando suas falhas e conquistas.

O Olhar Virtual conversou com o ex-secretário Municipal de Habitação (1993-2000) e professor da Faculdade de Arquitetura, Sérgio Ferraz e o professor do Instituto Pesquisa e Planejamento Urbano e Coordenador das redes Infosolo e Infomercado de pesquisa em favelas do Brasil e América Latina, Pedro Abramo, para fazer um balanço do projeto Favela-Bairro.

 

Sérgio Ferraz
Ex-secretário de Habitação do município de Rio de Janeiro e professor da FAU

“A elaboração do programa Favela-Bairro se deu num contexto de ausência absoluta de políticas públicas de habitação e urbanismo no país. A ausência de políticas públicas, de crédito e a obrigatoriedade das famílias terem que suprir por conta própria a condição de moradia urbana, explicam o fato da cidade ter se expandido de modo irregular e o surgimento de loteamentos clandestinos e irregulares e das favelas.

Nessa situação, o programa Favela-Bairro surge como um desejo claro da sociedade carioca de enfrentar o desafio de promover a integração das favelas com a cidade. Uma integração que viria a partir do reconhecimento do esforço dos que construíram suas casas, para que então, o governo provesse as condições básicas, como: infra-estrutura, água, luz, esgoto, drenagem, serviços públicos, equipamentos e limpeza urbana, que a cidade moderna precisa ter e as áreas pobres não dispõem.

O objetivo do Favela-Bairro é promover a melhora da qualidade de vida para a cidade como um todo. Nesse aspecto, o projeto, quando foi construído, foi muito bem sucedido. Porém, em algumas comunidades ele foi mais bem sucedido do que em outras, por diversas razões. Mas de um modo geral, o objetivo de promover a integração urbanística foi alcançado.

A partir de então, surgem outras questões. A primeira e mais grave é a permanência dos governos no interior das áreas que foram contempladas, o que não se pode dizer que foi um sucesso. Porque o governo não continua presente nas favelas urbanizadas, nem nos conjuntos residenciais que construiu ao longo das décadas e que, hoje, são áreas de muito abandono e carência de serviços públicos.

A preservação dos investimentos feitos corre sérios riscos pela continuada ausência do Estado nessas comunidades. Mas isso não pode ser atribuído como um problema do programa, porque ele não tem o objetivo, nem a pretensão de determinar o rumo que os governos tomam. Essa é uma decisão política. O segundo aspecto é que se o Favela-Bairro recebe críticas por não ter enfrentado, de modo definitivo, o problema da pobreza, não gerando empregos, nem fazendo capacitação profissional. No entanto, isso não era seu objetivo central e, mesmo assim, ele contribuiu através da própria urbanização que gera uma melhora na qualidade de vida e melhor possibilidade das pessoas se inserirem no mercado de trabalho. Mas ele não poderia resolver o problema da pobreza, a partir de uma intervenção urbanística simplesmente. Seria uma pretensão, que de certo modo os modernistas tiveram, de através da arquitetura achar uma solução para os problemas sociais brasileiros, mas que as experiências das últimas décadas deixaram claro que foi uma mera pretensão.

Atribuir exigências alheias ao Favela-Bairro é uma desqualificação do programa, que resulta no enfraquecimento político de uma proposta que é absolutamente necessária. É indispensável que ela tenha continuidade e aprofundamento, como uma condição central para que a cidade tenha democracia. Se não houver a continuidade do Favela-Bairro e se suas conquistas não forem ampliadas vai ser cada vez pior para o Rio de Janeiro. Se o Brasil não enfrentar o problema das favelas de modo profundo e permanente, ele vai ser um país que não vai ter o rumo democrático que precisa.”

Pedro Abramo
Coordenador da rede Infosolo e Infomercado e professor do IPPUR

“Nos últimos oito anos de políticas urbanas, não classificaria o Favela-Bairro como exitoso ou fracassado. O programa tem aspectos que foram bem sucedidos e outros não. O êxito é por ser o primeiro programa de urbanização em grande escala. Ele já atingiu mais de 100 favelas, das 720 que existem.

O segundo aspecto positivo é a continuidade. Os programas antes não tinham essa continuidade temporal. O programa tem oito anos e está sendo renegociada sua quarta fase com BID. Porém, embora seja um programa massivo ele precisa de alguns anos para se completar.

Ele pretendia unir a favela ao tecido da cidade e foi ganhando um conjunto de projetos sociais. Esses programas de geração de emprego e renda não foram tão positivos quanto se esperava. Outro problema é a manutenção. Os programas de urbanização em favelas têm a tendência de intervir e se ausentar, provocando uma deteriorização precoce das obras.

O Favela-Bairro por ser um programa de criação de infra-estrutura, não atua na modificação da unidade familiar. Uma parte importante das favelas tem um problema de massificação que pede uma melhora nas casas das pessoas.

Hoje, o maior problema de saúde pública está ligado a densificação, a falta de ventilação e de sol nas casas. O Favela-Bairro melhorou o acesso a água e esgoto, mas é importante que os programas incorporem um melhoramento da casa. O programa só intervém em casas em áreas de risco e em áreas onde devem ser removidas para a construção de locais públicos. Falta uma política de habitação, subsídios e casas subsidiadas para a população de baixa renda. O Favela-Bairro não pode ser o único programa de melhoria urbana, tem que haver um voltado para a produção de moradias e lotes urbanizados.

O Favela-Bairro ainda está sendo implantado. Ele beneficiou um terço de todas as favelas, pois depende de financiamento de uma agencia internacional, não se auto-sustenta só com recursos do município ou da Caixa Federal. Em função desses recursos, as características das obras da primeira etapa mudaram muito comparando-se com as de agora. O custo das obras caiu, perdeu-se em qualidade para conseguir mais quantidade. Os números refletem isso de forma clara, quando mostram a queda do gasto por família nas favelas atendidas.

O reconhecimento dos direitos dos moradores das favelas foi uma conquista dos movimentos populares nos anos 70, que rejeitaram a política de remoção, e não algo que veio com o Favela-Bairro.

O Favela-Bairro integra vários programas de intervenção nas favelas. Mas a política pública de intervenção para a população de baixa renda não pode se limitar ao Favela-Bairro. Ele é importante, mas está gerando a densificação das favelas, como um perverso efeito secundário. A taxa de crescimento da população das favelas aumentou dos anos 90 para os anos 2000, pela precarização do mercado de trabalho, que levou os trabalhadores para o mercado informal e conseqüentemente para o mercado informal de habitação. Com os loteamentos clandestinos cada vez em subúrbios mais distantes e o aumento do gasto com transportes, acabou sendo mais viável para a população de baixa renda morar nas favelas.”