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Edição 358      19 de outubro de 2011


Ponto de Vista

Ioga contra o pânico

Aline Durães

 

“Mantenha a calma.” Esse é um dos principais conselhos dados a pessoas que enfrentam transtornos de ansiedade. Os momentos de crise são críticos e, geralmente, acompanhados pela sensação de descontrole e iminência de perigo. A ioga pode ser um bom remédio para essas situações. Segundo Camila Ferreira-Vorkapic, pesquisadora do Instituto de Psicologia da UFRJ, a prática de ioga não só ajuda a lidar melhor com as crises como também possibilita preveni-las.

Camila, bolsista da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa (Faperj), estuda os efeitos da meditação e da ioga no tratamento de transtornos de ansiedade. De acordo com a psicóloga, ao trabalhar a respiração para alterar emoções e estados mentais, a ioga  reduz os níveis de alerta, estresse e ansiedade. Confira abaixo a entrevista de Camila na íntegra.

Olhar Virtual: Quais os principais sintomas de pânicos e ansiedade?

Camila Vorkapic: A síndrome do pânico é um transtorno psicológico caracterizado pela ocorrência de inesperadas crises de pânico e por uma expectativa ansiosa de ter novas crises. As crises de pânico – ou ataques de pânico – consistem em períodos de intensa ansiedade, geralmente com início súbito e acompanhados por uma sensação de catástrofe iminente. A frequência das crises varia de pessoa para pessoa e sua duração é variável, geralmente alguns minutos. No geral, as crises de pânico apresentam pelo menos quatro dos seguintes sintomas: taquicardia, falta de ar, dor ou desconforto no peito, formigamento,  tontura, tremores, náusea ou desconforto abdominal, embaçamento da visão, boca seca, dificuldade de engolir, sudorese, ondas de calor ou frio, sensação de irrealidade, despersonalização, sensação de iminência da morte.
Há crises de pânico mais completas e outras menores, com poucos sintomas. Geralmente as crises de pânico se iniciam com o disparo de  uma reação inicial de ansiedade, que logo ativa um medo em relação às reações que começam a ocorrer no corpo. Durante a crise surge na mente da pessoa uma série de interpretações  negativas sobre o que está ocorrendo, sendo muito comuns quatro tipos de pensamentos catastróficos: de que a pessoa está perdendo o controle, que vai desmaiar, que está enlouquecendo ou que vai morrer. No intervalo entre as crises a pessoa costuma viver na expectativa de ter uma nova crise. Esse processo, denominado ansiedade antecipatória, leva muitas pessoas a evitar certas situações e a restringir suas vidas.

 

Olhar Virtual: Para além dos fatores emocionais, há fatores biológicos envolvidos nos transtornos de ansiedade? Quais são eles?

Camila Vorkapic: De maneira geral, os transtornos de ansiedade (Pânico, Fobia Específica, Fobia Social, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Transtorno de Ansiedade Generalizada) têm diversos fatores que não só os biológicos, por exemplo, fatores psicossociais (na verdade, esses fatores se interagem). Muitas são as situações cotidianas que envolvem perigo ou ameaça. Nessas situações, um estado de alerta é essencial para a autodefesa do indivíduo. No entanto, pessoas que apresentam um estado ansioso tendem a superestimar a situação de perigo. A forma com que as situações são interpretadas pelo indivíduo tem um valor potencial para o surgimento ou não de algum quadro de transtorno de ansiedade. Com relação à biologia, vários neurotransmissores exercem papel fundamental no controle da ansiedade, porém a serotonina e o ácido gama-aminobutírico (Gaba) são considerados os mais importantes. A serotonina e o Gaba são neurotransmissores inibitórios, que controlam a resposta de estresse. Assim, ocorre uma alteração desses neurotransmissores no sistema nervoso, o que implica um estado de ansiedade.

Olhar Virtual: Como a ioga pode influir sobre eles?

Camila Vorkapic: A ioga é composta de técnicas como pranayamas (exercícios respiratórios), asanas (posturas), yoganidra (relaxamento), dharana (meditação), entre outras. Cada uma dessas técnicas tem efeitos significativos na redução dos sintomas de ansiedade. Devido à relação entre emoções e atividade do sistema nervoso autônomo (SNA), são comuns episódios de diarreia por medo, crises hipertensivas por estresse e principalmente alterações na taxa respiratória em consequência de mudanças nos estados emocionais. Por exemplo, indivíduos com pânico frequentemente hiperventilam durante as crises, já que há uma estreita relação entre estados mentais e respiração, e um dos recursos utilizados para diminuir a velocidade respiratória é justamente a chamada “respiração diafragmática ou abdominal”, técnica extensamente utilizada na ioga. Há, então, uma ligação entre emoção e respiração que funciona como via de mão dupla. E na ioga, utilizamos a respiração para alterar emoções e estados mentais.
Yoganidra (relaxamento) também envolve redução no eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA), reduzindo os níveis de alerta, estresse e ansiedade. Além disso, a meditação produz a ativação de áreas específicas do cérebro que contribuem para a redução dos níveis plasmáticos de hormônios do estresse e aumento nos níveis de neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar, calma e equanimidade.

Olhar Virtual: Os efeitos dessa prática não seriam mais preventivos do que corretivos?

Camila Vorkapic: No decorrer da prática de ioga, o paciente ou aluno geralmente passa por um processo de psicoeducação, semelhante ao utilizado na terapia cognitivo-comportamental (TCC). No entanto, essa “reeducação” envolve o apronfudamento na filosofia e psicologia orientais, instruindo e educando o paciente sobre a natureza de seus pensamentos e comportamentos. Aprende-se a viver no presente e aceitar os pensamentos com um sentimento de abertura, sejam eles bons ou ruins.
Quando o paciente aprende sobre a dinâmica de sua própria mente e consegue corrigir pensamentos distorcidos e não reais, aliando essa educação a práticas poderosas de ioga, esses efeitos podem sim ser corrigidos. Talvez seja por isso que indivíduos que praticam alguma técnica contemplativa sejam menos propensos a desenvolver transtornos de ansiedade e humor. Nesse caso, as práticas tiveram efeitos preventivos. 

Olhar Virtual: Respiração. Como ela pode ajudar no momento de crise?

Camila Vorkapic: Exercícios respiratórios (pranayama) parecem ser os que exercem maior influência em estados de ansiedade e humor, justamente pela notória relação das emoções com a respiração, como dito anteriormente A regulação respiratória depende de uma série de mecanismos involuntários, podendo ser realizada sem a interferência do controle voluntário. Assim, as características da respiração se ajustam de acordo com as emoções. Entretanto, é possível alterar voluntariamente seu ritmo, frequência e profundidade com a prática desses exercícios. As técnicas respiratórias ensinam justamente esse controle voluntário, exercendo influência em mecanismos involuntários que regulam a respiração e o sistema cardiovascular, podendo modular a interação entre sistema nervoso simpático e parassimpático, e consequentemente o eixo HPA. Tais exercícios estimulam o sistema nervoso autônomo com a finalidade de inibir o sistema nervoso simpático e estimular o sistema nervoso parassimpático. O resultado disso, em curto e longo prazos, é uma redução imediata nos níveis de ansiedade e estresse. Da mesma maneira que a respiração muda (rápida e superficial) em decorrência de um estado mental alterado (crise de pânico), utilizamos a própria respiração para influenciar “de volta” nosso estado mental. Utilizadas corretamente, as práticas podem até interromper o início de uma crise de pânico. Existem diversos tipos de pranayamas (e as pessoas devem ter cuidado para não utilizar o respiratório incorreto, daí a relevância de um profissional competente), mas recomenda-se que durante as crises de pânico os pacientes utilizem a respiração diafragmática e os chamados respiratórios tranquilizantes como o nadi sodhana (respiração alternada).

Olhar Virtual: Você realiza pesquisa com grupos de voluntários? Como são as atividades?

Camila Vorkapic: Sim, durante a pesquisa, grupos de voluntários previamente diagnosticados com transtorno de pânico submetem-se a sessões de ioga semanalmente, durante dois meses. Posteriormente, esses pacientes frequentam sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC) de duração e frequência iguais. Desta maneira, podemos comparar a efetividade das duas intervenções na redução dos sintomas de ansiedade e pânico.  

Olhar Virtual: Quais os resultados preliminares?

Camila Vorkapic: Ainda não fizemos a análise final de dados, já que a pesquisa ainda está em andamento. No entanto, podemos observar melhora significativa nos sintomas físicos e na mobilidade dos pacientes (agorafobia). Além disso, observamos também que a prática de ioga foi capaz de transformar o estilo de vida de diversos voluntários. Uma curiosidade é que muitos deles continuaram a praticar ioga mesmo após o término dos dois meses de estudo. 

Olhar Virtual: Muitos especialistas dizem que o pânico não tem cura. Pode-se, porém, atenuar a constância das crises apenas com ioga? E os ansiolíticos e antidepressivos?

Camila Vorkapic: Segundo a perspectiva da psicologia oriental, ioga é capaz não só de atenuar a magnitude e constância das crises de pânico, como também curar o transtorno. Existem diversos estudos que comprovam a eficácia de técnicas contemplativas no tratamento de transtornos de ansiedade. Porém, é importante lembrar que tais práticas não são uma pílula mágica, elas requerem muito mais esforço e demoram mais para fazer efeito. Os efeitos, no entanto, são mais duradouros e significativos quando os indivíduos aderem integralmente à prática.   
Ansiolíticos e antidepressivos são indicados na maioria dos casos. Na ioga, trabalhamos com o princípio da individualidade. Muitas pessoas devem fazer uso de medicamentos, especialmente nas fases agudas do transtorno. Outras, entretanto, podem sentir-se mais seguras  aos poucos e, com acompanhamento médico, interromperem o uso. As práticas de ioga pode ajudar bastante durante esse processo.
 

Olhar Virtual: Para superar a ansiedade e o pânico, é necessário que o paciente mude sua rotina e sua forma de lidar com a vida? Como fazer isso? Em que a ioga auxilia nessa mudança?

Camila Vorkapic: Sim, principalmente na maneira como ele interpreta seus pensamentos e eventos mentais, como dito anteriormente. A ansiedade surge porque pensamos de maneira distorcida e nos “prendemos” a nossos pensamentos como se eles fossem a própria realidade, quando na verdade geralmente representam uma fantasia. Sendo assim, a primeira mudança no estilo de vida acontece internamente, na própria mente. Quando entendemos como funciona a dinâmica de nossa mente, pensamentos, comportamentos associados e emoções, conseguimos interpretar eventos externos de maneira mais positiva, o que representa uma mudança extremamente benéfica em todas as áreas da vida do indivíduo.

 

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