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Edição 298      9 de junho de 2010


Olho no Olho

A polêmica do som

Aline Durães e Márcia Guerra

Ilustração: Caio Monteiro

A poucos dias do início da Copa do Mundo da África do Sul, um objeto vem dividindo a atenção da mídia com atletas e seleções. A vuvuzela, artefato sonoro semelhante a uma corneta com cerca de um metro de comprimento, é frequentemente utilizada por torcedores sul-africanos nas partidas de futebol e tem sido alvo de debates entre jogadores, jornalistas e a Federação Internacional de Futebol (Fifa).

Alguns times e equipes de televisão argumentam que o som estridente emitido pela vuvuzela, parecido com o de uma sirene de ambulância, atrapalha a concentração dos atletas, além de interferir na transmissão dos jogos. As reclamações levaram autoridades da Fifa a cogitar a proibição do uso do objeto em estádios durante a Copa.

Pesquisas recentes, realizadas por uma fundação europeia, evidenciaram que o barulho produzido pela vuvuzela é mais alto do que o de uma motossera. Engenheiros brasileiros comprovaram também que o objeto sul-africano emite 114 decibéis, ruído superior ao emitido por helicópteros (98 decibéis) e caminhões (92 decibéis).

Para muitos, entretanto, a vuvuzela é uma expressão legítima da cultura sul-africana e, como tal, deve ser respeitada. Para debater a questão, o Olhar Virtual entrevistou Jorge Emanuel Barreto, coordenador e professor do Projeto Educação Esportiva da UFRJ, que, há dois anos, ensina futebol para jovens de comunidades de baixa renda, e Bernardo Buarque de Hollanda, sociólogo formado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). Confira.

Jorge Emanuel Barreto, coordenador do Projeto Educação Esportiva da UFRJ

O futebol sempre foi um esporte de massa e emoção, sempre se pautou pela democracia. Para participar basta ter talento, independentemente de cor, credo ou conta bancária. Apesar disso, a “cartolagem”, a burguesia do futebol, há tempos, vem tentando afastar os torcedores e sua alegria dos estádios, a começar pelo preço dos ingressos, que é absurdo até mesmo nos campeonatos regionais.

Muitas decisões do dia a dia do futebol, inclusive horário e dia de jogos, são pautadas pela mídia. Outro dia, vi uma partida internacional de futebol, na qual um narrador esportivo brasileiro, como se o esporte fosse propriedade exclusiva dele e de seu patrão e não uma propriedade coletiva universal, reclamava o tempo todo do som das vuvuzelas. Pior, porém, que as vuvuzelas eram as insistentes “cornetadas” dele.

Sou contra a proibição desse objeto. Futebol é isso: interação da torcida, vibração em um drible, é alegria, é emoção, é gol, é povão. A torcida pode ser um elemento incentivador para o time, mas isso vai depender de cada jogador. Em esportes de alto rendimento, como o futebol, o atleta é preparado psicologicamente, desde as divisões de base, e aprende a lidar com pressões externas. Se o jogador não tem uma boa preparação, dificilmente saberá lidar com a pressão da torcida.

A verdade é que, com ou sem vuvuzela, apitaço, vaias ou aplausos, jogadores preparados irão desempenhar bem seus trabalhos. E, em contrapartida, a torcida deve sempre expressar sua emoção com alegria ou não, dentro do direito que lhe é permitido, sem violência e com respeito ao próximo.

 

Bernardo Buarque de Hollanda, sociólogo formado pelo Instituto de Filosofia e Ciências (IFCS) da UFRJ


Um aspecto interessante do futebol é que podemos incluí-lo nas artes de espetáculo. Ele nasce no final do século XIX, junto com o cinema e com outro tipo de teatro que surgia, e é feito para um grande público. Ao contrário das outras artes espetáculo, o futebol incorporou a participação do espectador ao longo do desenvolvimento da cena, no caso, do jogo. Ele vai fascinar pessoas como o dramaturgo Bertold Brecht, que via como essa participação contínua permitia o envolvimento ativo do espectador ou do torcedor, o qual tinha uma espécie de papel na definição daquilo que acontecia no palco ou no campo de jogo.

O público inicial de futebol era um público de elite. Portanto, havia formas mais contidas de participação. Com a massificação do esporte, formas mais hostis de intervir no jogo surgiram, a exemplo das vaias e do uso dos palavrões. Por isso, nos anos 1940, criaram-se as torcidas organizadas, no intuito de organizar a participação de uma maneira coletiva. Com o tempo a torcida organizada cresceu e começou a influenciar de forma mais direta o jogo.

No século XXI, estão aparecendo formas de conter a participação do torcedor que estão modificando sua relação com o jogo. O tipo ideal de estádio agora é um estádio de porte pequeno e médio, onde o torcedor está atomizado numa cadeira com um número e setor específicos, e não pode mais circular livremente como antes. A polêmica em torno dos instrumentos sonoros tradicionalmente utilizados na África do Sul vem justamente dessa tentativa de enquadrar a participação do torcedor que até então era espontâneo.

No Brasil, há cenas pitorescas da participação do público com instrumentos musicais, a exemplo do folclórico torcedor vascaíno Domingos Ramalho que usava um talo de mamoeiro como um berrante na arquibancada do Vasco durante as décadas de 1950, 60 e 70. Havia, também, torcedores que levavam sinos, triângulos, entre outros. Tudo isso tinha a ver com essa certa liberdade de ir e vir do estádio, que está agora sendo cerceada, através da tentativa, por exemplo, de medir o som dos instrumentos e o ponto em que ele pode ser prejudicial para o desenvolvimento da partida. Em parte, acho que se perde pela criatividade, pela capacidade de fazer a diferença. E, em parte, essa atitude pertence à nova forma de como o futebol está se organizando na contemporaneidade.

A primeira Copa no continente africano, na África do Sul, assim como a experiência no continente asiático em 2002, está permitindo que o mundo conheça outras formas de torcer. Essas presenças no cenário do futebol mundial são interessantes para que se perceba a diversidade de formas de participação de público e os elementos culturais específicos de cada país. A Argentina, na Copa de 78, levou e arremessou milhares de papéis picados. Na copa de 50, no Maracanã, a Europa ficou impressionada com a carnavalização das torcidas cariocas. Já as vuvuzelas, são emblemáticas de uma especificidade sul-africana que até então era pouco conhecida.

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