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Edição 296      25 de maio de 2010


Ponto de Vista

Mediador legítimo da questão nuclear

Daniela Magioli

Ilustração: Caio Monteiro

O Brasil ganha cada vez mais destaque internacional pela atuação na política externa. A mediação brasileira no acordo entre Irã e Turquia, porém, dividiu opiniões. Por um lado, alguns criticaram a iniciativa, dizendo que o acordo feito não deveria ser considerado e defendem as sanções da ONU ao país oriental. Por outro, há aqueles que aprovam os esforços da diplomacia brasileira, colocando o acordo como uma vitória nacional.

Em soma a esse dilema paira a questão da não assinatura do Protocolo Adicional ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O país está correto em preservar parte de sua privacidade ou seria esse um posicionamento não pacifista? Todos esses impasses são naturais em meio a transformações na política do país e devem ser analisados com cuidado para que se possa chegar a respostas esclarecedoras.

Para discutir o assunto e abordar algumas dessas questões, o Olhar Virtual entrevistou a professora Sabrina Evangelista Medeiros, da Escola de Guerra Naval e do Programa de Pós Graduação em História Comparada da UFRJ.

Olhar Virtual: A mídia aparenta defender uma submissão do Brasil aos interesses norte-americanos, colocando a mediação brasileira no caso do Irã como um "acordo nuclear". Como interpretar a posição do governo atual, frente ao acordo iraniano e à recusa ao Protocolo Adicional?

Sabrina Medeiros: Concordo plenamente que isso tenha sido feito pela imprensa brasileira. De forma geral, o dispositivo de garantia da intenção de não execução de armas nucleares já está estabelecido na Constituição. O Brasil é um dos poucos países que possui tal dispositivo na Constituição claramente, logo tem mais legitimidade para requerer um papel de mediação no cenário internacional. Essa legitimidade não pode ser confundida com a resistência brasileira da assinatura do Protocolo Adicional, que colocaria o Brasil em uma posição de submissão ao sistema e de perda de soberania.  Além de ter um dispositivo constitucional, o Brasil tem instalado dentro das suas instituições militares câmeras de verificação da própria agência (AIEA), o que já nos garante legitimidade suficiente.

É verdade que algumas posições brasileiras são arriscadas, do ponto de vista diplomático. Mas elas o são porque o Brasil tem uma tradição pacifista, mas que podemos chamar de pragmática, e uma estratégia que não é só cooperativista clássica, mas também dissuasória, baseada no multinacionalismo. Alem disso, o estímulo a uma política regional de confiança mútua e de transparência, revigora ainda mais o que chamamos de política pacifista brasileira.

A medida não foi totalmente irresponsável, embora alguns críticos atribuam dessa forma. O Brasil não discutiu o direito de veto, assim, deixou de contestar a existência majoritária dos cinco detentores ao mesmo tempo em que se disponibilizou a ser um deles. Logo, nesse sentido, o Brasil não toma uma iniciativa de igualitarismo. Embora, particularmente, eu ache que o Irã não é um ator confiável, acho legítima a mediação brasileira, não era para ela ter sido desqualificada publicamente como foi.

É natural que, embora com uma política externa democrata, os EUA resistam, pois há uma perda de seu protagonismo. No entanto, como a resistência foi colocada antes mesmo do acordo fechado, vê-se que essa resistência é centrada na mediação brasileira e não no acordo em si. Desse modo, defendo a legitimidade brasileira de fazer a mediação, o Brasil tem vislumbrado oportunidades e se esforçado. No entanto, o acordo em si é frágil, pois não tem garantias institucionais do próprio agente (AIEA). Era necessário que houvesse a presença de agentes neutros, inclusive da agência. É ingênua a crença no cumprimento desses acordos. Nesse sentido a política externa acabou por ser esvaziada. Na ausência de argumentos institucionais fortes, ela foi qualificada como ingênua. Há o perigo da perda de capital estratégico.

Assim como a mídia brasileira tem discordado da política nacional, a mídia americana também tem criticado muito a política externa americana. Principalmente por Obama sair da discussão e colocar na linha de frente a Hillary Clinton.

Olhar Virtual: Por que é tão importante para o Brasil que as sanções da ONU ao Irã sejam suspensas?

Sabrina Medeiros: Os interesses brasileiros são objetivos, tanto relacionados ao comércio com o Irã, que acontece desde o regime militar, quanto aos acordos bilaterais. O acordo comercial é muito importante tanto para a balança nacional brasileira, quanto para a iraniana. Há os acordos bilaterais de interesses mútuos, principalmente na área de prospecção de petróleo em águas profundas. Há interesse na troca de informações entre técnicos para o aumento da produtividade em águas profundas, tanto na Petrobras, quanto na produção iraniana. Além disso, ao Brasil interessa mediar e ganhar projeção internacional. E, em última instância, é importante para o Brasil agora que qualquer retaliação às sanções não recaiam mais sobre nós e, sim, sobre as lideranças, principalmente dos EUA.

Olhar Virtual: O governo brasileiro prevê a ampliação da produção de energia nuclear no país. Qual deve ser a política externa do país para garantir maior autonomia da política nuclear nacional?

Sabrina Medeiros: A garantia vem com a Estratégia Nacional de Defesa (END), que tem como prerrogativa uma realocação estratégica do país, que é a da tecnologia dual. A ideia é o desenvolvimento das capacidades militares, por objetivos de projeção internacional e de defesa do território nacional, seguido pela transferência dessa tecnologia para o uso civil, que deve ser sempre o objetivo final. A transferência de tecnologia é um dos principais pressupostos do nosso desenvolvimento.

Outro pressuposto é a garantia de uma alternativa de energia limpa e em larga escala, para a diversificação das fontes energéticas. Assim como, por exemplo, a França é um dos poucos países europeus que fica livre das limitações russas das leis de transmissão de gás, pois possui uma política nuclear altamente eficiente.

Acordos de cooperação também são meios para o Brasil ampliar seu desenvolvimento. Pois eles garantem maior qualificação à tecnologia nacional em diversos fatores, como o do manejo do lixo nuclear. É por meio desse tipo de avanço que o Brasil deve desenvolver sua política nuclear. Colocando-nos em uma posição de menor dependência internacional.

 

Olhar Virtual: A Professora afirmou que o Protocolo Adicional constituiria, sim, uma  violação à soberania nacional. Que efeitos esse tratado teria sobre a economia nacional caso fosse assinado pelo Brasil?

Sabrina Medeiros: De fato, ele foi colocado desse modo, na ocasião da sua não assinatura. Por se tratar de uma questão da ordem da opinião pública, acredito que dificilmente ele seria assinado sem que houvesse grandes discussões. O tratado representaria uma série de submissões na cadeia produtiva, as quais o Brasil não está disposto a acatar. Os vetores produtivos precisam das inovações para colocar o Brasil em uma posição de diversificação econômica e de desenvolvimento. Do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, por exemplo, determinadas experiências cientificas e da área da saúde, poderiam estar ameaçadas diante dessa assinatura.

Além disso, não há necessidade real da assinatura do protocolo, a não assinatura dele não arriscaria o posicionamento pacifista do país, como querem dizer alguns, o que faz com que o Brasil não se interesse em fazer dessa questão uma prioridade, dando maior relevância ao desenvolvimento de outros acordos e compromissos. 

 

Olhar Virtual: O governo brasileiro queixa-se de que as potências nucleares não cumprem a promessa de reduzir arsenais. É possível controlar essa questão?

Sabrina Medeiros: De acordo com o governo Obama houve redução, mas não há como comprovar. Esse tipo de informação deve ser garantido por medidas de confiança mútua e de transparência dos processos. As de medidas de confiança mútua, que foram um tema muito presente durante a Guerra Fria, devem ser utilizadas para amenizar o chamado dilema da segurança, que parte de uma sinalização de risco de determinado ator, que pode levar outros atores a interpretar esse risco como uma preocupação para si, gerando um reaparelhamento dos sistemas de defesa do mundo. O Brasil, que hoje reestrutura suas forças armadas pode, mesmo contra vontade, sinalizar um risco aos outros países. Embora o país esteja ciente disso, mas não há nada que se possa fazer para evitá-lo.

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