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Edição 278      01 de dezembro de 2009


De Olho na Mídia

Do Planalto para as telas

Aline Durães


No dia 1º de janeiro de 2010, o cinema nacional vai vivenciar uma experiência inédita: nunca antes na história do audiovisual brasileiro, um filme narrou a biografia de um presidente da República ainda vivo. Lula, o filho do Brasil, dirigido por Fábio Barreto, conta a trajetória de vida de Luiz Inácio Lula da Silva, desde a infância pobre em Pernambuco até o início de sua carreira sindical, no ABC paulista. 

A obra, pré-lançada no último dia 17, na abertura do Festival de Cinema de Brasília, traz às telas alguns dos momentos cruciais da vida do ex-metalúrgico: a migração para São Paulo, a difícil convivência com o pai alcoólatra, a perda da primeira esposa e do filho, o segundo casamento, o começo da militância política. 

Segundo os produtores do filme, que possui o maior orçamento da história do cinema brasileiro, cerca de 16 milhões de reais, não há verbas de governos ou estatais nem patrocínios vinculados às leis de incentivo, aqueles em que o apoiador paga menos imposto depois de financiar a produção. O diretor Fábio Barreto, durante a sessão de pré-estreia, classificou a obra como um "melodrama épico" e enfatizou também que não há qualquer ideologia política nela. 

Embora ainda não tenha sido lançado no circuito comercial, Lula, o filho do Brasil vem suscitando polêmica. A crítica principal, tecida, em especial, pelos partidos de oposição ao governo, é a de que o filme se constitui em uma arma política para as eleições do ano que vem. Para Elizabeth Rondelli, professora da Escola de Serviço Social, o fator preocupante da obra é a imagem positiva, mítica e religiosa que ela parece sugerir de Lula. “O próprio título, Lula, o filho do Brasil, o associa a Cristo, o Filho de Deus, e o singulariza como ninguém. Poderia ser, Lula, filho do Brasil, o que significaria que ele é um dos possíveis frutos deste país como qualquer um dos 185 milhões de brasileiros. Mas como é ‘O Filho do Brasil’, é como se ele fosse o único fruto possível e ímpar em relação a todos os outros. Ou seja, pequenas sutilezas da língua que fazem as grandes diferenças”, aponta. 

A pesquisadora lembra que o Brasil já produziu peças cinematográficas sobre a vida de outros presidentes, entre eles Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas, mas todas as narrativas foram contadas após suas mortes e abordavam suas trajetórias políticas. Ela sublinha ainda que o Brasil elegeu, em outros momentos históricos, homens de origem humilde para cargos políticos importantes, mas que, ao contrário do que acontece com o filme sobre Lula, não se utilizaram deste passado “para comover crentes ou eleitores”. “JK foi um presidente que teve infância humilde no interior de Minas e se tornou presidente sem ter apelado para suas carências pregressas. Afirmar-se pela pobreza que passa a ser exaltada e até espetacularizada parece ser um sinal dos tempos em que um certo  modelo de populismo anda à espreita”, opina. 

Embora se trate de um indivíduo que se tornou público graças à sua atuação política, o foco do filme não é a carreira de Lula, mas sim episódios de sua vida pessoal e familiar. Na opinião de Rondelli, essa iniciativa pode contribuir para o retorno do atual presidente ao Palácio do Planalto em 2014. “É muito provável que seja candidato em 2014 e, nesse sentido, o filme pode ajudar a pavimentar o caminho. Além disso, o apoio à candidatura de seu partido para a eleição presidencial de 2010 é explícito. Portanto, associar o filme ao uso da máquina do governo federal traz uma grande vantagem, da qual não desfruta nenhum outro partido ou candidato da cena política contemporânea. Visualiza-se, assim, um projeto partidário de manutenção no poder por mais 16 anos, que, somados aos quase oito já percorridos, daria a ele e ao seu partido 24 anos na Presidência”, ressalta. 

Além disso, a professora acredita que o filme pode “transferir” parte do carisma de Lula para Dilma Roussef, possível candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) às eleições presidenciais de 2010. “Sabe-se que a candidata preferencial do presidente nunca disputou uma eleição e que não tem carisma político algum. A tentativa é fazer transferência de carisma, em que um tem muito e o outro não tem nada; então se doa a parcela de um para outro. Isso pode funcionar para aumentar os índices da candidata, mas nada é definitivo em eleições. Porém, um presidente que sai e apoia outro que entra pode, sim, alavancar votos para o seu escolhido. A novidade aqui é utilizar um filme para arrebanhar mais carisma a ser investido no sucessor”, finaliza.

 

 

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