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Edição 271      14 de outubro de 2009


Entrelinhas

Patrimônio e tombamento como construção do Estado brasileiro



Thor Weglinski


O livro Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil, de Márcia Regina Romeiro Chuva, busca fazer uma análise do início das atividades de tombamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro, a partir da criação do então denominado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em 1937, durante o Estado Novo. A publicação fala da importância dos tombamentos pelos seus valores de “invenção” do patrimônio e da identificação nacional.

O interesse pelo trabalho explica-se pelo fato de Márcia ter trabalhado, entre 1985 e 2009, nas áreas de documentação e referência, especialização e patrimônio e no setor de inventários do hoje rebatizado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A autora é graduada em História pela UFRJ e doutora, também em História, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Márcia participou ainda do Laboratório de Pesquisa em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced/UFRJ) e do Núcleo de Pesquisa sobre Estado e Poder no Brasil (UFF). O Olhar Virtual conversou com Márcia sobre o assunto. Leia a seguir a entrevista com a autora:

Olhar Virtual: Qual é o principal tema do livro?

Márcia Regina: O livro fala da gênese das práticas de preservação do patrimônio no Brasil, com a criação do Sphan no Estado Novo. O Sphan estava inserido no Ministério da Cultura e da Educação, formado por um grupo de intelectuais ligados a uma vertente dos modernistas, que irão definir patrimônio cultural, histórico e artístico como uma cara da nação brasileira. Os intelectuais irão divulgar essa feição, que é naturalizada pela população por meio de revistas, rádios, livros didáticos, e isso é entendido no estudo como parte do processo de construção da nação e do próprio Estado brasileiro.

Olhar Virtual: O que a fez  escrever o livro?

Márcia Regina: O livro é fruto da minha tese de doutorado em História na Universidade Federal Fluminense (UFF), “Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil – anos 30 e 40”, em 1998. Comecei a estudar os temas patrimônio, preservação e tombamento quando trabalhei no Iphan. Como funcionária do Instituto, passei a me perguntar as razões de o Estado tombar ou preservar determinada casa ou prédio, quem diz o que é patrimônio para a população, em que momento fez sentido, quem eram os atores que determinavam a preservação. Por isso abri esse caminho de investigação e me formei no campo de pesquisa em patrimônio.

Olhar Virtual: E quais respostas  encontrou?

Márcia Regina: Discutir Estado é discutir poder. Quando eu escolho analisar a constituição de uma agência do Estado (Iphan/Sphan), eu estou tentando pensar como  a administração pública funciona para ter  maior controle sobre a população até nos gostos. Quando a agência define que a arquitetura barroca de Minas Gerais tem um valor positivo e contém as origens da nação brasileira, está estabelecendo padrões civilizatórios e de gosto para a população brasileira. O poder que o Estado tem de criar mecanismos para estabelecer gostos e valores será discutido nesse trabalho.

Olhar Virtual: O livro é também um divulgador de cultura?

Márcia Regina: Sim, pois na medida em que a publicação mostra o que foi valorizado como patrimônio cultural no Brasil, em certo momento, e se reproduz até hoje, entende que é papel do Estado o trabalho de atribuição de valor a bens culturais, e por isso o livro é um estudo que valoriza a cultura brasileira.

Olhar Virtual: O tombamento é uma forma de valorização da identidade nacional?

Márcia Regina: O tombamento é um instrumento jurídico que protege um bem material. A capacidade de construir uma identidade dependerá de como  será feito, se representa grupos de interesses que querem se afirmar enquanto parte da cultura brasileira. Caso o Estado se isole na tarefa de tombar, ele poderá impor valores que não encontrarão ressonância no campo social. A decisão sobre tombamentos e preservação deve ser pelo conjunto sociedade e Estado, o que nunca foi feito.

Olhar Virtual: A senhora participou do Laboratório de Pesquisa em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced/UFRJ) e do Núcleo de Pesquisa sobre Estado e Poder no Brasil (UFF). Essas atuações tiveram alguma influência na construção do livro?

Márcia Regina: A participação no Núcleo de Pesquisa sobre Estado e Poder no Brasil sim, pois a discussão do livro está relacionada a essa pesquisa, já que fala do papel do Iphan/Sphan, uma agência do poder do Estado. O Laced é mais relacionado com a minha vida profissional dentro do Iphan, quando participei de pesquisas sobre inventários de referência culturais e inventários de sítios urbanos tombados.

Olhar Virtual: A sociedade brasileira tem conhecimento da importância da preservação e do tombamento?

Márcia Regina: Hoje em dia existe uma apropriação bem ampla do que é o tombamento e sua função de proteger a memória nacional e a cultura brasileira. Existem muitos conflitos em relação ao tema, porque ele interfere na propriedade privada. Os direitos da propriedade ficam limitados quando você tem o seu imóvel tombado. A preservação do patrimônio cultural interage com muitos setores, como, por exemplo, meio ambiente ou propriedade, e várias relações serão tensas.

 
Olhar Virtual: Como a senhora acha que a preservação cultural está sendo gerenciada atualmente?

Márcia Regina: A política na área do patrimônio após a Constituição de 1988 teve um avanço muito significativo, porque incluiu na preservação o patrimônio imaterial: práticas culturais, festas populares. Logo, há uma ampliação significativa do que se entende por patrimônio brasileiro atualmente. A ideia de cultura inclui uma série de bens e práticas que antes, na visão do Estado Novo de Vargas, não eram considerados.

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