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Edição 223      30 de setembro de 2008


Entrelinhas

Um jornalista e sua cidade

Sofia Moutinho – AgN/Praia Vermelha

capa do livro

Relembrando o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro do início da década de 1970 e um de seus ilustres personagens do meio jornalístico, o livro Luiz Carlos Sarmento - Crônicas de uma Cidade Maravilhosa, publicado pela editora E-papers em setembro, é uma coletânea de reportagens e crônicas deste repórter que trabalhou em alguns dos principais jornais e revistas do país, dentre eles Correio da Manhã, O Globo, Realidade, Fatos e Fotos e Manchete. Organizado por José Amaral Argolo, jornalista, professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO) e integrante do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra, e Gabriel Collares Barbosa, também jornalista e professor da ECO, a obra é fruto de quase 13 anos de trabalho iniciados em 1995, com o falecimento de Sarmento devido a um ataque cardíaco.

Famoso por suas matérias policiais, Sarmento é conhecido por ter sido uma figura ímpar nas redações e simbolizar o já quase extinto fazer jornalístico de uma época em que, segundo os autores, o Jornalismo era sinônimo de liberdade e ainda não tinha perdido sua essência por submeter-se à engenharia de produção das grandes corporações midiáticas.

O livro, além das crônicas e reportagens do homenageado, traz uma série de depoimentos de jornalistas que conviveram com ele, como Zevi Ghivelder, Carlos Heitor Cony, Lago Burnett e de sua esposa, Aleina Sarmento. Em entrevista ao Olhar Virtual, Gabriel Collares contou alguns aspectos da coletânea e da visão de mundo de Luiz Carlos Sarmento.

Olhar Virtual: Como surgiu a idéia de fazer o livro?

O outro autor, José Amaral Argolo, soube da morte do Sarmento, em 1995, através de amigos, já que não foi noticiada pela grande imprensa, e eu fui fazer uma entrevista com a viúva, que ainda estava muito sentida. Quando ela soube que nós queríamos prestar esta homenagem a ele, nos forneceu algumas fotos e material de arquivos, e a partir daí achamos que seria mais interessante, em vez de fazer uma biografia, falar um pouquinho do Sarmento através das coisas que ele produziu e publicou na imprensa. Daí surgiu a idéia deste livro, que é uma coletânea de crônicas e melhores reportagens, sendo que a introdução traz também depoimentos de várias pessoas que conviveram com ele. São relatos impressionantes sobre o talento de Luiz Carlos Sarmento.

Olhar Virtual: Como foi a fase de pesquisa e coleta de material?

A viúva forneceu muito material e também tivemos um trabalho enorme de pesquisa. Fomos à Biblioteca Nacional, no setor de microfilmagem, e tivemos que digitar todos os textos e escanear fotos. Neste livro, há três ou quatro fotos, mas temos umas 50 fotos dele. Houve também um grande trabalho de diagramação feito por nós. A editora só fez uma última revisão e imprimiu a obra. Também fizemos a capa, um dos pontos altos da obra.

Olhar Virtual: Quais foram os critérios de seleção dos textos?

O Sarmento publicava diariamente, ele tinha muito material, e nós procuramos selecionar isso através da leitura em conjunto para escolher as melhores crônicas. Embora a gente tenha priorizado no livro os anos 1969, 1970 e 1971.

Olhar Virtual: Há um motivo especial para a escolha destes anos?

Pareceu a nós que este foi um período mais vivo, mais fértil, de crônicas mais interessantes.

Olhar Virtual: Qual o tema maior por trás da coletânea de textos?

O livro é um retrato de uma época que não volta mais, retrato também de um fazer jornalístico singular onde havia mais envolvimento do repórter. No final de sua vida, nos anos 90, quando houve o processo de informatização dos jornais e as próprias empresas jornalísticas foram se parecendo mais com uma maquinaria industrial com metas de circulação e vendas a serem cumpridas a qualquer preço, Sarmento sentiu a redação mais fria, pasteurizada, sem tanto envolvimento e calor humano. Isso o chocava muito. Essa obra é um resgate desse período de reportagens com suor e lágrimas.

Olhar Virtual: A figura do jornalista como Sarmento ainda tem espaço hoje em dia?

Tem, mas cada vez menos devido a este processo de pasteurização, de reportagens sempre iguais e sem criatividade. Hoje o jornalista tem que fazer seu texto dentro daquele formato da pirâmide invertida, com lead e sublead, e se ele fugir um pouquinho disso será chamada a sua atenção porque o texto não se enquadra nos padrões editoriais. Cada vez mais, o jornalista tem que produzir um volume muito grande de reportagens com menos tempo e menos apuração e, portanto, com menos conteúdo e qualidade. Acho que um caminho diferente deste pode ser trilhado pelos repórteres especiais, nestes grandes veículos, ou pela imprensa alternativa, ou nos suportes midiáticos novos, como os blogs na internet. Aí, sim, há espaço para jornalistas como ele, que não se preocupam tanto com a venda e tiragens e sim em produzir uma boa reportagem pensada como elemento de transformação social.

Olhar Virtual: Luiz Carlos Sarmento era uma figura jornalística peculiar e criativa, escrevia algumas notícias inventadas e sem apuração e ainda assim é considerado um grande jornalista. Por quê?

Essa é uma outra faceta do Sarmento. Ao mesmo tempo em que ele sabia e fazia reportagens policiais muito bem apuradas e sem nada inventado, ele também criava factóides, algumas matérias e reportagens que não iam fazer mal a ninguém, como foi “O caso do gavião da Mesbla”. Um gavião que ele inventou que estava matando todos os pombos da Cinelândia e tinha um ninho no alto da torre do prédio da antiga Mesbla. Teve tanta repercussão que houve um membro da realeza européia que veio ao Brasil e, sabendo da história, fez uma campanha pela defesa do gavião que as pessoas queriam matar. Pessoas se colocavam com binóculos para ver se achavam o gavião e não havia gavião nenhum. Eram histórias amenas que ele criava, mas, em matérias de outras editorias mais sérias, ele era de um rigor absoluto.

Olhar Virtual: Há alguma reportagem ou crônica do livro que seja sua preferida?

Eu gosto de todas as crônicas. Há algumas que, ao ler, você se sensibiliza pelo lirismo e doçura muito grandes, e se nota realmente o compromisso que ele tinha com as pessoas mais humildes. Eu sugeriria uma série de crônicas sobre o Natal em que ele critica o consumismo, a figura do Papai Noel e a perda dos verdadeiros valores da festividade. Todas as crônicas são muito interessantes.

Olhar Virtual: Quem é o leitor-alvo do livro?

Esse livro é muito interessante porque ele não interessa só ao pessoal de Jornalismo ou Comunicação ou pessoas que conviveram com ele, mas às pessoas que querem reviver um momento da nossa cidade em que ela ainda podia ser chamada de cidade maravilhosa, época em que ainda não havia metrô e os bondes faziam a integração entre os bairros.

Olhar Virtual: Qual a razão da escolha do título Crônicas sobre uma cidade maravilhosa?

O livro tem bem a ver com o período que o Sarmento tenta retratar nas crônicas e reportagens, uma época que deixou saudade para muita gente. O título foi pensando porque o livro tenta recontar um pouco da história da cidade maravilhosa sob o olhar de um repórter e cronista do cotidiano

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