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Edição 183      06 de novembro de 2007


Entrelinhas

O corpo como capital

Camilla Muniz

capa do livro

Mirian Goldenberg, doutora em Antropologia Social e professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, acaba de lançar mais um livro. Em continuidade às pesquisas realizadas nas áreas de gênero, desvio, corpo, sexualidade e novas conjugabilidades na cultura brasileira, a antropóloga é a organizadora de O corpo como capital: estudos sobre gênero, sexualidade e moda na cultura brasileira. O livro reúne os estudos de oito antropólogos que foram ou são orientados por Mirian Goldenberg e que analisam a representação do corpo e suas implicações na construção social da identidade masculina e feminina. Os estudos visam ressaltar a importância crescente que a aparência física vem adquirindo na contemporaneidade.
A professora, também autora de Toda mulher é meio Leila Diniz, Nu & Vestido, De perto ninguém é normal e Infiel: notas de uma antropóloga, conversou com o Olhar Virtual sobre o novo livro e contou detalhes de seu próprio artigo neste novo livro.

Olhar Virtual: Diante da relação de identificação do brasileiro com o próprio corpo, o que de inédito o livro pretende mostrar aos leitores?

Mirian Goldenberg: Parto da seguinte idéia para construir o argumento central do livro: se o corpo é a imagem da sociedade, que sociedade é essa representada nos corpos dos brasileiros? Na última década, tenho me preocupado em pensar sobre qual modelo de corpo tem prestígio em nossa cultura e, conseqüentemente, qual é o corpo imitado ou desejado pelas mulheres e, também, pelos homens. O início desta minha preocupação pode ser verificado no livro Nu & Vestido (2002), onde reuni resultados de ampla pesquisa realizada com 1279 moradores da cidade do Rio de Janeiro, analisando seus valores e comportamentos. Nesta pesquisa verifiquei o valor do corpo para os segmentos das camadas médias cariocas. No mesmo livro, reuni pesquisas de antropólogos brasileiros e estrangeiros que tomaram o corpo como questão central na construção da identidade do brasileiro, mostrando as singularidades e complexidades da construção social deste corpo em nossa cultura. Dois anos depois, publiquei De perto ninguém é normal: corpo, sexualidade, gênero e desvio na cultura brasileira (2004), quando dediquei vários capítulos à discussão sobre o papel do corpo nos atuais relacionamentos afetivo-sexuais, nos comportamentos dos jovens, na infidelidade, entre outros. A repercussão dos dois livros, para muito além do mundo acadêmico, revela como a preocupação com determinado modelo de corpo se tornou um marco — talvez o mais importante — destas geração e época.

Olhar Virtual: Como foi o processo de organização e de seleção dos artigos para o livro?

Mirian Goldenberg: Dentre os meus orientandos de mestrado e doutorado do PPGSA, selecionei as pesquisas empíricas que abordam a construção do corpo e da sexualidade no Rio de Janeiro. Marisol Goia, em “Modos e modas de Ipanema”, mostra como este bairro é considerado um emblema da cidade do Rio de Janeiro. Analisa os valores e os estilos de vida de típicos ipanemenses, discute os paradigmas de gênero, de corpo e observa os significados atribuídos aos espaços públicos, notadamente a praia.  Na segunda parte do livro, Corpo e estilo de vida, Cláudia da Silva Pereira, em “Jeito de patricinha, roupa de patricinha”, mostra os resultados de uma pesquisa realizada com meninas-adolescentes de camadas médias do Rio de Janeiro. A gíria, patricinha, é referencial para demonstrar de que forma as adolescentes classificam e hierarquizam a si próprias. Em “Troca de casais: gênero e sexualidade nos novos arranjos conjugais”, Olivia Von der Weid discute as relações afetivo-sexuais entre homens e mulheres na sociedade atual a partir da experiência de casais adeptos do swing, procurando compreender que ideologia de gênero está sendo construída neste meio. Na terceira parte do livro, Corpo e transformação, Andréa Osório, em “Tatuagem de amor”, discute as tatuagens como uma forma de adorno corporal permanente. Entre os usos contemporâneos desta prática, está a “tatuagem de amor” — registrar sobre a pele o nome, as iniciais ou o rosto da pessoa amada. Em “A louridade da loura”, Cesar Sabino busca compreender os sentidos, conferidos por homens e mulheres, à cor e à forma do cabelo nas academias de musculação e fisiculturismo. Na última parte, Corpo e espaço social, Mariana Massena, em “Uma estética da sedução: sensualidade, corpo e moda na dança de salão”, discute as significações sociais das preferências de estilo adotadas pelos dançarinos e o que significa ser homem e ser mulher na dança de salão. Em “Fazendo gênero na escola”, Rodrigo Rosistolato toma por objeto os debates realizados durante o desenvolvimento de um projeto de orientação sexual e as interações sociais ocorridas entre os jovens nos espaços escolares, analisando as dinâmicas de gênero presentes no cotidiano de alunos e professores de uma escola do Rio de Janeiro.

Olhar Virtual: Qual a abordagem específica de seu artigo em "O corpo como capital"?

Mirian Goldenberg: Na primeira parte do livro, Corpo e Rio de Janeiro, apresento o artigo “O corpo como capital”. Nele, analiso a construção social do corpo fundamentada em uma  pesquisa realizada com homens e mulheres das camadas médias cariocas. Discuto a construção dos corpos feminino e masculino em uma cultura que os transforma de “naturais” em cultivados, trabalhados, moldados, malhados, esculpidos. Comparo o corpo das mulheres brasileiras dos anos 60 e 70, livre e grávido de Leila Diniz, ao corpo das mulheres de hoje, prisioneiro de modelos inalcançáveis de juventude e perfeição. No artigo, mostro que o início do século XXI será o lembrado momento em que o culto ao corpo se tornou uma verdadeira obsessão, transformado em um estilo de vida, pelo menos entre as mulheres das camadas médias urbanas. É fácil perceber pelos dados apresentados neste capítulo que as mulheres de maior sucesso, nos dias de hoje, são as modelos, atrizes, cantoras e apresentadoras de televisão, cujo principal capital é o próprio corpo. Estas mulheres adquiriram status de celebridade na última década, carreira invejada e desejada pelas adolescentes brasileiras. Ganharam um “nome”, a partir de seu “capital físico”.

Olhar Virtual: Por que o corpo é capital na sociedade contemporânea?

Mirian Goldenberg: O corpo, no Brasil contemporâneo, é capital, um bem, uma riqueza, talvez a mais desejada pelos indivíduos das camadas médias urbanas e também das camadas mais pobres, que percebem seu corpo como um importante veículo de ascensão social. É fácil perceber a associação “corpo e prestígio” tornada um elemento fundamental da cultura brasileira. Não é de estranhar que se tornasse também um problema de investigação científica para compreender a singularidade de nossa sociedade. Com os estudos apresentados, pretendo contribuir para o aprofundamento desta discussão sobre o corpo brasileiro, com a idéia de que o corpo, no Brasil, é um verdadeiro capital físico, simbólico, econômico e social. Pretendo mostrar, também, a especificidade de uma cultura em que o corpo é um componente fundamental da construção da identidade nacional.

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