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Edição 179      09 de outubro de 2007


De Olho na Mídia

A golpes de facão

Nathália Perdomo

imagem ponto de vista

Muito se fala na produção do etanol como uma contribuição para equacionar os problemas climáticos do planeta. Enquanto isso, questões são levantadas, como o impacto sobre a produção de alimentos, provável afetada pelo crescimento da cultura canavieira.

Os encontros dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush também ganham destaque na mídia, em meio à discussão das taxas dos subsídios agrícolas e muita diplomacia. No entanto, pouco (ou nada) se ouve a respeito dos cortadores de cana-de-açúcar, homens cujos calos nas mãos denunciam o sofrimento e a submisão a péssimas condições de trabalho.

O professor do Instituto de Economia da UFRJ, José Roberto Novaes, coordena um projeto que mobiliza pesquisadores de universidades federais a revelar a saga dos cortadores de cana e seu trabalho intenso, no limite de sua força física, contraindo doenças provocadas pela incessante exploração, como tendinite, infarto e problemas de coluna, entre outras. O salário e os direitos mínimos (carteira assinada), não compensam os riscos e os problemas adquiridos pelo ritmo alucinante de trabalho.

— O Brasil tem um grande potencial para a produção do etanol. A conjuntura é favorável, graças às vantagens competitivas no mercado internacional e à eficiência tecnológica, porém, deve-se pensar também em como os cortadores de cana, diretamente envolvidos para garantir a eficiência do setor, podem se apropriar desse lucro e melhorar suas condições de vida. A mecanização das lavouras tem alterado o perfil dos cortadores de cana-de-açúcar e a nova lógica de produção exige aumento de produtividade.

Dessa forma, o corte manual e as máquinas modernas competem entre si.

— Muitas pessoas acreditam que daqui a 10 anos a máquina vai substituir o facão, no entanto, a mecanização não vai acontecer de forma absoluta, pois, apesar de eficiente, ela tem algumas limitações: a declividade do solo, por exemplo. Além disso, o custo operacional pode chegar a R$ 2 milhões. A partir dessa lógica de gestão e organização, novos critérios e maiores exigências foram impostos aos trabalhadores braçais, remunerados de acordo com a produtividade — em média, R$ 2,70 por cada tonelada — e devem cortar cerca de 10 toneladas de cana por dia, correspondente a 9.800 golpes de facão. A contratação temporária e a mão-de-obra barata são fortes atrativos para os grandes empresários do setor canavieiro.

Uma pesquisa feita pelo professor Novaes indicou que 70% dos cortadores de cana são jovens entre 18 e 29 anos.

— Fizemos um levantamento em 1.269 carteiras profissionais e obtivemos esse dado. Quase todos são migrantes, a maioria vinda de Minas Gerais e da Paraíba. Mas, nos últimos anos, houve um aumento considerável de migrantes maranhenses e piauienses.
José Roberto Novaes diz ainda que devido às dificuldades de acesso à terra no Nordeste, principalmente, e à diminuição do valor dos produtos da roça — meio de subsistência dos agricultores — os trabalhadores são arregimentados nas cidades natais e migram para os canaviais das cidades grandes em busca de oportunidades.

O número de mortes é outra questão preocupante. O professor revela, nas últimas quatro safras foram registrados 20 óbitos.

— A causa mortis: infarto. No entanto, geralmente, não é associada ao excesso de trabalho nos canaviais. Os sindicalistas e movimentos sociais acreditam que sim. Os empresários dizem que não. Mas será que a doença não foi justamente causada pelo desgaste do corpo?
Diante desse cenário, é necessário pensar não somente na flexibilização dos subsídios agrícolas, mas também na flexibilização do trabalho escravo desempenhado por famílias carentes apenas de um “dedinho de prosa” para exigir o mínimo que lhes é negado.

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