Entrelinhas

Dos proletários unidos à globalização

 

Júlia de Marins

Divulgação

 Lançado em abril deste ano, o livro Dos proletários unidos à globalização da esperança: um estudo sobre internacionalismos e a Via Campesina é a publicação da tese de doutorado da professora Flávia Braga Vieira, realizada pela Alameda Editorial. Professora de Sociologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisadora do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN) do Instituto de Psicologia (IPPUR/UFRJ), Flávia apresenta em seu trabalho – orientado pelo professor do IPPUR/UFRJ, Carlos Vainer – um estudo sobre o capitalismo, a globalização e seus impactos sobre as relações sociais, tomando como exemplo a Via Campesina.
Para saber um pouco mais sobre o assunto, o Olhar Virtual conversou com a autora da obra, que pode ser encontrada nas livrarias pelo preço médio de R$ 40,00.

Olhar Virtual: Como foi feita a escolha do assunto de sua tese que deu origem ao livro Dos proletários unidos à globalização da esperança: um estudo sobre internacionalismos e a Via Campesina?

Flávia Braga Vieira:  Desde 1998, eu vinha pesquisando no IPPUR/UFRJ sobre a participação de movimentos sociais em fóruns globais. Para tanto, fizemos uma ampla revisão da literatura sobre a chamada “sociedade civil global”. Incomodava-me muito que toda esta literatura, fundamentalmente produzida nos países centrais, e em especial nos Estados Unidos e na Inglaterra, declarasse que a articulação de povos, grupos e pessoas em escala internacional fosse uma novidade contemporânea, algo que começou nos anos 1980. Parecia-me, então, que o silêncio analítico sobre a tradição internacionalista deveria ser combatido de forma científica e rigorosa. Dediquei meu doutorado a realizar um estudo sociológico sobre a chamada “globalização desde baixo”, mas que buscasse na história os elementos para perceber o que há de verdadeiramente novo e o que é permanência nestas formas contemporâneas de articulação internacional.

Olhar Virtual: Qual o objetivo e a importância desse tipo de estudo?

Flávia Braga Vieira: Toda e qualquer análise sobre a globalização começa afirmando os crescentes índices de internacionalização dos fluxos de capital, financeirização da economia, diminuição do papel do Estado nacional e sua transferência para multinacionais e organizações multilaterais. Eu achei que era necessário estudar  quantos desses processos e dinâmicas internacionais do capital eram realmente novos. Encontrei trabalhos importantíssimos que mostram que os fluxos econômicos internacionais (de mercadorias ou de trabalhadores), experimentados no final do século XIX e começo do século XX, eram muito próximos ao que se verifica hoje.

Olhar Virtual:  Quais foram os principais desafios para desenvolver o estudo e, posteriormente, promover o livro?

Flávia Braga Vieira: A tese foi realizada no IPPUR/UFRJ com bolsa do CNPq, isto é, com os típicos recursos que boa parte dos estudantes de doutorado brasileiros pode acessar. O meu objeto de pesquisa demandava, entretanto, muito mais estrutura. Em um momento me foi perguntado se eu seria capaz de estudar a Via Campesina Internacional, sem viajar o mundo todo, sem dispor de fundos de pesquisa que os estudantes norte-americanos, por exemplo, têm. Eu sempre disse que uma leitura sobre o global não tem que ser necessariamente feita no centro, mas que nós, acadêmicos da periferia, também podemos e devemos observar o global, até porque nosso olhar traz elementos que quem está no centro não pode ver. Então eu fui atrás de outros recursos: da militância, dos contatos e da confiança política.

Olhar Virtual: Na introdução do livro há destaque para os instrumentos metodológicos usados na realização da pesquisa empírica, focada na Via Campesina. Poderia falar um pouco mais sobre o assunto?

Flávia Braga Vieira: Fiz entrevista com gente em muitas partes do mundo através de telefone, Skype e outros programas de internet. Mas certamente minha pesquisa não teria acontecido se eu não tivesse uma história de militância junto aos movimentos da Via Campesina Brasil. Foi a confiança derivada desta relação que colocou militantes das mais diferentes partes do mundo para conversar por uma, duas ou mais horas com uma pesquisadora brasileira atrás de uma linha telefônica ou uma câmera no Skype.

Olhar Virtual: Como e por que foi feita a divisão dos temas no livro?

Flávia Braga Vieira: O livro tem três partes. Os dois primeiros capítulos são a parte do combate. No primeiro capítulo, eu combato a análise dominante sobre a globalização. Eu analiso a globalização como fase contemporânea de um capitalismo mundial, mostrando que ela é desdobramento de processos históricos longos e complexos. No segundo capítulo, eu combato a análise dominante sobre as formas de articulação internacional “desde baixo”, mostrando como essas interpretações estão baseadas em uma experiência muito particular que, por ser produzida no centro, acaba se apresentando como universal.
Já a segunda parte, o terceiro capítulo, é uma tentativa de lançar luz sobre o que é invariavelmente silenciado nas interpretações sobre articulações internacionais: a tradição da esquerda internacionalista. É um capítulo de resgate, que mostra a complexidade das experiências internacionais, globais dos povos, das organizações políticas, dos trabalhadores desde o século XIX.
A quarta parte é o último e mais longo capítulo: a Via Campesina. O meu trabalho é um olhar sobre essa articulação internacional camponesa contemporânea, buscando nela o que há de novo e o que há de permanência em relação às formas históricas de internacionalismo. Eu persegui esta questão ao analisar a Via Campesina. Era o caso bom para pensar a minha questão teórico-analítica. Além disso, eu pude apresentar a história da Via Campesina em português, pois aqui ainda não havia nada publicado.

Olhar Virtual: O trabalho colocado no livro terá continuidade ou relação com algum estudo futuro seu ou do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN) do IPPUR/UFRJ?

Flávia Braga Vieira: Nós não temos hoje uma linha específica de pesquisa sobre globalização, mas em vários projetos este tema aparece como transversal. Eu, particularmente, estou desenvolvendo no ETTERN dois trabalhos de extensão junto ao Movimento de Atingidos por Barragens, que é membro da Via Campesina e através do qual eu cheguei a ela, e que inclui outros movimentos populares em suas múltiplas escalas de ação. Desta maneira, é claro que seguimos investindo nas reflexões que estão presentes no meu livro, e queremos continuar neste combate intelectual-militante.