De Olho na Mídia

Os atentados na Noruega e o real papel da mídia internacional

 

Rafael Gonzaga

 

No dia 22 de julho de 2011, a Noruega passou por um episódio singular de sua história. Uma explosão na zona de edifícios governamentais da capital, Oslo, e algumas horas depois, um tiroteio na ilha de Utoya deixaram a população em polvorosa e chamaram a atenção da imprensa internacional.

A primeira suposição política internacional veiculada pela imprensa foi a de que os ataques tivessem sido realizados por algum grupo terrorista islâmico, e o argumento era o de que a Noruega estava envolvida em ações militares da OTAN no Afeganistão e na Líbia.

O responsável pelo tiroteio em Utoya, porém, foi apreendido ainda na ilha, após matar cerca de 70 pessoas que se encontravam em um acampamento de jovens organizado pela juventude do Partido Trabalhista Norueguês, que atualmente é o partido que está no poder. Após a apreensão em Utoya, o terrorista Anders Behring confessou sua responsabilidade nos atentados que aparentemente ocorreram de forma coordenada. Não era islâmico. Era norueguês.

Um dia depois, a cantora e compositora de fama internacional Amy Winehouse foi encontrada morta em sua casa, situada em Camden, Londres, aos 27 anos de idade. A grande mídia internacional foi então inundada de especulações sobre o motivo da morte da artista, e esse se tornou o foco das manchetes dos principais veículos de comunicação do mundo.

Mas qual foi o motivo do desvio de foco de um atentado de proporções catastróficas para a morte da cantora? Para explicar um pouco melhor o papel da mídia nesse tipo de situação, Franklin Trein, professor do departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ) e coordenador do Programa de Estudos Europeus afirma: “depois da Primeira Revolução Industrial, o sistema capitalista entendeu que, para chegar ao Estado e manter o Poder, a manipulação da opinião pública era necessária, fundamental, indispensável. Assim nasceu a grande imprensa, que não tem outro objetivo a não ser dar sustentação ao poder do capital, de preferência ocupando o Estado. As manchetes dos jornais não têm nenhum compromisso com a realidade, com os fatos; elas são a verdade, ou a verdade é a versão e não os fatos”.

Para o pesquisador, os incidentes que ocorreram na Noruega seriam então legítimos tanto quanto foi a guerra no Vietnã ou mesmo os ataques à Líbia, tão comentados pela mídia internacional. A ideia que a mídia transmite é que esses dois últimos países utilizados como exemplos feriram de forma grave os princípios mais sagrados da Cultura ocidental. “O que ninguém recorda graças à memória política e ideologicamente seletiva da mídia é que, por exemplo, em 1804, pela primeira vez, a marinha norte-americana bombardeou Tripoli, com a louvável intenção de impedir que tribos bárbaras tomassem o poder, vindo preencher a posição das elites árabes subservientes aos interesses capitalistas que já iniciavam um processo de instalação na região. Contudo, sobre o Vietnã todos conhecem a história. O que é necessário na sociedade atual e na de qualquer época é fugir da ideia de receptor passivo, que absorve as informações transmitidas por uma mídia impregnada de conceitos favoráveis ao grupo que detém o poder, sem filtrar, pesquisar e realizar uma analise crítica”, diz Trein.

Por melhor que a história seja contada, não é possível esconder que o Ocidente Europeu e seus descendentes, até mesmo por terem se imposto ao restante do mundo, durante pelo menos o período compreendido nos últimos 500 anos, praticaram talvez mais atrocidades do que qualquer outro segmento da humanidade que se tem conhecimento histórico. O professor Franklin Trein explica que “a Europa só deixou de ser o lugar onde mais se praticou toda a forma de violência depois da II Guerra Mundial. Passou a fazer a guerra em outros territórios: na África colonial, na Ásia onde insistiam em praticar um neocolonialismo. Ao custo de milhões de vidas humanas, a Europa foi derrotada em todos os campos de batalha”.

O terrorista norueguês Ander Behring conclamava a violência contra muçulmanos e comunistas. Em um documento de sua autoria intitulado “2083 - Uma Declaração Europeia de Independência” divulgado na internet, afirma que a elite europeia, "os multiculturalistas" e os "enaltecedores da islamização" deveriam receber punições por conta de seus "atos de traição". O documento também declara a "guerra" contra os imigrantes muçulmanos e contra os favoráveis ao marxismo.

Para o professor Franklin Trein, o que aconteceu na Noruega não se trata de um ato puramente insano, mas sim a expressão, individual, de uma visão de mundo que em sua procura insaciável de poder, demoniza qualquer coisa que não mais lhe convém: “Infelizmente ainda não assistimos ao último ato desta tragédia de mentiras e destruição que insistimos em chamar de civilização.”