Ponto de Vista

Atrasos na entrega de usinas comprometem setor elétrico brasileiro

 

 

Luciano Abreu

 

A falta de critérios mais “rigorosos” em leilões para a construção de usinas favorece a participação de empreendedores inexperientes, que causam uma série de atrasos no setor elétrico. Essa é a conclusão de um estudo feito pelo Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ. O coordenador do Grupo, professor Nivalde de Castro, e também um dos responsáveis pela pesquisa “Causas, consequências e busca de soluções para os atrasos em projetos de novos empreendimentos de geração”, conversou com o Olhar Virtual sobre o assunto.

Segundo o professor, o país demanda uma energia que não é mais suprida por hidrelétricas sem reservatórios, tornando-se necessário a construção de termelétricas. O problema é que usinas leiloadas entre os anos de 2007 e 2008 estão atrasadas, o que gera um “desequilíbrio financeiro” no setor.

Olhar Virtual: O que motivou a pesquisa?

Nivalde de Castro: O setor elétrico brasileiro está cada vez mais precisando ter, como fontes geradoras, geração térmica, porque a geração hídrica depende das chuvas. O Brasil, no passado, tinha grandes usinas hidrelétricas, como tem até hoje, com grandes reservatórios que permitiam que você usasse a água ao longo do ano mesmo quando não chovesse. Acontece que a capacidade de represamento desses reservatórios está diminuindo em relação à demanda de energia elétrica porque as novas usinas não permitem mais a formação de grandes reservatórios por conta da legislação ambiental que evita um impacto ambiental do alagamento.

Olhar Virtual: Qual a solução para suprir essa demanda?

Nivalde de Castro: Precisamos ter termelétricas e, tanto para hidrelétrica quanto para termelétrica, o Brasil realiza leilões para contratar essas energias. Em 2007 e em 2008, o país contratou muitas termelétricas por leilão. Como não há critérios de cadastramento rigorosos, do ponto de vista financeiro, empreendedores aventureiros entraram no leilão esperando que, com o seu vencimento, conseguissem formar um consórcio e pegar financiamento para construir o empreendimento.

Olhar Virtual: O que são ‘empreendedores aventureiros’?

Nivalde de Castro: Grupos empresariais sem experiência e sem cacife financeiro. Por exemplo, houve um grupo que ganhou a construção de várias usinas hidrelétricas no valor de 10 bilhões de reais. É muito dinheiro para o tamanho do grupo e para a experiência dele que não é de setor elétrico. Nos contratos, quando você ganha um leilão, você tem que entregar uma usina pronta, em funcionamento, daqui a três anos. Os que ganharam em 2007 e em 2008 não entregaram.

Olhar Virtual: Como estão essas usinas hoje?

Nivalde de Castro: Estão atrasadas. Justamente foi esse o objetivo de nossa pesquisa: mostrar a origem do problema, que acreditamos ser essa, e mostrar as consequências do atraso. Gerou-se um problema de inadimplência dentro do setor elétrico porque quando o empreendedor ganha o leilão, ele assina um contrato com distribuidores.

Olhar Virtual: Com a inadimplência desses empreendedores, como ficam as distribuidoras?

Nivalde de Castro: Elas têm que contratar um mercado spot [livre] de curto prazo para cobrir o buraco. Elas têm permissão para isso. O problema é que provoca um desequilíbrio financeiro entre quem gera, porque alguém está gerando no lugar dessas usinas termelétricas e eles não recebem para isso. Isso não se esperava no modelo.

Olhar Virtual: Como é esse modelo?

Nivalde de Castro: Quando você constrói um modelo, faz algumas hipóteses, monta sujeito a parâmetros. Ninguém imaginava que iria acontecer isso, mas está acontecendo e gerando uma inadimplência. A nossa opinião é de que – o que o estudo conclui – na entrada do leilão é preciso ser mais rigoroso, fazer um acompanhamento sistemático da obra ao longo dos três anos para evitar que o problema ocorra.

Olhar Virtual: A quem cabe o papel de fiscalização?

Nivalde de Castro: Cabe à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) junto com o Ministério de Minas e Energia. Por conta de esse fato ser muito novo, ninguém estava preparado. Agora, estão sendo tomadas medidas mais fiscalizadoras. O problema desses empreendedores é que ficam protelando por uma série de recursos legais. Na nossa avaliação, é muito difícil que um grupo numa situação como essa, que agora tem que pagar multas muito pesadas, consiga superar o problema.

Olhar Virtual: O senhor acha que hidrelétricas não são mais prioritárias?

Nivalde de Castro: Hidrelétrica é prioritária. Dependemos de hidrelétrica, sim. Com essa característica de construir hidrelétrica sem reservatório, no período de chuva você gera energia, mas no período de seca não. Então você tem que entrar com uma energia complementar e as termelétricas cumprem esse papel.

Olhar Virtual: O senhor disse que a fiscalização é uma das soluções. E para reformular os critérios nos leilões?

Nivalde de Castro: Isso é papel da Aneel e do Ministério de Minas e Energia. Nosso objetivo é mostrar uma rota de solução efetiva. Não cabe a nós entrar nesse nível de detalhe.

Olhar Virtual: Quando foi feito esse estudo?

Nivalde de Castro: Esse estudo acabou no dia 5 de maio e faz parte de uma linha de pesquisa que a gente vem acompanhando. É mais um de uma série de estudos inscritos que a gente já realizou. São textos de discussão do setor elétrico que o Gesel elabora, publica e divulga para a sociedade brasileira.

Olhar Virtual: Como está a repercussão do estudo?

Nivalde de Castro: Esse estudo está tendo a devida repercussão, o que mostra que a universidade pública tem um papel importante ao acompanhar os problemas que, no caso, o setor elétrico está enfrentando,e apresentar possíveis rotas de solução.

Olhar Virtual: Qual a conseqüência para o consumidor?

Nivalde de Castro: O consumidor nem sente isso. O problema é que gera uma incerteza regulatória, contratual. Para um negócio do setor elétrico, que envolve bilhões de reais em investimento, isso pode gerar dúvidas em relação a novos investimentos. Esse é o perigo.

Olhar Virtual: Uma das causas dos atrasos é a incapacidade de obter licenciamento ambiental. Que incapacidade é essa?

Nivalde de Castro: Isso parte da legislação brasileira que é muito rigorosa. A Constituição de 1988 estabeleceu uma legislação ambiental rigorosa e criteriosa. Ela está limitando a construção de hidrelétricas com reservatórios. Só tem hidrelétricas sem reservatórios, essa que é a nova regra do jogo.  Mas o problema maior é o atraso.

Olhar Virtual: Qual a perspectiva de medidas para sanar o problema?

Nivalde de Castro: As medidas vêm rápidas. A Aneel já decidiu que quem atrasar 15 dias está fora do mercado. Esses empreendedores citados no estudo estão atrasados há mais de um ano, já saíram do mercado. Se a usina não entrou [em funcionamento] e o empreendedor não contratou alguém para cobrir aquele buraco, ele está fora e ganha multa. [A decisão] identifica e limita o problema, não deixa [o empreendedor] ficar enrolando.

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