Olho no Olho

Os desafios do sistema viário até 2016

 

Fernanda Breder e Gisele Motta

 

A proximidade da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, eventos que aumentarão o fluxo de veículos na cidade do Rio de Janeiro, tende a tornar os problemas de escoamento do trânsito ainda mais evidentes. O poder público busca alternativas, como os corredores de Copacabana e a construção de vias expressas para a Barra da Tijuca, visando diminuir os engarrafamentos. Mas tais soluções beneficiarão os cariocas em longo prazo ou facilitarão a locomoção apenas daqueles que virão presenciar os eventos? As obras estarão prontas até a realização dos jogos? Como convencer a população a trocar o conforto de um carro por um ônibus lotado? Como fazer o trânsito fluir?

Para discutir o assunto, o Olhar Virtual apresenta as análises do professor Ronaldo Balassiano, do Núcleo de Planejamento Estratégico de Transportes (Coppe-UFRJ), e do professor Mauro Osório, do Instituto de Planejamento Urbano e Regional (IPPUR-UFRJ).

Ronaldo Balassiano

Núcleo de Planejamento Estratégico de Transportes - PLANET
Professor do Programa de Engenharia de Transportes - PET/COPPE/UFRJ

Toda grande metrópole enfrenta problemas de tráfego, em especial os congestionamentos. No caso do Rio de Janeiro, em algumas ligações específicas, a falta de alternativas para se redirecionar grandes fluxos de veículos pode ser um problema.

Os congestionamentos são, em geral, causados pela limitação de capacidade viária. Isso significa que muitas vias estão recebendo um fluxo de veículos acima de sua capacidade de ‘processamento’. A capacidade das vias depende de um conjunto amplo de fatores como o número de cruzamentos, a largura das faixas de tráfego, o número de cruzamentos com sinais de trânsito (semáforos), a geometria da via, a existência de áreas para estacionamento etc. Dessa forma a única forma de reduzir ou eliminar congestionamentos é fazendo com que cada via receba o fluxo de veículos que pode ser escoado garantindo-se um nível de serviço satisfatório ao usuário da via.

Os acidentes podem ser mencionados como outro problema grave no trânsito das grandes cidades. Só com muita informação, educação e fiscalização, o número de acidentes poderá ser reduzido. A punição das infrações previstas na legislação também deve contribuir para isso. É necessária uma maior conscientização de cada usuário das vias da necessidade de respeito às regras e leis de trânsito. O entendimento de que o pedestre ou o usuário de veículos não motorizados não são cidadãos de segunda categoria e, por isso, merecem igual ou mesmo maior atenção quando utilizam as áreas urbanas é muito importante.

Se considerarmos a área ocupada pelos veículos nas vias e o número de passageiros transportados por cada um, veremos que os veículos de transporte coletivo são muito mais

eficientes não apenas na utilização do espaço viário, mas também na utilização e consumo de combustíveis e, consequentemente, na produção de impactos ambientais de menor monta. Dessa forma, se pudermos reduzir o número de veículos transportando apenas um passageiro em uma determinada área e aumentar o número de veículos que transportam um número maior de passageiros em cada viagem, estaremos contribuindo para melhorar a mobilidade naquela área ou corredor específico.

Para melhorar a circulação na cidade, o cidadão deve exigir um transporte coletivo eficiente e de qualidade e exigir também a manutenção das vias públicas em condições satisfatórias e seguras para o uso da bicicleta e realização de viagens a pé. Além disso, deve reduzir o número de viagens feitas por carro em curtas distâncias, onde a opção pela bicicleta ou pela caminhada for viável, e utilizar, sempre que possível, o transporte coletivo em viagens que utilizam corredores com grande circulação de veículos.

Em infraestrutura, deve-se dar prioridade a veículos de transporte coletivo.

Sobre as vias expressas de ônibus que estão sendo criadas em Copacabana, se considerarmos que está sendo dada prioridade para o transporte coletivo, elas são uma boa alternativa. No entanto, a adoção de estratégias em paralelo, como educação e conscientização do custo da

utilização do carro nesses corredores, pode ajudar a reduzir os "efeitos colaterais" da redução de espaço viário para os carros particulares.

Um dos pontos críticos da cidade é a região da Zona Oeste, a que mais recebe investimentos imobiliários e que possui alguns corredores expressos que não atendem mais de forma adequada a demanda por viagens existente, a partir do crescimento acelerado

da frota de veículos particulares.

Tendo em vista a proximidade da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, estão sendo construídos corredores expressos para ônibus de grande capacidade. Esses sistemas são conhecidos como BRT e tem um conjunto de particularidades pouco conhecidas da população. Além de trafegar em faixas segregadas do resto dos veículos e transportar um grande número de usuários, esses ônibus fazem o embarque de passageiros em estações específicas com pagamento antecipado das viagens. Possuem ainda controle total da operação através de dispositivos tecnológicos de última geração.

Se forem bem operados e fiscalizados pelo poder concedente, que deve ter total controle das operações, as perspectivas de melhoria no setor de transporte são boas.

As desapropriações, para que os corredores possam ser construídos, são sempre problemáticas, mas se houver decisão política e, principalmente, recursos para investimento no sistema, incluindo todas as suas características originais, o tempo poderá ser suficiente. 

Mauro Osório

Professor-adjunto da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ
Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ


O Rio de Janeiro tem características geográficas, de mar e montanha e de regiões alagadiças, como a Praça da Bandeira, que dificultam uma política de transporte. Além disso, defendo a tese de que, a partir do golpe de 64 e das cassações, o Rio de Janeiro passou por um processo de particular degradação da lógica política. Acredito que isso possa influenciar particularmente a política de transporte, pelas interações que o setor possa ter com a política regional.

A degradação da política regional gerou diversos problemas no Rio de Janeiro, como a existência de estados paralelos, com forte conexão com a polícia. Isso começa a ser revertido no atual governo, com o fim das nomeações politiqueiras e a nomeação do Beltrame (José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro). Além disso, a periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) quase não possui densidade de emprego, ao contrário da situação encontrada nas periferias das RMs SP e BH, o que aumenta sobremaneira o deslocamento diário em nossa metrópole.

É importante criar, na região Metropolitana do Rio de Janeiro, uma política de transporte de massa sobre trilhos. Na cidade do Rio, a prioridade é integrar a Área de Planejamento 5 (regiões administrativas de Santa Cruz, Campo Grande, Bangu, Realengo e Guaratiba) à Zona Suburbana e à Zona Central e Portuária. É entre essas três regiões que trabalham e/ou moram em torno de 70% da população carioca.

As principais cidades do mundo procuram desestimular o uso de transporte particular. Isso, no entanto, tem um custo político alto, pelo peso do voto e da formação de opinião das classes A, B e C. No entanto, avançar nessa direção é imprescindível. Por exemplo, as vias expressas de ônibus nas vias de Copacabana são uma medida correta da Prefeitura, pois prioriza o transporte coletivo ao individual.

Há um número maior de linhas de ônibus em trechos mais rentáveis (Zona Sul e parte da Zona Norte) em detrimento de uma distribuição mais justa em percursos considerados menos atraentes para as empresas. O médico e ex-ministro da Saúde Adib Jatene costuma dizer que o maior problema do pobre é que o amigo dele também é pobre. Ou seja, não tem para quem reclamar. Essa diferença de peso político é um dos fatores que, com certeza, leva a uma situação pior de transporte em regiões como a Área de Planejamento 5 da cidade e a Zona Suburbana. Na Área de Planejamento 5, a carência de vias regulares de ônibus leva todas as grandes empresas a transportar seus funcionários em ônibus fretados.

Gostaria de lembrar que a Área de Planejamento 1 concentra em torno de 40% do emprego formal existente na cidade do Rio de Janeiro e apenas cerca de 4% da moradia. Ampliando a moradia nessa região e melhorando a sua infraestrutura e qualidade de vida, diminuiremos o problema de mobilidade na RMRJ.

É importante lembrar ainda que, quando foi definida, nos anos 60, uma prioridade para a expansão da cidade para a Área de Planejamento 4 (Barra da Tijuca e Jacarepaguá), a ideia do Plano Lucio Costa era a Barra da Tijuca passar a ser o novo centro do Rio. Hoje, a prioridade é a revitalização do centro histórico.

A tendência é a população do Rio de Janeiro não crescer mais, como aponta, por exemplo, Carlos Fernando Andrade, em sua tese de doutorado, na Faculdade de Arquitetura da UFRJ, denominada “Rio em tempos de retração”. Sendo assim, por que estimular a expansão da cidade para regiões como a Área de Planejamento 5, onde quase não há emprego e infraestrutura? Na região administrativa da Barra da Tijuca moram apenas 5% da população carioca. O que não quer dizer que os transportes na região não devam ser melhorados. A questão é a definição de prioridades. Na Área de Planejamento 5 já moram em torno de 30% da população carioca e lá são encontrados apenas 7% dos empregos formais da cidade. Acredito que os pontos críticos sejam a Área de Planejamento 5 e os municípios da periferia da região metropolitana.